Quatro anos atrás, Abigail Funicelli estava em frente à TV quando viu uma reportagem sobre uma DJ. Aos 87 anos, o vídeo a inspirou a buscar um curso para aprender a técnica. “Olha, esse troço é difícil, mas eu vou tentar”, pensou.
Hoje, aos 91, a DJ Sandra Gabby, que já foi atriz em teatro de revista e em peças infantis, diretora, autora, professora de dança e datilógrafa, se apresenta na noite paulistana semanalmente. “Se estiver no palco e tocar, eu vibro”, diz ela, acrescentando que não descuida do figurino. A roupa, de couro e com tachas, é de “ar-ra-sar”, arremata.
Veja os principais trechos da entrevista:
Como a sra. se interessou em ser DJ?
Eu estava em casa e vi na televisão uma mulher falando assim: “Eu sou a única mulher do mundo que faço DJ”. Ah, é? Eu disse: “Olha, esse troço é difícil. Mas eu vou tentar”.
Sabe quanto o curso? R$ 1.000. Fiz assim mesmo. Na época, eu tinha 87 anos. Terminei e fui a várias rádios e a todos os canais de televisão de São Paulo. Viajei muito. Toquei em Portugal, em Miami.
A sra. gosta de ser DJ?
Pegar gosto, eu peguei. Mas é um negócio muito difícil. [O controlador para DJ] tem uma coisa de ruim comigo: demora à beça a pegar.
A sra. se apresenta em casas noturnas?
Ah, eu tenho tocado muito em boates gay. Eles me adoram. Eu tenho um figurino... Se você visse minha roupa de DJ, é de ar-ra-sar. É cheia de coisinhas que parece que espetam, mas não espetam, não. É tudo dourado, com lantejoulas. Eu gosto de aparecer.
“Deus me livre parar. Só se eu ficar doente. Enquanto eu tiver saúde, estou para frente”
A DJ Sandra Gabby, que aprendeu a discotecar quatro anos atrás, aos 87 anos; Crédito: Na Lata
O quanto o trabalho é importante para a sra. hoje?
É muito importante. Eu vou de táxi, chego à boate, toco, pego um táxi e volto pra cá. A maioria não paga.
Quantas vezes por semana?
Só às sextas-feiras.
A sra. pensa em parar?
Deus me livre. Só se eu ficar doente. Enquanto eu tiver saúde, estou para frente.
Quando a sra. vai tocar, faz amizade? Tem paquera?
Tem paquera. Ficam tudo assim em volta, perto de mim. Não ligo, não. Ao contrário, até gosto. Só quando perguntam: “Quer que eu leve em casa?”, eu digo que não porque tenho irmãos muito chatos. Mentira. Um tá em Santos, outro está em Vitória.
E antes de ser DJ?
Fazia teatro. Até o ano passado eu estava atuando.
A senhora parou?
Não, não parei. Eu estou para fazer uma peça.
“A moça perguntou: ‘Você bota as pernas de fora?’. Eu disse: ‘Por que não?’”
Qual foi o primeiro trabalho da senhora?
Foi no Teatro Carlos Gomes [no Rio de Janeiro], numa companhia de teatro de revista.
Como teve contato com o teatro?
Eu estudava contabilidade. Li no jornal: precisam-se de “girls” jovens e bonitas. Eu me sentia lindérrima. Eu já tinha feito a vida de Cristo. Cheguei lá e disse: “Eu sou ‘girl’”. Pensei que “girls” fossem garotas. A moça disse: “Você já trabalhou onde?”. Eu disse: “Na Igreja São Geraldo”. Ela perguntou: “Você bota as pernas de fora?”. Eu disse: “Por que não?”. A moça gostou de mim, me achou despachada, alegre.
Como foi a reação da família?
Minha mãezinha de criação escondeu, escondeu, até que um dia meu pai descobriu. Ele trabalhava no cassino da Urca. Sabe como é que eu fazia? Eu ia para casa correndo, de trem. Chegava e mudava a roupa. Botava debaixo da cama, nem guardava. Meu pai chegava às 2 da manhã.
E depois a sra. continuou na área?
Trabalhei com a Dercy Gonçalves. Morei na casa dela. Meu pai tinha medo de eu ir de trem e a Dercy disse para meu pai: “Se o senhor quiser, ela fica na minha casa”. “A dança do saco é uma dança diferente, que vai para trás e vai para frente...” [Cantando.]
Saí dali e fui para a companhia do [produtor e ator] Walter Pinto. A Dercy ficou louca de raiva. Mas o Valter Pinto era cartaz. Ah, quem no Rio de Janeiro não queria trabalhar com ele?
Quanto tempo a sra. ficou com ele?
Um ano.
Para onde a sra. foi?
Meu [futuro] marido [João Rios] foi me assistir na primeira fila. Ele viu e disse: “Preciso dessa moça para a minha companhia de comédias”. Eu casei com meu empresário logo de cara. Ele queria. E eu disse: “Não, só casada”.
Quando perguntavam qual era a melhor atriz do Brasil, ele dizia: “Como a Gabby não existe. Ela fala com os olhos, com as mãos”. É verdade. Aprendi isso com o tempo. O mundo que me ensinou a ser atriz. Mas ele me deu muita aula de teatro.
Ele morreu e eu fui fazer teatro infantil.
“Se eu boto os pés no palco, ponho com o maior amor do mundo”
Detalhe das mãos da DJ Sandra Gabby enquanto discoteca em sua casa, no centro de SP; Crédito: Na Lata
Qual é a diferença de quando a sra. começou para hoje?
Eu trabalho melhor hoje. Tenho loucura por representar.
O que a sra. tira de lição de vida em relação ao teatro?
Se eu boto os pés no palco, ponho com o maior amor do mundo. Todo mundo fala: você não vai ficar muito tempo nisso, não. [Aponta para o controlador para DJ.] Não? Vou, sim. Isso também é teatro. Se estiver no palco e tocar, eu vibro. Tudo eu vibro.
A senhora sempre foi assim cheia de vida?
Eu fui uma pessoa muito feliz. Fui, não. Sou.