Afinal, o que é ser mãe? Para responder, muitos lançam mão de chavões como “é padecer no Paraíso”. Contudo, talvez possamos dizer que é uma experiência pessoal demais para caber em frases feitas. E que, muitas vezes, inverte a ordem natural das coisas. Assim, o Dia das Mães é uma ótima oportunidade para contarmos histórias como a da publicitária e jornalista de moda Natalia Dornellas, de 42 anos.
Ela mesma, por sinal, tem sua própria definição de maternidade: “É cuidar”, sintetiza. E o que diz faz todo o sentido se levarmos em conta as circunstâncias que a levaram a, por assim dizer, exercer esse papel.
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E o dia a dia nessa função é tão especial para Natalia que a jornalista até criou um blog para falar sobre o tema. O nome dele já entrega o que de inusitado apresentam os fatos: mãe do pai.
Seu “filho” é Adelair Toledo Dornellas, de 81 anos, dentista aposentado. E que, até não muito tempo atrás, costumava ser “apenas” o progenitor de Natalia. Viúvo – a mulher morreu em 2007 –, morava então sozinho em Guarani, cidade mineira próxima de Juiz de Fora, onde seguia atendendo pacientes até de graça, uma vez que já havia se aposentado formalmente.
Em 2016, Adelair começou a sofrer “alguns tombos”. A situação piorou durante um Carnaval em que ele quebrou um dedo da mão ao prendê-lo no portão e precisou usar uma tipoia. “Quando esse apoio foi retirado, o braço continuou rígido”, descreve a jornalista.
Os primeiros diagnósticos, realizados em Juiz de Fora, apontaram para supostas sequelas de um pequeno AVC. Mas, diante de um quadro persistente de confusão mental e perda de apetite, Natalia resolveu levar o pai para exames mais detalhados em Belo Horizonte, onde ela já morava.
Foi uma especialista da capital mineira que descobriu a doença, em setembro de 2017: DCB, ou degeneração córtico-basal, um tipo de Mal de Parkinson que provoca disfunções motoras e cognitivas e cujo tratamento não costuma ser muito eficaz.
Ao tomar conhecimento da gravidade da situação, a jornalista tomou uma decisão que foi corroborada por seu único irmão, Leandro, de 45 anos, que vive no interior do Estado do Rio de Janeiro. “Resolvi que meu pai passaria a morar perto de mim em BH”, diz ela.
Cuidados e muita diversão
Dessa maneira, a jornalista se descobriu mãe. Inclusive na identificação de traços de semelhança com o “filho”. Por exemplo, no mesmo hábito de dormir com uma camada do unguento Vick Vaporub sob o travesseiro, para respirar melhor. Ou na escoliose – curvatura anômala da coluna vertebral – herdada dele. Bem como o senso de humor.
É o que dá a tônica do projeto “Mãe do pai”, hospedado no Instagram e também no Facebook e que possui cerca de 7.000 seguidores. As fotos e os textos retratam uma convivência que, a despeito das dificuldades provocadas pela doença, mostra-se dotada de uma leveza divertida.
Todo dia é Dia das Mães para Natalia Dornellas, que criou um blog para contar as dores e delícias de ser mãe do pai. Crédito: Fotos Reprodução Instagram/@maedopai_
Esse viés fica claro em uma imagem de Adelair calçando meias ilustradas com batatas fritas. “Sempre compro pares divertidos para ele”, diz Natalia. “Tem um do Batman de que ele gosta muito também. O bom humor ajuda sempre, é de família. E, se não for desse jeito, a gente vai sentar e chorar?”
Ela destaca como sinal dessa graça uma passagem recente e que se deu justamente no consultório de um dentista – a profissão de Adelair. “Ele se levantou para ir ao banheiro e estava com uma dessas calças de amarrar”, conta. “Como não a havia prendido direito, ela escorregou na caminhada pelo corredor, na frente da cuidadora e do próprio dentista. Meu pai, então, saiu-se com esta, dizendo à cuidadora: ‘Minha filha, um dia a calça cai’. Vamos combinar que algo assim muda o dia da gente.”
Uma visão bem-humorada da vida. E também cuidadora. Como a que o próprio Adelair tivera em relação à mãe de Natalia, que sofria de ELA – esclerose lateral amiotrófica, outra doença degenerativa. “Meu pai zelou por ela até morrer, aos 59 anos”, afirma a jornalista.
Natalia, aliás, não teve filhos, na acepção genética da palavra, mas passou a exercer seu lado maternal. Como ao sentar-se ao lado de Adelair para que ele cochile depois do almoço – e o pai segura sua mão como se fosse uma mão materna. Ou ao notar que coloca o bem-estar paterno à frente do seu.
“Eu adoro doces e detesto dividir sobremesas quando saio com minhas amigas, digo que cada uma deve pedir a sua”, conta. “E eis que, de repente, vejo-me reservando o melhor pedaço de uma torta para meu pai. Isso é ser mãe.”