Ela tem a alegria no nome. Talvez isso explique a comoção que causa quando entra em um sarau. Mesmo quando não faz parte, oficialmente, da lista de poetas que vão se apresentar, acaba sendo convidada para ler seus textos. Que são, por assim dizer, bastante ousados para uma mulher de 89 anos: Claire Feliz Regina escreve poemas eróticos.

Muitas coisas mudaram em sua vida depois que se aposentou. Pode-se dizer, na verdade, que houve praticamente uma inversão de etapas: a garota que nasceu em Campo Grande (MS) em 1928 e se mudou para Bauru aos 17 anos virou escritora da selva paulistana aos 79 – ela mora atualmente em São Paulo.

Antes da fase “selvagem”, houve a vida interiorana de casamento, filhos e o trabalho burocrático de funcionária pública na Receita Federal, especializada em imposto de pessoa física.

A cronologia de Claire é outra, por assim dizer. Os parcos recursos familiares fizeram com que tivesse que trabalhar desde a adolescência, e foi só aos 30, idade sacramentada no universo feminino por Balzac, que entrou na Receita como escriturária, já vivendo em São Paulo. Aos 37, foi estudar economia; aos 50, foi promovida a auditora fiscal.

Quem a vê declamando poemas eróticos como “O Marido”, em saraus temáticos como o realizado pela revista Libertinagem, não imagina que a poeta enfrentou dilemas e bloqueios amorosos na própria vida.

“Antes ele fazia sexo demorado/

Cheio de preliminares./

Reclamou-me a vizinha,/

virou poeta de hai-kai,/

agora, só quer dar/

‘uma rapidinha’”

A autora de versos como “Antes ele fazia sexo demorado/Cheio de preliminares./Reclamou-me a vizinha,/virou poeta de hai-kai,/agora, só quer dar/‘uma rapidinha’” não sucumbiu aos galanteios de um pretendente mais novo depois que enviuvou. “Não soube lidar com a diferença de idade”, conta. Desse impasse, ocorrido há cerca de 30 anos, nasceu seu primeiro poema.

A desinibida e quase performática Claire que arranca aplausos em suas apresentações se especializou em romper burocracias na maturidade, para lidar com os próprios medos e a timidez que alguns jurariam que nunca esteve por ali.

Quando resolveu dedicar seus dias à escrita, a primeira intenção era escrever um livro sobre como incrementar a vida familiar e amorosa.

“Crianças, tapem os ouvidos”

Não deixa de ser esse o uso que ela dá às palavras, só que de forma muito mais espontânea e emotiva. “Há poetas que buscam um linguajar rebuscado e que, no fim das contas, não dizem coisa alguma”, afirma ela. “Eu escrevo com sentimento, com o coração.”

E é essa pulsão sensitiva, ou sentimental, que acaba ditando os caminhos que trilha. A primeira vez que leu em público foi casual, em um recital da atriz Elisa Lucinda. Claire foi convidada para declamar um poema e, inesperadamente, precisou quebrar ali, de improviso, sua vergonha diante de plateias. Em um arroubo de bom humor, pediu às crianças presentes que tapassem os ouvidos. Ao final da leitura, foi aplaudidíssima.

“Fiz uma poesia brincando,/

leram e gostaram./

Fiz outras, disseram/

que era lindo tudo o que eu escrevia,/

e eu acreditei.”

Em 2008, a autora de poemas eróticos foi eleita personagem do ano pelo boletim “Mais São Paulo”, da rádio CBN, então comandado pelo jornalista Gilberto Dimenstein. É ele quem assina a orelha do livro dela, “Meu jeito de falar”, lançado em 2014 pela Editora Patuá com noite de autógrafos na Casa das Rosas, em São Paulo.

Por sinal, não é só o jeito de falar a razão do sucesso de Claire. Mais que isso, seu brilho está mesmo é na ousadia de viver, como se tudo de fato pudesse ser enfrentado em rimas lúdicas, todas as dores amansadas por um olhar que enxerga ao redor somente uma grande brincadeira – mas com uma lucidez afiada.

Ou, como em suas próprias palavras, “Fiz uma poesia brincando,/leram e gostaram./Fiz outras, disseram/que era lindo tudo o que eu escrevia,/e eu acreditei.”

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