A atenção dada hoje à igualdade de gênero e ao empoderamento feminino – e, não menos importante, sua inclusão como um objetivo independente na recém-adotada estrutura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas – é extremamente importante e há muito esperada.
Acabar e reverter as múltiplas formas de discriminação contra as mulheres não é apenas um passo fundamental do aspecto de direitos humanos. Isso também produzirá impactos positivos na saúde em geral, na educação e no status econômico de famílias e comunidades.
Mas com que frequência nós vemos mulheres mais velhas, ou mesmo mulheres com 50 anos ou mais, retratadas no contexto da agenda global de igualdade de gênero? Alguém pode argumentar algo que não seja quase nunca?
De fato, depois de uma vida inteira de discriminação de gênero, mulheres mais velhas parecem estar sofrendo a indignidade final de serem excluídas do movimento em prol da igualdade, o que lhes foi negado por toda a vida, desta vez devido à discriminação de idade.
Não há desculpa para isso. Mulheres com 50 anos ou mais já respondem por 23,6% da população feminina mundial. Mas elas parecem quase inteiramente invisíveis nas discussões de igualdade de gênero tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento.
O discurso de desenvolvimento particularmente oferece muito pouco a mulheres mais velhas, assim como a imagem pública associada à programação de igualdade de gênero e empoderamento feminino no hemisfério sul.
“Mulheres com 50 anos ou mais não estão nem mesmo sendo contadas”
Mulheres com 50 anos ou mais não estão nem mesmo sendo contadas. O conjunto de dados confirma e reafirma a exclusão de mulheres mais velhas. As pesquisas demográficas e de saúde, por exemplo, simplesmente param de coletar dados de violência por gênero para mulheres de 49 anos. Isso acontece mesmo tendo evidências documentadas de que mulheres de todas as idades podem ser submetidas a violência, negligência e outras formas de abuso – alguns específicos para a idade delas – e podem ser privadas de bens e serviços básicos.
A acumulação de discriminação de gênero por toda a vida, aliada à discriminação de idade, pode ter um efeito devastador na vida de mulheres mais velhas em múltiplas formas.
Vamos tomar a saúde como exemplo. Gravidezes múltiplas e suporte precário no parto, agravados pela desvantagem e inequidade na infância (como falta de acesso aos cuidados de saúde; nutrição e educação escolar inadequadas; e baixos níveis de renda) contribuem para os parcos resultados de saúde feminina em países de baixa e média renda.
Problemas de saúde reprodutiva, incluindo incontinência e outras condições especificamente associadas à saúde materna precária ou à mutilação genital feminina na infância, permanecem com o avanço da idade.
Mas mulheres mais velhas também enfrentam desafios específicos. Muitas estão vivendo além da menopausa. Isso aumenta o risco de condições relacionadas aos hormônios, como osteoporose e fraturas associadas, enquanto outros fatores no estilo de vida aumentam o risco de doenças cardíacas e derrame.
Como a HelpAge International tem observado, o diagnóstico e a gestão de doenças comuns não transmissíveis, como doença cardiovascular, câncer e diabetes, as quais desproporcionalmente afetam pessoas mais velhas, são deficientes nos países em desenvolvimento, apesar do envelhecimento da população, que aumenta o número de pessoas em risco. A expectativa de vida mais longa entre as mulheres faz disso uma preocupação particular para as mais velhas.
“Mulheres contam com menos oportunidade de ganhar qualquer direito significativo à aposentadoria”
Quando se trata de renda, as mulheres mais velhas também tendem a pagar um preço financeiro pelo impacto acumulado da discriminação de gênero. Em todos os estágios de vida, elas representam um percentual desproporcional da força de trabalho de cuidadores e trabalhadoras do mercado informal, que contribuem com uma grande quantia – ainda desconhecida – para suas comunidades, famílias e economias.
Mulheres são, de fato, penalizadas por esse papel em seu status social – um fenômeno conhecido como “a pena de cuidados”.
As que trabalham fora de casa têm chance de receber menos do que homens, uma lacuna que só aumenta com a idade. O fato de mulheres terem sempre acesso reduzido ao trabalho pago, receberem salários menores e terem mais chance de trabalhar no mercado informal significa que elas contam com menos oportunidade de ganhar qualquer direito significativo à aposentadoria.
Grandes hiatos de gênero ficam evidentes nos benefícios previdenciários, com os maiores deles para as mães. Mulheres também têm menos acesso à terra e a outros ativos do que os homens. Na Índia, 60% delas não têm ativos de valor em seus nomes, comparado a 30% dos homens.
“Mulheres mais velhas têm significativamente menos probabilidade de contar com seus parceiros para cuidados em casa nos últimos anos”
A probabilidade de uma mulher enviuvar devido à maior expectativa de vida é ampliada em muitos países em desenvolvimento, devido a normas sociais que impõem casamento para mulheres mais jovens.
O conjunto de dados da população mundial mostra que o número de mulheres supera o de homens em todas as faixas etárias após os 49 anos. Uma consequência óbvia disso é que mulheres mais velhas têm significativamente menos probabilidade de contar com seus parceiros para cuidados em casa nos últimos anos.
A viuvez pode representar ainda a maior mudança para mulheres mais velhas, acompanhada de ameaças financeiras. Em muitos países e comunidades, as políticas, as leis e as atitudes discriminatórias direcionadas às viúvas podem seriamente prejudicar o acesso de mulheres mais velhas a recursos materiais, financeiros e naturais.
“A violência contra a mulher tende a não parar em idades mais avançadas. Ao contrário, isso se torna menos visível”
A violência contra a mulher tende a não parar em idades mais avançadas. Ao contrário, isso se torna menos visível. Na Ásia Central, mulheres mais velhas revelam ter altos níveis de vergonha ao serem sujeitas à violência por suas crianças, geralmente caracterizada por abusos físicos e financeiros. Elas são estupradas em cenários de conflito.
Grupos focais conduzidos pela HelpAge International têm consistentemente revelado padrões de abuso dolorosos e secretos e relatado altos níveis de abusos mentais, financeiros e físicos em uma gama de cenários.
Como dito antes nesse artigo, os sistemas de dados que registram violência sexual e física contra mulheres frequentemente limitam a faixa de idade entre 15 e 49 anos, perpetuando a noção, há muito desacreditada, de que a violência é cometida apenas em mulheres em idade fértil.
Pouquíssima informação é coletada sobre abuso de mulheres mais velhas, incluindo negligência ou violência financeira ou emocional. Essa lacuna crítica de informação esconde padrões de violência contra mulheres que estão na fase pós-menopausa, o que resulta em sua exclusão em programas e políticas de prevenção e reabilitação.
Então o que precisa ser feito? Vinte anos atrás, a Declaração de Beijing 1995 no final da 4ª Conferência Mundial sobre Mulheres reconheceu a discriminação de idade como um dos fatores responsáveis pelas barreiras ao avanço e ao empoderamento da mulher.
Os desafios que as mais velhas enfrentam foram reportados em oito pontos da declaração, nas preocupações de saúde e problemas reprodutivos e de saúde sexual, nas leis contra a discriminação de gênero no local de trabalho e nas políticas e programas de HIV/Aids, assim como nas informações, programas e serviços para ajudar mulheres a entender e adaptar às mudanças associadas ao envelhecimento.
Em dezembro de 2010, o Comitê de Eliminação de Discriminação contra Mulheres reafirmou a necessidade de chamar a atenção para as preocupações e os direitos de mulheres mais velhas com a inclusão da Recomendação Geral 27 sobre mulheres mais velhas e a proteção de seus direitos.
“A igualdade substancial para mulheres mais velhas está longe de ser realidade”
Apesar da vitória, o progresso geral é lento. A igualdade substancial para mulheres mais velhas está longe de ser realidade. Seguem exemplos específicos dessa negligência:
- A análise dos relatórios de 131 Estados-membro sobre a revisão dos 20 anos após a Declaração de Beijing mostrou que apenas 21 deles (16%) fez alguma referência a mulheres mais velhas e envelhecimento.
- Mulheres mais velhas foram completamente esquecidas no debate sobre as conquistas femininas nas Metas de Desenvolvimento do Milênio.
Enquanto tem havido grande reconhecimento de grupos da sociedade civil de que a estrutura das Metas de Desenvolvimento Sustentável (MDS) deveriam ser inclusivas para mulheres mais velhas, a linguagem do documento de resultados é menos inclusiva que a linguagem da Declaração de Beijing, elaborada 20 anos atrás, que falava sobre “mulheres e meninas de todas as idades”.
Enquanto a estrutura do SDG tem sido um passo significativo e bem-vindo para pessoas mais velhas, em questão de gênero, devemos considerar que ele é essencialmente regressivo em relação a Beijing.
“O passo mais importante é reconhecer e entender que a discriminação de idade, assim como a discriminação de gênero, é generalizada, profundamente enraizada e prejudicial”
A HelpAGE International dá as boas-vindas ao forte foco em mulheres e meninas como uma prioridade global de desenvolvimento, mas nós acreditamos que as mulheres mais velhas estão inseridas em um involuntário mas sério ponto cego.
Por isso queremos ver uma visibilidade muito maior para mulheres mais velhas nos conjuntos de dados nacionais e globais e muito mais esforços sistemáticos para assegurar sua inclusão em programas e planejamentos de desenvolvimento.
As três prioridades que gestores de políticas públicas deveriam focar são:
- Comprometimento e investimento na coleta, na análise e na publicação de dados sobre mulheres além da idade reprodutiva;
- Construção de uma base de evidências em torno da natureza e da prevalência da violência, da discriminação e de outros abusos que milhões de mulheres em idade avançada vivem atualmente;
- Desenvolvimento inclusivo e redução de abuso de pessoas mais velhas, além de apoio e promoção a planejamento, políticas e programas humanitários de empoderamento de saúde, social, econômico e político de mulheres mais velhas.
O progresso rápido e concreto sobre essas três prioridades não deveria ser difícil. O passo mais importante é reconhecer e entender que a discriminação de idade, assim como a discriminação de gênero, é generalizada, profundamente enraizada e prejudicial.
A HelpAge International adoraria ver essas duas formas de discriminação combatidas conjuntamente, para que possamos todos juntos trabalhar para alcançar igualdade para mulheres de todas as idades.
Sobre o autor
Toby Porter é presidente da HelpAge International, uma rede global de organizações que trabalham juntas para ajudar mulheres e homens mais velhos a reivindicar seus direitos, desafiar a discriminação e superar a pobreza em idade avançada; em junho de 2014, ele se uniu ao Conselho de Agenda Global sobre Envelhecimento do Fórum Econômico Mundial para o período 2014-2016 e representou a rede nos encontros anuais de 2014 e 2015 do Fórum Econômico Mundial em Davos.
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