O crescimento no número de idosos no país deu início a uma série de movimentos e discussões sobre quais seriam as melhores práticas na forma de pensar o espaço e o desenho de habitação para atender a essa nova demanda. Um estudo desenvolvido pelo Instituto de Longevidade Mongeral Aegon mostrou que, em 94% das cidades brasileiras, as habitações ainda não oferecem a acessibilidade necessária ao público idoso.
“Os dados completos do estudo sobre o preparo das cidades para esse novo cenário populacional ainda serão divulgados em 2020, mas a necessidade de ajustes na forma de pensar as habitações para que se adequem ao público de mais idade é para ontem”, afirma o diretor do Instituto de Longevidade, Henrique Noya. Para ele, o mercado nunca prestou muita atenção à população 60+ porque se tratava de uma minoria pouco expressiva, realidade que vai mudando no país e no mundo.
“Até 2030, teremos mais idosos no Brasil do que crianças. Aos poucos eles vão ganhando voz . Devemos buscar conhecer mais sobre esse novo cenário demográfico e seus desafios e oportunidades de realizar novos desenvolvimentos urbanos mais inclusivos porque uma cidade preparada para os idosos é uma cidade mais preparada para qualquer idade”, destaca Noya.
Sua cidade está preparada para o envelhecimento da população? Milhares de pessoas já participaram da nossa pesquisa. Clique aqui e participe você também.
Formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Flavia Ranieri atende há 15 anos em seu escritório no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Mas há 6 anos, uma importante mudança aconteceu em sua forma de enxergar o mercado.
“Minha mãe, que mora em Belo Horizonte (MG), sofreu uma queda e precisou de cuidados especiais. Naquele momento, eu comecei a ficar preocupada com o envelhecimento dos meus pais, porque eu moro em São Paulo e meus irmãos moram fora do país”, conta a arquiteta. “Comecei a pensar em alternativas para deixar a casa deles mais segura, para que eles pudessem viver de forma independente o máximo possível”.
Mas ao procurar produtos e soluções para os ajustes necessários na casa dos pais, Flavia percebeu que todos os itens voltados à acessibilidade tinham uma aparência hospitalar. “E aí eu fiquei pensando como seria o meu envelhecimento também, porque eu não gostaria de ter os produtos que estão disponíveis no mercado, eu gostaria de peças com mais design, mais bacanas”, argumenta.
Na contramão da acessibilidade
Flavia então procurou uma especialização para melhor entender os problemas dos idosos e oferecer soluções mais bem direcionadas. Mas a falta de cursos de arquitetura relacionados ao envelhecimento no Brasil a fez optar por uma pós-graduação em Gerontologia.
“Mesmo lá fora, existem cadeiras do tema dentro dos cursos de arquitetura, mas não existe um curso completo com foco no envelhecimento. Por isso, muitos arquitetos não estão preparados para esse mercado, pensam somente numa acessibilidade tradicional, mas projetar para o idoso é muito mais do que isso”, explica Flavia. Então, há 3 anos, nasceu o Mys Senior Design, escritório totalmente voltado para projetos de residências pensadas para atender às demandas do público mais velho.
Ela conta que seus clientes são quase todos empresas e Instituições de Longa Permanência para idosos, e reclama que o público final ainda não enxerga a contratação de um arquiteto para transformar o ambiente como uma coisa necessária ou urgente.
"Normalmente, o que acontece é que as pessoas não fazem nada durante o envelhecimento até que alguma coisa aconteça, uma queda ou que seja internado por algum motivo e aí seja forçado a fazer alguma adaptação na casa"
“Normalmente, o que acontece é que as pessoas não fazem nada durante o envelhecimento até que alguma coisa aconteça, uma queda ou que seja internado por algum motivo e aí seja forçado a fazer alguma adaptação na casa. E como isso normalmente acontece de uma forma imprevista, sem tempo hábil para contratar um arquiteto”, lamenta.
Com experiência de 10 anos no mercado imobiliário, o arquiteto Fernando Bravim Krüger conta que o idoso ainda não é visto como público-alvo. “A gente assiste a um envelhecimento da população, mas o idoso ainda não é considerado target no mercado imobiliário. O foco está em pessoas recém-casadas, solteiras ou pessoas que abrem uma empresa. E aí nós estamos falando de residências e espaços comerciais”, explica Krüger.
Dentro da própria arquitetura, Fernando observa que o mercado tem se limitado a realizar os ajustes básicos, como rampas e plataforma hidráulica, que são aqueles elevadores simples encontrados em bancos e algumas lojas. “Nem dentro de casa as pessoas mudaram os conceitos. As portas de banheiro continuam com 60 centímetros, as portas de quarto continuam com 70 centímetros”, pontua.
“Acho que o mercado vai ter que se adequar porque as pessoas estão vivendo mais e isso vai ser uma demanda contrária. Normalmente o mercado imobiliário cria a demanda e as pessoas mudam seu estilo de vida, e hoje o que está acontecendo é o contrário, os mercados têm que se adequar às demandas das pessoas”, afirma Krüger.
Acessibilidade não encarece o projeto
Flavia conta que seu escritório adota o conceito de aging in place, uma arquitetura que não é inteiramente preparada para o idoso, mas que pode ser ajustada com facilidade, o que não encarece a obra.
Contudo, acessórios como barras de apoio, louças especiais e pisos antiderrapantes podem sim encarecer o projeto. Flavia garante que a diferença não é absurda, que os ajustes podem ser realizados dentro do orçamento das famílias e que o aumento da demanda por esses itens poderá reduzir ainda mais os preços.
“Eu sempre falo que os idoso precisam pedir mais. Às vezes eles não encontram o que precisam e não pedem, aí não cria demanda. Mas a voz mudou, os novos idosos são muito mais ativos. E isso está fazendo com que o mercado também mude”, avalia.
A seguir, o portal do Instituto de Longevidade, com a ajuda dos dois arquitetos, montou uma lista de quais cuidados não podem faltar na hora de pensar um ambiente para abrigar uma pessoa idosa. Confira!
Itens de acessibilidade que não podem faltar na casa de um idoso
Portas mais largas
O ideal é que as portas tenham uma metragem de 80 cm de largura para facilitar a passagem de cadeiras de rodas, andadores ou macas hospitalares.
Corredores mais largos
“As pessoas pensam muito em cadeira de roda e em andadores, mas também é preciso pensar que, muitas das vezes, os idosos andam acompanhados pelo cuidador. Então são duas pessoas caminhando sempre lado a lado para dar mais segurança”, explica Flavia.
Vista
É importante que o idoso tenha uma boa janela para que ele tenha acesso à luz natural e consiga ver a passagem do tempo, se é manhã ou noite, se está chovendo ou não. Isso é importantíssimo e tem consequências diretas na saúde.
Crédito: Rido/shutterstock
Circulação de ar
Ajuda a evitar problemas respiratórios e torna os ambientes mais limpos.
Pisos antiderrapantes
Previne quedas, um dos principais motivos de morte entre idosos.
Apoios
Não são apenas as barras de apoio instaladas em corredores, ao lado da cama, dentro do box e ao lado do vaso sanitário. Um buffet ou uma mesa podem servir de apoio. Daí a importância de que os móveis estejam todos muito bem estabilizados, para que os idosos possam usá-los como apoio.
Iluminação
É um item fundamental a se pensar. A visão vai diminuindo e a iluminação trará autonomia ao idoso, ajudará a enxergar se o alimento está estragado ou não, enxergar a cor das roupas etc.
Acústica
Trabalhar com forros, tecidos ou outros tipos de material que promovam conforto acústico ao idoso.
Isolamento térmico
Os idosos sentem mais frio que as pessoas mais jovens. Por isso, é importante proporcionar um ambiente onde ele se sinta agradável com a temperatura, longe do risco de pegar gripes ou resfriados.
Automação
O uso de tecnologias pode facilitar a vida dos idosos, com comandos de voz para acender a luz e eletrodomésticos com controle remoto.