O enorme fosso entre homens e mulheres
100 anos. Esse é o tempo que ainda falta para que o mundo alcance a igualdade de gênero, de acordo com o Fórum Econômico Mundial. Portanto, poucos dos que agora leem este texto verão homens e mulheres em pé de igualdade em termos de saúde, educação, trabalho e renda ou participação política.
Felizmente, se olharmos essas pautas de maneira separada, vemos diferença no seu progresso. Imaginando um fosso separando a realidade deles e delas (onde os homens sempre estão à frente), 96,1% e 95,7% do seu tamanho já foi transposto em termos de educação e saúde, respectivamente. Em outras palavras, estamos bem próximos da igualdade nestes quesitos.
Já com relação aos outros dois pontos analisados, a situação não é tão animadora. Apenas 57,8% da cratera foi ultrapassada quando o assunto é trabalho e renda. Mas é na participação e empoderamento político onde a situação desespera: só 24,7% da distância foi percorrida até agora.
Por isso, me chamou a atenção esse texto, publicado recentemente pelo José Eustáquio Diniz Alves, um pesquisador de Estatística. A ideia defendida é que as eleições do próximo domingo podem ajudar a diminuir da desigualdade de gênero, inclusive na política. E que essa possibilidade se deve ao envelhecimento da população.
O envelhecimento parece aumentar o fosso
O argumento é simples, e vou apresentá-lo a vocês. Mas antes, deixa eu explicar por que a ideia me causou tanta curiosidade. Muitas vezes, o envelhecimento é entendido como um fenômeno que vai aumentar, e não diminuir, a desigualdade entre homens e mulheres.
Por exemplo: devido ao buraco relativo a trabalho e renda – para cada US$1 dólar que eles ganham, elas fazem US$0,63, globalmente – as mulheres são 56% mais propensas a enfrentar dificuldades financeiras que os homens após os 65 anos, de acordo com a última Pesquisa de Preparo para Aposentadoria, produzida pelo Instituto de Longevidade Mongeral Aegon.
A divisão desigual de tarefas domésticas também levam a esse maior risco de pobreza na velhice para as mulheres. É mais comum que elas interrompam suas carreiras para exercer cuidados familiares com crianças e idosos, o que diminui suas contribuições financeiras para aposentadoria.
Onde está o lado bom do envelhecimento para as mulheres, afinal?
Voltando para o lado positivo da história, o José Eustáquio não é o primeiro que faz uma associação entre envelhecimento e melhora de condições das mulheres. O Joseph Coughlin, que fundou o centro de pesquisa sobre envelhecimento da famosíssima universidade americana MIT, diz em livro que as mulheres vão se beneficiar por serem as responsáveis por quebrar os estereótipos que acompanham os adultos mais velhos.
O racional é o seguinte: enquanto os homens se aproximam da velhice com um espírito de “agora é hora de relaxar” (postura que, segundo Coughlin, alimenta preconceitos etários), elas estão mais atentas a problemas que podem vir com a idade. Essa atitude mais engajada com a realidade, digamos, muda os estereótipos e dá a elas mais prontidão para buscar soluções para suas necessidades.
E o que as eleições têm a ver com isso?
No meu entendimento, o argumento do Coughlin está associado ao fenômeno que os estudiosos da longevidade chamam de “feminização do envelhecimento”, e que se refere ao fato de que as mulheres vivem mais que os homens. As causas para isso são algumas, mas a mais provável delas é que elas se cuidam mais, desde mais cedo. Nesse sentido, esse maior autocuidado ao longo de toda a vida também pode explicar a atitude mais realista diante da aproximação da velhice, descrita pelo pesquisador americano.
A ideia do José Eustáquio está assentada sobre o mesmo fundamento. Como as mulheres vivem mais e o país está envelhecendo, o eleitorado brasileiro é cada vez mais feminino e maduro, como mostra o gráfico abaixo.
Fonte: Portal Ecodebate https://www.ecodebate.com.br/2020/10/21/o-perfil-do-eleitorado-brasileiro-por-idade-e-sexo-em-2020/
Em 1992, as mulheres eram 49,2% dos eleitores; em 2006, já eram maioria (51,5%); e em 2020, são 52,5%. Além de ter se tornado maioria em termos absolutos, são em número maior tanto mais velho o estrato analisado, de acordo com a linha vermelha, que representa o ano de 2020. Se a vantagem é comparativamente pequena até os 24 anos, ela se expande a partir da faixa de 30 anos. É por isso que José Eustáquio fala do “poder das balzaquianas” (mulheres acima de 30 anos) no título do gráfico. Também é o que torna possível dizer que o envelhecimento faz das eleições uma oportunidade para reduzir a desigualdade de gênero.
Em maioria, é possível que as mulheres elejam mais mulheres, o que reduziria o déficit de representatividade política. Muitos movimentos têm buscado fortalecer a representatividade política feminina, como o Vote Nelas. Que bom que a feminização do envelhecimento pode potencializar essa luta. Espero que José Eustáquio esteja certo, e acrescento a esperança que a maior força das balzaquianas nas urnas sirva também para reduzir as desigualdades etárias no Brasil, que afetam a todos, mas em muitos aspectos, especialmente às mulheres.