A antropóloga e escritora Mirian Goldenberg considera-se uma obcecada por descobrir os caminhos que levam à vida feliz. Por isso, há três décadas, dedica-se ao estudo do comportamento humano, numa empreitada que batizou de "antropologia da felicidade".

Depois de pesquisar mais de 5 mil homens e mulheres, de 18 a 98 anos, Mirian chegou a algumas constatações. Uma delas é o tema do seu mais recente trabalho: "Liberdade, Felicidade e Foda-Se!", lançado pela Editora Planeta em junho.


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Inspirado na palestra "A Invenção de uma Bela Velhice" – apresentada no TEDxSãoPaulo no fim de 2017, que viralizou e alcançou mais de 1 milhão de visualizações a partir da publicação no YouTube –, o livro mostra como as pessoas encontram a felicidade a partir do momento que ligam o botãozinho do "foda-se" e se livram de receios, medos e rótulos que carregam ao longo da vida.

Com uma série de provocações aos leitores, o objetivo da autora é que eles reflitam sobre alegria, sabedoria, gratidão, positividade, sentimentos e projetos de vida, entre outros tópicos. "Qual é o significado da minha vida?", "O que me falta para ser mais feliz?" e "Por que tenho medo de envelhecer?" são algumas das perguntas que a guiaram nesse mergulho, que lhe rendeu não só o retrato brasileiro na busca pela felicidade como também grandes e inesperadas amizades.

Santista de nascimento e carioca por opção, ela ganhou amigos nonagenários que transformaram sua vida, a ponto de se autoenquadrar na mesma faixa etária deles – apesar de ter 62 anos. A seguir, Mirian conta um pouco mais sobre seu mais novo trabalho.

Como as pessoas encontram a felicidade

Sua pesquisa "Corpo, Envelhecimento e Felicidade" envolve homens e mulheres, mas o livro foca bastante a ala feminina. Por quê?

O livro trata de homens e mulheres, que pesquisei nos últimos 30 anos: 5 mil pessoas, dos 18 aos 98 anos. É um livro de felicidade para todas as pessoas, de diferentes idades.

Quando fiz meu TED e o vídeo viralizou, recebi muitas mensagens de mulheres de todas as idades, pedindo que eu escrevesse um livro, aprofundando a discussão que apresentei no TED em 10 minutos. O livro, então, é uma resposta a esse pedido e uma forma de agradecimento. Mas eles também sentem que o livro é libertador.

Podemos dizer que as mulheres foram mais impactadas pela sua palestra no TEDx? 

Elas reagiram muito mais à minha palestra porque falo de temas que são muito caros ao universo feminino: liberdade, amizade, cuidado, relacionamento, preocupação com corpo e magreza, pânico de envelhecer. Recebi também muitas mensagens de homens, mas foram elas que ficaram mais impactadas.

No TEDx e no livro, você comenta que, apenas quando estão mais velhas, as pessoas adotam o "foda-se" e passam a viver de acordo com o que as faz feliz. O que há por trás da resistência de adotar essa postura antes de determinada idade?

A questão não é adotar ou não o foda-se. As pessoas – e as mulheres mais jovens, sobretudo – me dizem que têm muito pouco tempo para elas mesmas, pois têm que agradar e cuidar de todo mundo, cuidar do corpo. Elas têm aspirações profissionais, familiares, pessoais, amorosas.

Existe também uma cultura que oprime e sobrecarrega as mulheres, que estão exaustas, deprimidas e muito insatisfeitas. E só mais velhas, com a urgência do tempo, ao descobrirem que o tempo é a principal riqueza, aprendem a dizer "não", a não se preocupar tanto com o que os outros pensam. Aí, sim, adotam e ligam o botãozinho do foda-se como uma forma de se livrar dos preconceitos, dos rótulos, das etiquetas.

Felicidade

Elas também se livram das pessoas que são vampiras emocionais – aquelas que sugam a energia, só criticam, botam para baixo.

É preciso uma certa maturidade, maior segurança e maior urgência do uso do tempo para cuidar de si mesma e adotar o botãozinho do foda-se.

Uma coisa bacana é que eu escuto muito das mais jovens é: "Não vou esperar 60 anos para ser mais livre, mais feliz. Vou ligar o meu botãozinho bem mais cedo".

“As mulheres estão muito insatisfeitas, deprimidas, exaustas”

Em sua opinião, a percepção de que o tempo é um bem preciosíssimo deve acontecer mais cedo ou a tendência é que essa compreensão deva continuar a ocorrer acima dos 45 anos, quando a curva da felicidade começa a ascender, como você identificou nas pesquisas?

O que eu percebo, no Brasil, é que as mulheres estão muito insatisfeitas, deprimidas, exaustas e sofrendo muito com as cobranças sociais, com relação ao corpo, ao trabalho, à família. A tendência é elas começarem a valorizar o próprio tempo, o cuidado de si e [iniciar] uma libertação dos preconceitos e das pressões sociais mais cedo.

Um dos depoimentos do livro diz: "É um grande desperdício de vida ter que esperar até os 60 anos para ser mais feliz. Não dá para ser livre mais cedo?". As pessoas vão conseguir ser felizes antes de completar décadas de vida?

Com certeza! Isso já vem acontecendo e me sinto uma militante desse processo de libertação feminina. Porque, quanto mais conhecimento e compreensão da realidade e da cultura em que vivemos, mais as mulheres podem se libertar mais cedo.

“A faxina existencial é fundamental para ter uma vida mais livre, feliz, leve, simples e prazerosa”

No livro, você cita que é necessário fazer uma faxina existencial para construir uma vida mais livre e feliz. Isso deveria ser feito em vários momentos? Em qual ramo da vida?

A faxina existencial é fundamental para ter uma vida mais livre, feliz, leve, simples e prazerosa. Ela é necessária em todos os âmbitos.

Em primeiro lugar, o mais importante é faxinar os vampiros emocionais – todas as pessoas que nos botam para baixo. A faxina é necessária também no consumo: no livro, mostro como mudei muito a minha vida. Hoje, tenho uma vida muito simples, leve, gostosa, livre e mais feliz. Ter bastante é ter o que nos basta e, para mim, o que me basta é muito pouco.

Faxinei muito e continuo faxinando: roupas, sapatos, bolsas, cacarecos. Tenho apenas as roupas que eu gosto, que são confortáveis e simples de cuidar – porque também não tenho empregada ou faxineira.

Quanto mais simplifico minha vida, mais leve e gostosa de viver ela fica. Também é importante dizer "não" para aquilo que a gente não quer fazer, que só aceita fazer por medo ou vaidade.

Como foi sua experiência pessoal de ter uma vida mais leve e se desfazer de tudo o que não queria e precisava? 

Fiz uma faxina radical: doei mais de 70% de tudo que eu tinha de roupa, sapato, bolsa... Doei praticamente todos os meus 5 mil livros. Mas não sofro por isso, nem estou arrependida. Dei para pessoas que estão usando e aprendendo com eles.

Também não compro roupa nova há quase cinco anos. Às vezes, quando estou com muita vontade ou precisando de algo novo, peço de presente para meu marido no meu aniversário, no Dia dos Namorados ou no nosso aniversário de casamento.

“Existe esse pânico de envelhecer em função do medo da invisibilidade social”

O culto ao estético, ao rosto e ao corpo jovens impede as pessoas de envelhecerem felizes? 

No Brasil, existe esse pânico de envelhecer em função do medo da invisibilidade social, dos sinais da velhice e das etiquetas que as pessoas, principalmente as mulheres, ganham quando envelhecem. Por isso, somos campeãs em cirurgia plástica, botox, preenchimento, tintura para cabelo, remédio para emagrecer, moderador de apetite, ansiolítico, remédio para dormir, antidepressivo…

Essa cultura que pressiona, que cobra tanto das mulheres, provoca um pânico de envelhecer e muita insatisfação com o próprio corpo, rosto, cabelo… com tudo!

Ela só provoca sofrimento, insatisfação e muita infelicidade. E nós temos que mudar isso no nosso próprio cotidiano, gostando mais de quem a gente é.

As expectativas para a velhice entre homens e mulheres são diferentes ou eles têm os mesmos sonhos e projetos?

Homens e mulheres falam de uma forma bem diferente sobre envelhecimento. As mulheres falam mais de invisibilidade social, da história do "será que eu posso porque envelheci?" - "será que posso ir à praia de biquíni?", por exemplo.

Elas falam muito da aparência, do corpo, de determinados comportamentos que não podem mais adotar para não serem consideradas velhas ridículas. No entanto, quando envelhecem, falam muito de liberdade e de amizade e dizem que é o melhor momento de toda a vida e que nunca foram tão livres e felizes.

Felicidade

Já os homens têm mais medo da aposentadoria, de impotência e de dependência física. Quando eles envelhecem, o que mais valorizam é a esposa, os filhos e netos, a casa, a família, ou seja, a vida dentro do mundo do afeto, dentro da casa.

Mas os dois ganham: elas ganham o mundo da liberdade e da amizade; eles, o mundo do afeto que não puderam ter quando eram mais jovens.

No livro, você cita que os superidosos [acima de 90 anos] são os melhores exemplos de uma bela velhice e os que te ensinam bastante sobre felicidade. Pode contar um pouco mais sobre eles?

Estou fazendo essa pesquisa sobre envelhecimento e felicidade desde 2005. Em 2015, descobri um grupo que está me ensinando não só a envelhecer bem, mas a viver bem. São homens e mulheres de 90 a 99 anos.

Já cheguei a ter um grupo com mais de 30 pesquisados, mas há um grupo menor, com o qual convivo diariamente. São pessoas alegres, ativas, produtivas, com projetos, que cantam, dançam, tocam piano, tocam pandeiro, escrevem romance, assistem filmes e vão ao teatro comigo. São meus melhores amigos.

Descobrir os nonagenários mudou completamente minha vida. Digo que hoje eu tenho 93 anos, porque só gosto de conviver com eles.

Por que as pessoas demoram a se dar conta de que liberdade significa felicidade?

Gosto muito de uma frase que tem no meu livro: "Liberdade é a melhor rima para felicidade". Descobri isso com meus pesquisados e com um estudo profundo da obra da [filósofa e escritora] Simone de Beauvoir [1908-1986]. Ela fala isso: "Ser livre é querer que os outros sejam livres".

Descobri que liberdade – de rir, de brincar, de ligar o botão do foda-se para tudo que a gente não quer mais na nossa vida, de dizer "não", de ser o que a gente é – é fundamental para a felicidade.

E por que que a gente demora tanto tempo? Porque precisa de muita segurança, confiança, maturidade e experiência de vida.

“Sou muito mais feliz hoje, aos 93 anos”

Você sempre foi feliz ou encontrou a felicidade depois de muitas experiências na vida?

Não! Eu não era nada feliz na infância, na adolescência e em boa parte da minha vida adulta. Sofri muito e ainda sofro. Mas sempre tive obsessão em descobrir caminhos para minha felicidade e para a das outras pessoas.

Isso me ajudou muito, porque acabei pesquisando, compreendendo e conhecendo a vida de pessoas que sabem viver com mais alegria, energia, bom humor, projetos de vida. Acabei descobrindo pessoas que me fazem muito mais feliz.

Então, posso dizer que hoje eu sou muito, muito, muito mais feliz do que sempre fui. E jamais queria ter os meus 25, 30, 40 ou 50 anos, porque sou muito mais feliz hoje, aos 93 anos.

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