Aos 67 anos, Silvio Dworecki confidencia que vive o momento mais feliz da sua vida: “Estou aposentado e, pela primeira vez, me conhecendo só artista”. Com a expectativa de “por lenha na fogueira” com a obra “Mariana Nunca Mais”, que representará o Brasil em uma exposição do G20 (grupo formado pelos representantes das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia), diz ter escolhido o tema pela “negligência e pela falta de responsabilidade e sentimento humanitário e cívico que levaram à tragédia anunciada”, ocorrida em 5 de novembro de 2015.
Como numa história em quadrinhos, a narrativa e o significado simbólico das cores estão presentes na sequência de três pinturas a óleo criadas por Dworecki que, quando unidas, têm a dimensão de 4 m x 1,90 m. “A primeira faz alusão a um rio vivo, azul, largo e calmo. A segunda traz um rio em processo de destruição, menos largo, sangrando, barrento. Na terceira, um rio morto, estreito, prateado, onde o que corre já não é mais água, mas puro metal”, descreve.
Sequência de três pinturas a óleo criadas por Dworecki que, quando unidas, têm a dimensão de 4 m x 1,90 m; crédito: divulgação
“Meu protesto é oferecer os sinais da destruição dos rios para a indignação e a consciência daqueles que vão contemplar essa pintura”, diz. Ela estará na exposição 2016 China Hangzhou G20 International Art Exchange Exhibition, de 11 a 23 de outubro, em Hangzhou, que comemora o encerramento dos trabalhos do G20. “Quando tomei conhecimento dos temas _ paz, liberdade, humanidade e proteção ambiental _ propostos pela curadoria, logo veio à memória a indignação que me causou a destruição do Rio Doce. Ao invés de proteção ambiental, preferi tratar da falta de proteção ambiental.”
Leia os principais trechos de sua entrevista.
Como será esse protesto na exposição do G20?
Protesto dizendo: Mariana nunca mais! Há quase um ano da catástrofe, os moradores da região, o Rio Doce e a paisagem ainda não se recuperaram nem nada de efetivo foi feito para isso. Protesto, neste caso, é estar na cidade onde se reuniu o G20, que trata de problemas gerais, e trazer a história particular de um rio, o Rio Doce. Protesto, neste caso, é oferecer os sinais da destruição dos rios para a indignação e a consciência daqueles que vão contemplar essa pintura.
Como você descreve "Mariana Nunca Mais"?
São três telas, pintadas a óleo, que, quando, unidas tem a dimensão de 4 m x 1,90 m. Como numa história em quadrinhos, a narrativa e o significado simbólico das cores estão presentes na sequência dessas três telas unidas: a primeira faz alusão a um rio vivo, azul, largo e calmo. A segunda traz um rio em processo de destruição, menos largo, sangrando, barrento. Na terceira, um rio morto, estreito, prateado, onde o que corre já não é mais água, mas puro metal que não se pode beber.
Assim como em algumas outras obras suas, ela foi feita com faixas e tinta escorrida, não com pinceladas. Por quê?
Nos anos 1980, depois de uma exposição individual com muitas telas pintadas a óleo, estava cansado do modo tradicional de levar tinta até a tela com pincel. Encontrei, então, a possibilidade de escorrer tintas e de peneirar pigmentos puros e cinzas de madeira sobre a tela, isto é, modos de pintar sem pincel.
Quando agora, para “Mariana Nunca Mais”, me vi diante da necessidade de fazer rios que fluem, me veio logo à lembrança a tinta escorrida. É como se a tinta escorresse querendo ser a água que flui. Já as faixas vêm das pinturas sobre eixos verticais. Eram pinturas sobre a constante dificuldade do homem se equilibrar na posição vertical que caracteriza nossa espécie.
Por que você escolheu esse tema? Qual foi o impacto dessa catástrofe ambiental na sua vida?
Quando tomei conhecimento dos temas _ paz, liberdade, humanidade e proteção ambiental _ propostos pela curadoria, logo veio à memória a indignação que me causou a destruição do Rio Doce e a catástrofe de Mariana. Ao invés de proteção ambiental, preferi tratar da falta de proteção ambiental.
Todas as catástrofes nos devolvem a sensação de impotência, mas, diante de algumas delas, como as de um tsunami, podemos pensar que foi a natureza que a provocou. Mas, em Mariana, não, foi a negligência, a falta de responsabilidade e de sentimento humanitário e cívico que levaram à tragédia anunciada: o rompimento previsto de duas barragens da mineradora Samarco.
E qual a sua expectativa em relação a sua obra? Que reação espera despertar nas pessoas?
Minha expectativa é a de pôr lenha na fogueira da indignação, lembrar da tragédia àqueles que já se esqueceram e de trazer à tona que a justiça não foi feita, nem os responsáveis foram culpabilizados, faltando um só mês para que essa catástrofe complete um ano.
“Emblemático é continuar fazendo arte, não desistir de perseguir um projeto de vida que se manifestou na infância”
Comecei nas artes aos 13 anos, aos 16 participava de exposições, e com 17 compunha a Seção de Pintura da Bienal de São Paulo, ou seja, completo 50 anos de exposições neste ano de 2016.
Não consigo eleger nenhuma obra emblemática dentre as que já fiz. Emblemático é continuar fazendo arte enquanto a sociedade se torna mais truculenta, buscar a liberdade de expressão mesmo quando a censura se impõe e não desistir de perseguir um projeto de vida que se manifestou na infância.
Qual a sua avaliação do texto, enviado ao Congresso pelo governo Michel Temer por meio de medida provisória, que acaba com a obrigatoriedade de aulas de artes no Ensino Médio?
Primeiramente, só o fato da medida provisória ter sido sacada, da noite para o dia, do fundo de alguma cartola, sem uma discussão com a sociedade, já é uma truculência.
Segundo, tal medida provisória destrói o resultado de uma luta de anos travada por artistas, arte-educadores e a sociedade; e que o Congresso Nacional acatou incluindo-a na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que é a obrigatoriedade do ensino de artes nas escolas.
E mais, os governos autoritários começam, sempre, suas gestões tomando medidas de censura à arte e de punição aos artistas, demonstrando, assim, seu medo do que a imaginação, a criatividade e o sonho são capazes.
O que sua pintura atual tem que não tinha quando você ingressou no curso de artes plásticas e história da arte da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) em 1964?
Não tinha ainda a possibilidade de trabalhar, ao mesmo tempo, com as mais diferentes maneiras de se fazer arte, como a pintura, a fotografia, o vídeo, a performance e a poesia. Herdei essa liberdade da arte contemporânea e, ao mesmo tempo, foi uma árdua conquista.
“No passado eu podia ter a idade que tinha no passado, no presente eu só posso ter a idade que tenho hoje”
A maturidade chegou às suas obras? Qual o lado bom, e ruim, de pintar aos 67 anos?
Aos 67 anos, verifico que aprendi muito: com tudo que produzi, com o que o que foi feito pelos que me precederam e com meus contemporâneos, ou seja, meu território de liberdade é muito maior do que quando mais jovem. A maior dificuldade que se impõe com a idade é exercitar-se para manter o corpo capaz para o trabalho, coisa que, para um jovem, é natural, não exige dedicação.
O que você fazia no passado que não pode fazer mais?
No passado eu podia ter a idade que tinha no passado, no presente eu só posso ter a idade que tenho hoje.
Tem algo que eu não perguntei que você gostaria de falar?
Você não me perguntou se estou feliz. Sim, este é o momento mais feliz da minha vida. Estou aposentado e, pela primeira vez na minha vida, estou me conhecendo só artista. Não deixei o ensino por não gostar, mas sim porque persigo meu primeiro projeto, fazer arte.