Aposentado, Antonio Felipe de Lima e Silva, 58 anos, mora num confortável domicílio de três quartos, sala, cozinha, escritório, área de serviço e ampla varanda com vista para o mar. Seria apenas mais uma vida comum em qualquer cidade litorânea brasileira não fosse o fato de que esta habitação é, na realidade, uma embarcação – mais precisamente, um catamarã francês modelo Helia 44.

“Eu nunca tinha posto os pés num barco na vida”, diverte-se ele, “mas sempre gostei de viajar. Ficava imaginando o que faria quando me aposentasse, e essa opção me pareceu interessante após ler coisas sobre náutica”.

Foram nove anos de planejamento, que se dividiam entre a leitura e os estudos sobre o tema e a economia de dinheiro para comprar a nau perfeita para chamar de lar. Há cerca de dois anos, o que era um projeto se tornou concreto: Antonio Felipe vendeu tudo o que tinha em solo firme e se mudou para o novo catamarã de 44 pés que, à época, lhe custou € 800 mil. Entre o marinheiro para navegação e a marina para ancorar, seu custo mensal médio fica em torno de R$ 13 mil.

Embora as cifras sejam altas, ele esclarece: “Quando resolvi mudar do apartamento para o barco, eu decidi que não iria perder nenhum conforto”. Deu certo: seu catamarã é autônomo e autossuficiente, com quatro painéis solares e dois geradores eólicos para criação de energia, um sistema de captação de água da chuva, além de um sistema dessalinizador para produzir o líquido potável.

Tudo isso para realizar o sonho de subir a costa brasileira e chegar ao Caribe a bordo do catamarã, cuja realização deve ocorrer ano que vem ou no seguinte, de acordo com os planos estabelecidos por ele. “Como sou novo na navegação, agora eu só ando pelas redondezas. Muitas vezes, preciso levar uma ‘babá’. Com a carteira que tenho hoje, só posso navegar em Angra [no Rio]. Quando vou pra Ilhabela [no litoral paulista], preciso de outra pessoa”, explica.

Para ele, só a vida noturna pouco agitada da região onde aporta, entre Paraty e Angra dos Reis, é um ponto fraco. “Morar num catamarã não tem desvantagem alguma! Mas não moraria num barco monocasco, as coisas caem”, confessa. A embarcação em que ele mora tem dois cascos, o que traz mais estabilidade.

É possível levar esse estilo de vida com custos menores, contudo. “A pouca cultura que existe no Brasil hoje sobre isso entende que barco é coisa para rico. Não é verdade. Uma pessoa de classe média consegue morar tranquilamente em um”, afirma o comerciante Silvio Mothe Viegas, 55 anos, que vive no mar há 12.

barco O aposentado Antonio Felipe de Lima e Silva ao lado do catamarã que adotou como lar; Crédito: Arquivo pessoal

Há seis meses, optou por trocar seu espaçoso veleiro aportado em Niterói (RJ) por uma lancha de fibra de vidro Carbrasmar 30 pés, sob o custo de R$ 200 mil. A mudança teve a ver com a diferença de tempo em trajetos – o que o veleiro percorre em 12 horas é feito pela lancha em um terço desse período. “É mais prático e mais fácil sair com a lancha, assim como cuidar dela. Você fica um pouco mais velho e preguiçoso ao longo dos anos”, brinca.

Ele divide o espaço com a companheira Maria Mourão, 49 anos, e conta que o segredo é exercer o desapego – literalmente – das coisas terrenas. “É muita qualidade de vida. Detesto apartamento! Me lembra uma cômoda com gavetas cheias de pessoas. No clube onde estou, tenho todo o conforto e área de lazer necessários, com a diferença de que é infinitamente superior do que a cidade pela calma e pelo silêncio.”

Silvio diz que a vida fica muito melhor quando você renuncia “a um montão de bagulho”. Esqueça a compra do sofá, abajur e afins. A vida fica muito melhor, segundo ele. “Sou espartano. Saio, trabalho, viajo, vou a festas, a casa noturnas – mas tenho só dois pares de sapato.”

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