Aos poucos, vários mitos sobre o envelhecimento vêm sendo quebrados. O que, aliás, é absolutamente salutar para uma sociedade em que as pessoas passam a viver mais – e devem fazer isso com qualidade. Um dos paradigmas em xeque, agora, é o de que os jovens são mais criativos que os mais maduros. Alguns estudos em áreas diferentes do conhecimento mostram que isso não é verdade. E que a criatividade dos 50+ é algo que tem de ser reconhecido – e exercitado.
Uma das pesquisas que investigou o tema foi realizada na Universidade de Ohio, nos Estados Unidos. Lá, o professor e pesquisador Bruce Weinberg e seus colegas se debruçaram sobre 31 ganhadores do Prêmio Nobel de Economia. Os trabalhos desses vencedores foram divididos entre os mais conceituais e os mais experimentais.
Concluiu-se, então, que os ganhadores que enveredaram pelo campo conceitual eram de fato mais jovens, com idades entre 25 e 29 anos. Por outro lado, os que levaram o Nobel de Economia com o foco em realizações experimentais chegaram ao auge do reconhecimento com idades entre 50 e 57 anos.
Criatividade nas diferentes fases da vida
Em entrevista ao Instituto de Longevidade Mongeral Aegon, o professor Bruce Weinberg explicou que “pessoas cujo trabalho é mais experimental e empírico tendem a alcançar seus melhores resultados em uma fase mais avançada da carreira, porque elas acumulam conhecimento”, afirma. “Pessoas cuja atuação é mais abstrata e conceitual tendem a fazer seus melhores trabalhos mais cedo em suas carreiras. Isso pode explicar, por exemplo, por que tantas companhias de internet são fundadas por jovens.”
Nesse sentido, o conselho do pesquisador é para que os mais maduros de fato tirem proveito do diferencial dos conhecimentos reunidos ao longo da vida. “Eu diria que alguém cujo trabalho é mais empírico ou experimental deve seguir atuando em questões com esse perfil, para que aproveite na aplicação prática a vantagem do conhecimento que acumulou”, determina.
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O pensamento de que criatividade tem mais a ver com juventude também é desconstruído na Universidade de São Paulo. O físico Paulo Nussenzveig, professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Física (IF) da USP, indignou-se com a declaração de um dos fundadores do Facebook, Mark Zuckerberg, de que as pessoas mais jovens são mais espertas.
Com base em artigo do jornal “The New York Times”, Nussenzveig mostrou dados compilados de patentes depositadas nos EUA entre 2011 e 2014. De acordo com esse levantamento, mais da metade (53%) dos indivíduos inovadores têm idades entre 47 e 60 anos, o que desmente a afirmação de Zuckerberg.
Rotina castra a criatividade
Porém, para desfrutar dos conhecimentos acumulados na hora de exercer a criatividade depois dos 50, é preciso lançar mão de um conceito apresentado pelo professor, consultor de carreira e coach Emerson Weslei Dias, que possui MBA Internacional em Gestão Estratégica de Pessoas pela FGV (Fundação Getulio Vargas): amplitude de repertório. “Quanto mais fontes [de conhecimento] você tiver, mais condições terá de ser criativo”, afirma Dias.
“E, em relação às pessoas mais velhas, o único conselho válido é que elas devem continuar ampliando seu repertório”, diz. “Ao passo que ficamos mais velhos, tendemos naturalmente a não arriscar tanto, a frequentar os mesmos lugares de sempre. Criamos uma rotina, a chamada zona de conforto, que acaba nos castrando a criatividade.”
"A divergência é o que nos faz ter amplitude de repertório, assim como a quantidade de informações, leituras e experiências reunidas ao longo da vida"
A recomendação, assim, é “fazer coisas diferentes”. “Uma questão que sempre coloco é: quando foi a última vez que você fez alguma coisa pela primeira vez? Isso é que nos mantém criativos.”
Outra dica de Weslei Dias para não perder o pique da criatividade é “não deixar de ter contato com pessoas mais jovens, adolescentes, crianças”. “Alguém de 60 anos, mesmo que não concorde muito com as ideias dos mais jovens, precisa ao menos saber o que eles estão discutindo, o que costumam ler”, afirma.
“Nesse caso, esse público representa o divergente para os mais velhos. E, quanto mais eu conseguir divergir, mais criativo eu serei. A divergência é o que nos faz ter amplitude de repertório, assim como a quantidade de informações, leituras e experiências reunidas ao longo da vida”, complementa.
Criatividade: o exemplo de Gal Costa, 73 anos
Se já falamos muito do universo das ciências, um pulinho no mundo das artes pode nos confirmar os pontos de vista desses especialistas.
Há muito Gal Costa, hoje com 73 anos, é reconhecida como uma das maiores cantoras brasileiras não só por sua voz, mas também por gravar novos e bons compositores.
Créditos: Silvio Tanaka / Flickr
Assim, de quatro anos para cá, em seus novos trabalhos, a cantora segue interpretando autores das novas gerações, como Mallu Magalhães, de 26 anos, e Marcelo Camelo, de 41.
No ano passado, montou uma banda com nomes de ponta de uma leva recente de músicos brasileiros, caso de Mauricio Fleury, de 37 anos, guitarrista e tecladista da icônica banda Bixiga 70. Literalmente, então, Gal nos dá um ótimo exemplo da amplitude de repertório a que Emerson Weslei Dias se refere.