Há muitos casos em que a realidade é muito mais interessante que a ficção. Esse raciocínio pode ser aplicado para a história de amor entre um vendedor de 87 anos e uma psicóloga de 78 anos, que protagonizaram – e protagonizam – uma saga que envolve site de relacionamento, cenários arrebatadores, descobertas reveladoras, fantasias, provas de carinho intenso e, por que não, sexo, muito sexo.
“Era uma vez...” Essa foi a frase que Liça Bomfim utilizou para se apresentar no site de relacionamentos ParPerfeito, no já longínquo ano de 2010. Ela estava sozinha havia 14 anos, “virgenzinha” após separar-se do marido – que morreu três anos depois do divórcio.
“Eu estava com pouco dinheiro e encontrar alguém seria até uma forma de economizar nas saídas com as amigas. Eram só programas entre um bando de psicólogas, só papo de mulher. Eu queria ouvir papo de homem também”, conta.
Luis e Liça durante passeio em São Paulo; crédito: Renato Stockler
Foi uma das filhas – Liça tem duas gêmeas de 53 anos e um filho de 51 – que a ajudou a fazer o cadastro no portal. “Não sei lidar com computador”, diz. “Foi ela que teclou no site nas primeiras conversas com os interessados.”
Antes de o vendedor aparecer, surgiram outros sete pretendentes. E não é conta de mentiroso, ainda mais porque nenhum deles rendeu qualquer coisa além de um cafezinho. “Um dos últimos eu achei até interessante, mas foi ele que não se envolveu.”
“Onde mais eu poderia procurar uma companheira?”
Enquanto a psicóloga – que até hoje exerce a profissão – declinava das propostas que o site colocava em seu caminho, um homem que tinha enviuvado havia três anos surfava em portais de relacionamento “na calada da noite”, consumido pela solidão. “Concluí que era o melhor jeito de conhecer alguém. Onde mais eu poderia procurar uma companheira? Na saída da missa? Na balada? No passeio público?”
Sem a ajuda de ninguém, resolveu, então, fazer um perfil no ParPerfeito. E hoje, aos 87 anos, Luiz Rocha, pai de dois filhos, lembra que foi bastante “rigoroso” nos filtros que estabeleceu para encontrar um novo amor. “Não queria alguém que tivesse animal dentro de casa, que fumasse ou que bebesse, que morasse fora da cidade de São Paulo”, lista. Sua frase de apresentação: “Satisfaço todas as suas fantasias”.
Rocha é categórico ao afirmar que Liça foi seu primeiro e único encontro pelo ParPerfeito. Mas precisou superar alguns obstáculos para conquistá-la, e isso desde os primeiros requisitos que ela definiu para aquele que seria seu novo homem ideal. “Ela queria alguém que tivesse 1,70 m de altura e até 78 anos de idade”, diz. “Como me interessei pelo perfil dela, resolvi enviar uma mensagem, dizendo que, se eu tivesse um centímetro a mais e um ano de vida a menos [estava com 79 à época], eu me candidataria. E pegou.”
Sim, Liça mordeu a isca. Também porque, segundo Luiz, ele a convidou para um jantar – e não somente para um cafezinho, como todos os antecessores. E não a chamou para uma refeição qualquer, e sim para um restaurante da culinária francesa, por já saber que se trata da predileta de Liça.
“A certeza de que deveríamos ficar juntos surgiu durante a primeira transa: : um olhou para a cara do outro, e os dois se deram”
Os bate-papos nos dias iniciais foram tão intensos – pela internet e por telefone – que o primeiro encontro não levou nem uma semana para acontecer. Luiz foi de carro buscar Liça no apartamento dela, no Sumaré (zona oeste de São Paulo), onde os dois hoje vivem juntos.
O primeiro encontro do casal teve “meio beijo roubado”; crédito: Renato Stockler
“Cheguei lá com uma rosa vermelha”, ele conta. Mas, antes de entregá-la à amada, teve de vencer não um poço cheio de crocodilos como nas fábulas, mas uma árvore caída bem em frente ao portão do edifício, o que fez com que ela tivesse de esperá-lo já na guarita do condomínio. Na mesma noite, ao levá-la de volta, bateu o pneu do carro em uma guia de calçada e precisou consertá-lo em um posto de gasolina logo depois de deixar a pretendida em casa.
Nessa primeira noite, a intimidade física entre os dois não passou de um beijo meio “roubado” por parte dele, embora Luiz ousasse convidá-la para um motel. A recusa dela, no entanto, não o deixou constrangido.
Dois dias depois, ele decidiu ser ainda mais intrépido na propositura: chamou-a para que passassem o final de semana seguinte em uma romântica pousada em Piedade, no interior de São Paulo. Foi lá, em um ambiente bucólico, que os laços se fortaleceram.
“Teve de tudo”, resume Liça. “O Luiz ficou até com dor na coluna. A certeza de que deveríamos ficar juntos surgiu durante a primeira transa: um olhou para a cara do outro, e os dois se deram. Foi muito bonito e, a partir dali, nossa relação ficou muito mais vigorosa.”
De fato: dois meses depois de se conhecerem, ficaram noivos, em fevereiro de 2011; em outubro do mesmo ano, já estavam casados – no civil e em uma cerimônia no salão de festas do prédio, com a presença de um pastor.
“Transar com hora marcada é barra”
No começo, bem na contramão do que pregam os contos de fada, ela preferiu que morassem separados, cada um em sua casa. Ele topou, meio a contragosto. Porém, o destino decidiu que deveriam ficar sob o mesmo teto quando ela precisou de cuidados extras no dia a dia ao colocar próteses nos dois joelhos.
“Ele disse que eu não havia sido muito verdadeira quando escrevi no perfil do site que tinha apenas um pequeno problema em um dos joelhos, já que a mulher morre de medo de ser enfermeira do homem e vice-versa”, ri.
Independentemente da enfermidade nos joelhos dela, eles saem para dançar. E, por falar em experiências amorosas a dois, Liça conta que foi Luiz quem a levou a um motel pela primeira vez na vida. “Meu primeiro marido achava que era coisa de mulher vadia”, justifica.
A psicóloga diz que considerou o lugar “uma decepção”. “Transar com hora marcada é barra”, reclama. O preço também a assustou, fazendo com que reagisse intempestivamente logo na portaria do motel. “Quando vi o valor, disse que daria para fazermos duas feiras com aquele dinheiro”, lembra.
“E comecei a perguntar à recepcionista se não havia promoção para a terceira idade, que isso é lei. A moça só ria, meio sem graça, e chamava a atenção para a duração do período, de quatro horas. Eu disse que não precisava de quatro horas para ter um orgasmo.”
O casal de mãos dadas andando pelo bairro em que moram; crédito: Renato Stockler
Talvez o comportamento meio arretado se justifique pela origem de Liça: ela é baiana, e Rocha, gaúcho – “ele é calmo até demais”, na opinião da mulher –, e tal união de geografias é mais um ingrediente curioso dessa história tão real.
Ah, e como não mencionar a lua de mel? Sim, foi uma daquelas dos sonhos. “Um dos filhos do Luiz trabalhava no [site de ofertas] Peixe Urbano e nos presenteou com um pacote de nove dias em Madri, Roma e Paris”, afirma Liça. “E um casal de amigos da Itália nos ofereceu mais três dias em um apartamento em Veneza. Meu grande desejo era conhecer Veneza, e foram momentos maravilhosos por lá.”
“Minha intenção é mostrar a velhice como uma etapa bonita da vida”
Caro leitor, essa história é mesmo verídica, a despeito de tantos elementos que parecem ficcionais. E, de tão inspiradora, uma de suas protagonistas, Liça Bomfim, resolveu escrever um livro de contos sobre relações amorosas entre pessoas mais velhas. “Minha intenção é mostrar a velhice como uma etapa bonita da vida, ainda que a morte esteja mais próxima da gente”, diz.
Uma editora já se interessou pela obra e pretende publicá-la ainda neste ano. De um total de 18 contos, 17 são de fato inventados, mas um é autobiográfico – e trata de fatos reais: a experiência de Luiz e Liça na frustrante – mas engraçada – ida ao motel.
Muito verdadeiro, também, é o título que a autora escolheu para o livro e que tão bem sintetiza a moral da história deste texto que agora chega ao final: “Os velhos também amam”.
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