Para a engenheira e neurocientista Carol Garrafa, falar sobre propósito também é falar sobre o que dá sentido à vida no dia a dia. Ou seja, também é tratar de longevidade e bem-estar.
Com passagens pelo mercado financeiro e formações em instituições internacionais, a autora do livro "People Skills: uma vida de propósito" e fundadora do método Santé se tornou referência no estudo da felicidade e das competências humanas que, segundo ela, serão cada vez mais essenciais para vivermos com equilíbrio em um mundo em constante transformação.
Nesta conversa com o Instituto de Longevidade, Carol Garrafa reflete sobre o que a ciência já sabe sobre felicidade, propósito e longevidade. Ela mostra que viver bem é uma arte que começa dentro da mente.
Foto: Song-about-summer/shutterstock
Você vem de uma trajetória sólida no mercado financeiro e hoje atua com desenvolvimento humano. O que aprendeu, ao longo dessa transição, sobre a busca por propósito?
Carol Garrafa: Essa pergunta é muito interessante, porque o que eu mais aprendi nessa transição não foi a busca por um propósito, mas sim em entender o que realmente o propósito é. A gente fala tanto em “buscar propósito” que às vezes esquece de viver com propósito. Essa palavra foi ficando muito romantizada, como se fosse algo grandioso a ser encontrado e, no fundo, propósito está no processo. É sobre intenção, sobre fazer as coisas sabendo o porquê. É o oposto do piloto automático.
Quando a gente pensa em longevidade, por exemplo, propósito é o que faz a gente se cuidar hoje para poder viver melhor amanhã. É escolher dormir melhor, se alimentar bem, investir em relações, aprender continuamente - tudo isso “de propósito” ( aquela velha afirmação, fiz isso “de propósito”), porque a gente sabe o que está construindo.
Então, o que eu aprendi ao longo dessa jornada é que propósito não é um lugar que a gente chega. É um modo de caminhar. É fazer cada escolha com intencionalidade, e aprender no processo quem a gente é de verdade. É agir com consciência no presente, sabendo que cada escolha molda o nosso futuro. E a frase que sempre me guia é: propósito não é sobre encontrar um caminho pronto, é sobre caminhar com intenção todos os dias.
Quem tem um propósito de vida envelhece mais feliz em sua opinião? Como encontrá-lo?
Carol Garrafa: Diversos estudos mostram que ter um propósito de vida está associado a envelhecimento mais saudável, maior bem-estar e até maior longevidade. Propósito aqui conceituado em uma causa maior em sua vida, um sentido pelo qual vale a pena viver!
Mas o ponto principal é que não é preciso “encontrar” um propósito como se fosse algo distante. O propósito nos encontra quando vivemos com intenção e estabelecemos objetivos claros sobre onde queremos chegar.
É vivendo com consciência, agindo de forma intencional, que o propósito surge no processo. E isso faz toda a diferença: você não só vive mais anos, como vive melhor. Em resumo: propósito é agir de forma intencional, com objetivos claros e algo maior que si mesmo, e essa prática não só promove mais felicidade, como também longevidade com qualidade.
Você pesquisou sobre felicidade em mais de 30 países. O que a neurociência e a observação da vida real te ensinaram sobre o que realmente faz as pessoas felizes?
Carol Garrafa: Quando comecei minha pesquisa sobre felicidade, parti de uma premissa simples: cada pessoa tem sua própria felicidade, não existe um conceito universal. Para minha surpresa e para a maioria das pessoas , mesmo entre culturas e vidas muito diferentes, encontrei um padrão em três respostas quando perguntava o que realmente faz as pessoas felizes: ser amado; ser ouvido e ter permissão para errar.
Voltei para o Brasil buscando embasamento científico para essa descoberta e me aprofundei em neurociência. Foi então que encontrei os quatro neurotransmissores chave da felicidade, que carinhosamente apelidei de D.O.S.E: dopamina, ocitocina, serotonina e endorfina , lembrando que, como dizemos, entre o remédio e o veneno, a diferença está na dose.
Se a felicidade tem conceitos tão simples, por que muitas pessoas vivem na contramão? Porque nos amamos pouco, não ouvimos de verdade, e não permitimos que o erro seja um aprendizado.
Além disso, muitas pessoas não se conhecem. Como dizia Jung: “quem olha para fora sonha; quem olha para dentro desperta”. Focamos no que precisamos melhorar, e não no que realmente nos potencializa. Ignoramos nossos talentos e nos tornamos vítimas das circunstâncias, desequilibrando nossa vida e vendo o tempo passar.
Quando passamos por um processo de autoconhecimento, abrimos espaço para entender e conhecer o outro. Foi assim que surgiu o método Santé, que funciona como um verdadeiro MBA da própria vida:
• Descobrir quem você é e como se relaciona com seu ambiente
• Recriar seus talentos e potencializar seu cérebro
• Desconstruir crenças limitantes para construir seu verdadeiro caminho de sucesso com base nos seus valores
• Manter o equilíbrio
Ou seja, desenvolver as People Skills para atingir alta performance e a verdadeira felicidade.
Muitas pessoas associam propósito a grandes missões. É possível viver uma vida de propósito nas pequenas escolhas do dia a dia?
Carol Garrafa: Muitas pessoas associam propósito a grandes missões, como carreira, casamento ou mudanças radicais. Mas, na verdade, é possível viver uma vida de propósito nas pequenas escolhas do dia a dia. Tive a oportunidade de conhecer Tal Ben-Shahar, professor de Harvard e autor internacionalmente reconhecido em psicologia positiva, liderança e bem-estar. Seu livro "Choose the Life You Want: 101 Ways to Create Your Own Road to Happiness" fala exatamente sobre isso.
A ideia central é que não são apenas as grandes decisões que definem nossa felicidade, mas sobretudo as inúmeras pequenas escolhas que fazemos todos os dias, muitas vezes sem perceber. Ao nos tornarmos conscientes dessas escolhas e deliberadamente optarmos por versões melhores de nós mesmos, podemos construir uma vida mais plena e satisfatória.
Tal apresenta 101 escolhas possíveis e algumas delas se tornaram parte do meu próprio método de performance e bem-estar. Aqui estão três que valem para qualquer pessoa que deseja viver com mais consciência: escolher apreciar em vez de reclamar; escolher agir apesar do medo, e não esperar que ele desapareça; e escolher presença em vez de perfeição.
Nenhuma dessas decisões é grandiosa sozinha, mas juntas constroem uma mente mais leve, criativa e produtiva. E, sim, mais feliz. Felicidade é treino. E é escolha.
O envelhecimento traz mudanças cognitivas e emocionais. Como desenvolver people skills pode ajudar a viver essa fase com mais equilíbrio e significado?
Carol Garrafa: Desenvolver habilidades como autoconsciência, empatia, comunicação e gestão emocional ajuda a manter relacionamentos saudáveis, decisões conscientes e equilíbrio interno, mesmo diante dos desafios da idade.
Essas competências podem ser desenvolvidas graças à neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de criar novas conexões, aprender e mudar comportamentos. Os três pilares que sustentam a neuroplasticidade são: Intencionalidade (a vontade de se desenvolver ou mudar); Esforço (repetição consciente) e Emoção envolvida (sentido e propósito).
Além disso, trabalhar essas habilidades nos permite nos conectar melhor conosco, reconhecendo talentos, valores e limitações, e também com os outros, fortalecendo vínculos sociais, que são essenciais para saúde e felicidade.
Em outras palavras, por isso que People Skills não podem ser chamadas de “soft skills”. Elas não são competências “macias” ou “leves” (como o nome “soft” sugere), elas são fundamentais para envelhecer com significado, propósito e bem-estar. Elas transformam cada fase da vida em oportunidade de crescimento, aprendizado e realização pessoal.
Em sua opinião, o que as pessoas 50+ ainda podem — e devem — aprender sobre si mesmas para viver melhor?
Carol Garrafa: Aos 50 anos ou mais, muitas pessoas alcançam uma fase de maior equilíbrio e significado na vida. Pesquisas da Stanford, conduzidas pela psicóloga Laura Carstensen, mostram que nessa etapa a satisfação com a vida tende a aumentar e a empatia se aprofunda, especialmente diante dos desafios. Isso ocorre porque, com o tempo, passamos a priorizar relações e a atividades que nos proporcionam significado emocional, conforme a teoria da seletividade socioemocional.
Um insight recente, discutido inclusive na SXSW deste ano, reforça algo muito importante: saúde mental é saúde social. Ou seja, para viver melhor, precisamos priorizar e preservar nossas relações, cultivando conexões de qualidade.
Nessa fase, é essencial continuar aprendendo sobre si mesmo, reconhecendo valores, talentos e limitações. Desenvolver habilidades como autoconsciência, empatia e comunicação fortalece vínculos sociais e promove bem-estar.
Além disso, cultivar um propósito de vida, que vá além de si mesmo, contribui para uma existência mais plena, satisfatória e significativa.
Existem alguns hábito simples que você considera transformadores para quem quer viver com mais propósito e longevidade?
Carol Garrafa: Além dos hábitos básicos, alimentação, sono e exercício físico, acredito que a vida equilibrada se sustenta em três pilares: corpo, mente e espírito.
Para o corpo, manter a atividade física regular é fundamental. Esportes com raquete, como tênis, ping-pong ou beach tennis, que é meu esporte, são especialmente poderosos porque combinam movimento, atenção, foco e constância, estimulando o cérebro e promovendo longevidade.
Para a mente, um hábito simples, mas transformador, é começar o dia com uma intenção clara. E para o espírito, acreditar em algo maior que você e agir em prol de outros fortalece vínculos sociais e propósito de vida. Pessoas que vivem apenas para o ego tendem a permanecer em modo sobrevivência. Aquelas que contribuem para a comunidade, que ajudam o outro, experienciam mais significado e bem-estar.
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