Eu já desenhei, pintei , cantei, fiz teatro e fui funcionária pública.
Eu ri agora escrevendo isso, porque o desenho, a pintura, o canto e o teatro foram todas brincadeiras de criança e adolescente e o que eu virei mesmo foi funcionária pública.
Pensa na decepção da criatura aqui que vos fala. Pensou?
Não, você com certeza não consegue nem supor como foi uma vida toda fazendo uma coisa que eu achava que nada tinha a ver comigo.
Eu queria mesmo era um palco, queria ser famosa!!!!
Continuo rindo, mas na verdade eu não sei se foi tão engraçado assim achar que tudo tinha dado errado.
Minha mãe já dizia:
- “Deus escreve certo por linhas tortas e tudo tem seu tempo.”
Eu entrei na faculdade de Comunicação e logo em seguida passei num concurso e virei Funcionária Pública Federal, para mim isso era um contrassenso.
Confesso que minha cabeça naquele momento deu uma pirada, o que eu gostava não tinha muita ligação com uma repartição pública, e eu, que só tinha me inscrito nesse concurso para acompanhar uma amiga, nunca soube se passar tinha sido bom ou ruim.
Assumi o cargo com o firme propósito de que quando formada, jogaria tudo para o alto e trabalharia nesse mundo louco do Rádio e da TV, que foi a área da comunicação que escolhi.
Só que eu não contava com uma gravidez aos vinte e um anos, no último ano da faculdade.
Na hora da escolha venceu a segurança de um emprego estável e de poder viver com menos dificuldades que uma recém-formada, com um filho pequeno, enfrentaria.
Foi falta de coragem ou responsabilidade? Medo ou comodismo? Até hoje não sei, só sei que foi assim e isso não importa mais.
Acabei me casando , separando, casando de novo, tendo mais um filho, separando de novo e continuei ali fazendo dos meus atendimentos atrás de um balcão do INSS, meu local de trabalho, o meu palco.
Costumo dizer que meus atendimentos eram performáticos, era conhecida e querida pelas pessoas que eu atendia. Era famosa por meus atendimentos muito mais amorosos e cheios de bom humor do que propriamente pelo conhecimento da legislação e do serviço. Com certeza meu esforço maior era para que aquela pessoa que eu atendia saísse de lá mais tranqüila e com a certeza de que eu encaminharia seu problema da melhor maneira para sua resolução e para mim isso é o que valia.
Descobri muito cedo, mesmo sem me dar conta, que as pessoas gostam mesmo de atenção, gostam de serem olhadas nos olhos, naquele palco, ou melhor, guichê, era essa arte que eu fazia.
Vinte e poucos anos de serviço num mesmo lugar e descobri que estava com câncer. Foi nesse momento que entendi que Deus escreve certo, mesmo que por linhas tortas, e mamãe tinha razão.
Eu que fiquei uma vida toda atendendo a pessoas com câncer e outras doenças, vendo as dificuldades que passavam por não terem segurança num momento tão difícil, tive a sorte de passar por tudo isso sem as dificuldades habituais e que talvez eu passasse se tivesse seguido outra carreira. Ter estabilidade financeira e no emprego, com certeza garantiu muito a minha tranqüilidade nesses muitos anos em tratamento. Finalmente eu tinha descoberto o porquê da minha escolha de muito tempo atrás.
O universo tinha sido generoso.
E como tudo tem o tempo certo, aos 50 anos, criei meu canal no Youtube onde eu exercito minha criatividade, sou comunicadora como sempre quis e me sinto ainda olhando nos olhos de quem precisa de mim como naqueles tempos atendendo num guichê do INSS.
Minha mãe mais uma vez foi sábia ao me dizer que tudo tinha seu tempo certo, pois depois de aposentada eu encontrei alento fazendo o que eu mais gosto. E o mais legal de tudo isso foi descobrir que eu já era famosa e nem me dava conta disso.
E daqui eu sigo rindo de tudo isso, com a certeza de que deu tudo certo.