Completar sessenta anos não é fácil. No Brasil, somos menos de 15% da população, os velhos. Já fomos mais raros. Quando nasci, em 1957, a expectativa média de vida nem sequer alcançava os 50 anos.

O natalício de um sessentão merece, portanto, ser bem festejado. Resolvi celebrar o meu com corridas, exercício que tem me trazido paz e alegria, além de alguma dor.

Inventei logo uma comemoração para durar o ano inteiro: correr, ao longo deste 2017 de meu sexagenário, distância equivalente à de 60 maratonas (não precisa fazer as contas, o resultado é 2.532 quilômetros, mais que o percurso de São Paulo a Maceió).

Trata-se de uma proclamação de vida e de uma declaração de amor à corrida, paixão tardia que venho cultivando com empenho e carinho.

“Não foi para deixar de fumar, abandonar a bebida, baixar a barriga ou esculpir o corpo. Comecei a correr para me testar”

Herdeiro de gerações de sedentários, só depois dos quarenta anos descobri o esporte. Rejuvenesci com ele: hoje entrego meu corpo a empreitadas com que nem sonhava quando estava, como se diz, “na flor da idade”.

Não foi para deixar de fumar, abandonar a bebida, baixar a barriga ou esculpir o corpo. Comecei a correr para me testar. Será que eu consigo?

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Numa praia, defini um ponto de chegada e parti em busca dele, meio desengonçado, sem muito fôlego, ritmo, equilíbrio, força. Mas cheguei, e foi o máximo!

Fiquei exultante. E inquieto. E cheio de dúvidas. E repleto de desafios.

No dia seguinte, fiz o mesmo trajeto, ida e volta. E repeti. E corri mais um pouco. E fiquei mais feliz. E fui um pouco mais longe.

Meses depois, participei de minha primeira corrida de rua. Era um mundo novo que se abria.

“A barriga diminui, o fôlego cresce, a disposição se expande, as endorfinas apaziguam, a adrenalina eletriza, e o corredor novato é fisgado”

Conhecia a São Silvestre, claro, mas ela não passava de uma lembrança de infância, figuras em branco e preto na tela da tevê nas noites de Réveillon na casa de minha avó.  Nunca jamais pensara que um dia seria um daqueles atletas, e hoje acumulo meia dúzia de medalhas sãosilvestrinas; em treinos, percorri o trajeto da prova, de 15 km, dezenas de vezes.

Competir em uma corrida de verdade é uma experiência magnífica. Antes da largada, todos são iguais perante o asfalto. Ao longo do percurso, somos guerreiros desafiando limites, desbravando espaços. Chegando, cada um é campeão de si mesmo.

A barriga diminui, o fôlego cresce, a disposição se expande, as endorfinas apaziguam, a adrenalina eletriza, e o corredor novato é fisgado. Em vertiginosa espiral de um vício virtuoso, diz presente em uma prova a cada fim de semana, tenta bater recordes pessoais, busca trajetos complicados, quer ampliar distâncias.

Nos últimos anos do século passado, quando tive minha iniciação nas provas de rua, fiz tudo isso e ainda sonhava com a maratona, em me tornar um maratonista.

Seria a glória: entrar para o exclusivo mundo dos superdeterminados, insensíveis às intempéries, dispostos a esforços inusitados para se tornarem capazes de percorrer a mítica distância de 42.195 metros.

“Nós somos, em essência, diferentes dos outros homens”, disse dos maratonistas o tcheco Emil Zatopek, o único ser humano a vencer, na mesma Olimpíada, as provas de 5.000 metros e 10.000 metros e a maratona (Helsinque-1952).

Em essência, não é vantagem nenhuma; afinal, cada ser humano é totalmente diferente do outro e, ao mesmo tempo, completamente igual, do âmago ao suor.

Filosofias à parte, virei maratonista.

“Não busco medalhas, mas o prazer do combate, a satisfação da conquista”

Adorei os longos e solitários treinos, que permitem à mente voos impossíveis: nas horas corridas, escrevi cartas e contos, resolvi pendengas pessoais e profissionais, galguei postos de trabalho, conquistei apoios e patrocínios – tudo desintrincado num zás-trás pelo simples fato de colocar uma perna na frente da outra e repetir, repetir, repetir o movimento.

campeão Rodolfo Lucena ao final da maratona do Chile; crédito: Eleonora de Lucena/Arquivo Pessoal

Com a desculpa das longas distâncias – cheguei a fazer uma prova de 100 quilômetros –, viajei pelo mundo afora. Corri na Grande Muralha da China, em montanhas da África, vinhedos franceses, rodovias norte-americanas e ilhas remotas, descobrindo mais sobre o mundo e sobre mim mesmo. Escrevi livros, produzi reportagens, fiz palestras, contei histórias.

No caminho, estropiei o corpo. Correr maltrata os músculos, os ossos, as articulações. Sofri várias fraturas por estresse – o osso não quebra, mas fica ali, ali –, tive hérnia, esporão, bico de papagaio e inflamações as mais diversas nos mais diferentes pontos.

Teimoso, continuo voltando ao asfalto. Não sou mais tão rápido quanto nas minhas primeiras maratonas, mas sigo encarando longas distâncias. Não busco medalhas, mas o prazer do combate, a satisfação da conquista. Na corrida, isso se renova a cada dia.

ATENÇÃO! ATENÇÃO! MUITA ATENÇÃO!

A corrida é uma atividade de risco, ainda que o sedentarismo seja muito, mas muito mais arriscado.

Veteranos da vida, especialmente maiores de 50 anos, devem consultar um médico antes de começar atividade física intensa. E, havendo condições financeiras, é bom ouvir algum especialista, receber orientação de treinador ou professor de educação física.

Mas não espere por isso para sair da cadeira. Caminhadas leves de modo geral não têm contraindicação. Com trinta minutos por dia, cinco vezes por semana, o corpo já começa a mostrar efeitos positivos.

Quem quiser ir além fará melhor ouvindo um doutor de sua confiança.

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