O som dos bombardeios deu lugar às badaladas de sinos. O pequeno Gaetano Brancati Luigi, então com 8 anos, demorou para perceber que aquilo significava o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945. Na praça da cidade de Orsomarso, na Calábria, sul da Itália, em meio à comemoração dos habitantes, ele soube que tinha uma missão: levar a paz pelo mundo.

Por décadas, essa tarefa ficou engavetada. As lembranças daquela época, no entanto, permaneciam vivas: a do pai, que havia sido recrutado pelo governo italiano, voltando para casa magro e fraco; a da fome e a imagem de crianças dividindo a fatia de pão que lhes restava; a do medo de ser vítima de bombas que não haviam sido detonadas; a do pavor da extensão do conflito – e de ser o próximo convocado para as trincheiras.

“Todo esse sofrimento me enriqueceu como ser humano. Porque não fiquei revoltado. Eu nasci para construir, não para destruir”, considera Gaetano, hoje com 79 anos. “As pessoas esquecem que temos um tempo aqui. Por que não valorizar o respeito, a família, a solidariedade, a paz?”

Ele e a família saíram da Europa em 1949. Foram construir vida nova na Argentina. Ficaram no país por 20 anos. Até que, estimulados por primos e tios, vieram para o Brasil. Estabeleceram-se no bairro paulistano da Lapa, onde pai e filho montaram uma alfaiataria. E Gaetano se naturalizou brasileiro.

Foi representante dos comerciantes da região, virou vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo e passou a ser mais conhecido como sr. Luigi, em homenagem ao pai. Lá, percebeu que o sino do Pateo do Collegio, primeira construção da capital paulista, não soava. Foi perguntar ao pároco o motivo. Descobriu que ele havia sido roubado 15 anos atrás.

O alfaiate reuniu amigos e conhecidos, mobilizou a comunidade e conseguiu um sino novo para o local. Na inauguração, enquanto esperava as primeiras badaladas, posicionou-se de tal forma no andar de cima que a luz do sol bateu no sino e refletiu no rosto de Gaetano. “Soube que era o momento de retomar minha missão”, diz.

“Eu me fortaleço pensando que um dia será realidade o sonho de um mundo melhor”

Foi assim que criou o Marco da Paz, um monumento que leva a mensagem de união e fraternidade. Para o primeiro, inaugurado em 2000 no centro de São Paulo, ao lado do Pateo do Collegio,  ele teve colaboração – a do engenheiro Pedro Mascagni Brondi e a do padre José Fernandes.

“A luta pela sobrevivência ficou muito difícil. Cada cidadão carrega um saco de pedras para enfrentar sua luta. E isso compromete, porque, em vez de pensar em coisas que seriam alimento de amor, ele fica ocupado. Isso embrutece”, diz ele, ressaltando que os monumentos seriam inspiração para levar a mensagem de amor e paz. E completa: “Eu me fortaleço pensando que um dia será realidade o sonho de um mundo melhor”.

Atualmente, existem 26 Marcos da Paz em 20 cidades do mundo. Emotivo, Gaetano fica com lágrimas nos olhos e a voz embargada quando fala deles. Faz uma pausa para dizer que nunca pensou que eles pudessem se espalhar por países tão diferentes como China, México, Uruguai e Itália, em sua cidade-natal, Orsomarso. “Não imaginei que chegassem tão longe e com tanta aprovação.”

A Associação Comercial de São Paulo, do qual ele ainda faz parte, abraçou a iniciativa – e distribui a planta e as especificações técnicas para as prefeituras que quiserem construir um Marco da Paz. Segundo ele, há projetos de instalação do monumento na Palestina, na Armênia, na Colômbia e nos Estados Unidos, entre outros países. Ainda são distribuídas réplicas menores do monumento a pessoas que contribuem para a causa.

E foi esse empenho em levar a paz a tantos lugares que fez com que o italiano fosse indicado para o Prêmio Nobel da Paz no ano passado. Ela veio por intermédio do jurista paulista Dircêo Torrecillas, livre-docente pela Universidade de São Paulo e membro da Comissão de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo (OAB-SP), uma das pessoas que têm o direito de fazer indicações.

Em maio de 2015, o Instituto Norueguês do Nobel enviou e-mail a Torrecillas, confirmando o recebimento de todos os documentos para nomeação. Eles são avaliados antes de ser decidida se a nomeação é válida. O instituto só libera a informação da validade após 50 anos, devido a uma cláusula de confidencialidade.

Neste ano, ele foi novamente indicado. Segundo o instituto, neste ano, houve 376 candidaturas ao Prêmio Nobel da Paz, dos quais 228 são de pessoas e 148, de organizações. Esse é o recorde de indicações – o anterior havia sido 278, em 2014. “Eu já fui premiado com essa missão de fazer o sonho da minha vida, que é o Marco da Paz, para o mundo.”

Em tempo: o vencedor será anunciado no dia 7 de outubro.

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