O que poderia ser tão desafiador quanto “passar” de homem a mulher trans aos quase 60 anos de idade, após três casamentos e três filhos no currículo? No mês em que se comemora o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, sugerimos que você assista Laerte-se, documentário produzido pela Netflix que conta a história da cartunista Laerte.

A criadora de personagens como Piratas do Tietê e Deus conta de forma sensível e humana os seus questionamentos ao decidir se assumir como uma mulher trans prestes a entrar na terceira idade.  “Quando comecei essa passagem sabia que não ia virar mulher no sentido de mudar minha genitália, nascer de novo. O que me passou foi exercer liberdade, fazer essa viagem, atravessar essa fronteira, não precisar mais estar no país dos outros”, diz.

Laerte conta que o estopim que a fez ter coragem de assumir-se foi a morte do filho Diogo, alguns anos antes. “É meio horrível falar de morte como uma faísca. Mas o que a morte deixa para a gente? Para o Diogo significou tudo, um assunto que se auto cumpre. E para nós que ficamos?” indaga, pensativa, no documentário.

Quem assiste Laerte-se aprende que a cartunista se considera transexual e que o pronome correto a ser usado para lhe fazer referência é o “a”. Ela, inclusive, brinca que descobriu que já existiu “uma” Laerte, portanto não seria algo inédito. “Comecei a pensar se quero mesmo mudar meu nome e cheguei a conclusão que não. E descobri a dona Laerte Soares, que foi primeira dama em São Bernardo. Isso foi decisivo. Tem uma mulher chamada Laerte” (risos).

Laerte, Circuito Fora do EixoCrédito: Circuito Fora do Eixo, CC BY-SA 2.0 , via Wikimedia Commons

Trabalho e questionamentos de Laerte

Ao decidir mudar de gênero aos 58 anos, Laerte já tinha uma carreira reconhecida como cartunista e vários prêmios no currículo, o que a ajudou a não sofrer preconceito no âmbito profissional. Os trabalhos de Laerte foram publicados em veículos como o extinto jornal O PasquimVejaIstoÉEstadão e Folha de São Paulo.

Porém, apesar de brilhante na área, a insegurança com relação ao próprio trabalho se soma à insegurança na vida pessoal e fica nítida no documentário. “As pessoas me falavam: Nossa! quanto trabalho você fez! São 40 anos. E eu ficava com um sentimento horrível de insegurança. E se eles descobrirem que isso foi chutado? Que ficou ruim? Não conseguia ver uma obra sólida na Ocupação*. Não era como uma exposição do Ziraldo, do Jaguar, do Millôr. Eram as minhas gambiarras, os fios expostos. Estou falando metaforicamente que as pessoas não viam isso.”, contou a cartunista.

Os questionamentos relacionados ao próprio trabalho e a si mesma permeiam todo o documentário que mostra a história de alguém que, mesmo com todos os desafios e dúvidas, resolveu encarar a vida de frente, independente da fase da vida.

O que é ser mulher?

O que é ser mulher? Minha mãe diz que é parir. O que é se sentir mulher? É algo que me sinto e venho me sentindo cada vez mais. Mas é definitivo ou não? Mas para quê preciso oficialmente ser mulher ou homem? Estou fazendo uma investigação da mulher que posso ser”, indaga Laerte no documentário.

Neste mês de junho, que é considerado o mês do orgulho LGBTQIA+, trouxemos um pouco de Laerte e indicamos o documentário para quem quer conhecer mais da carreira e do processo de transição da brilhante cartunista. Também é uma oportunidade de entender melhor algumas questões importantes relacionadas à transição de gênero.


*Ocupação Laerte - exposição no Itaú Cultural que homenageou a cartunista em 2014


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