Quem quiser encontrar a mineira Eunir Alves Moreira de Faria, 78 anos, não tem como errar. De segunda a sexta-feira, chova ou faça sol, a professora aposentada está a postos, às 8h e às 18h, na sala de aula que improvisou na entrada de sua casa, em Patos de Minas (MG).
No espaço, equipado com duas mesas, dez cadeiras e quadro-negro, ela recebe os alunos atraídos pelo anúncio apresentado em um cartaz pendurado na grade, onde ela se oferece para, de graça, ensinar adultos a ler e escrever.
A ideia surgiu em maio do ano passado. De lá para cá, Eunir colecionou alguns orgulhos, como o homem de 64 anos, funcionário de uma padaria, que sofria bullying por não saber assinar o nome ao marcar o ponto no trabalho.
"Ele já está escrevendo com letra legível e está entendendo tudo", conta a professora. "Agora ele pediu para aprender a colocar a data, porque estava com vergonha de não saber fazer isso", acrescenta.
"Gosto de incluir pessoas. Tenho alunos da Apae [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais]; são inteligentes, mas a sociedade discrimina." O que ela faz questão é de manter o foco na alfabetização de adultos. "Tem mãe que me procura e quer pagar para eu dar aula pra criança, mas eu não quero. Quero dar aula pra adultos, e de graça."
"É igual a uma revoada de passarinhos. Às vezes eles somem uns tempos"
Ela reconhece que não é uma tarefa fácil, devido às dificuldades enfrentadas por esses alunos. Alguns têm problemas de horário, faltam muito e precisam de assistência individual.
Ela calcula que umas 30 pessoas já se matricularam, embora nem todos cheguem até o final. "É igual a uma revoada de passarinhos. Às vezes eles somem uns tempos."
Mas, mesmo sem experiência anterior com alfabetização de adultos, ela diz usar o conhecimento adquirido nos 25 anos em que deu aula para crianças de 7 a 11 anos em escolas públicas e o traquejo que obteve em outros trabalhos sociais que já fez.
Nascida em Itaúna, a professora chegou a Patos de Minas, em 2000, para ficar perto da filha. Passou a escrever no jornal da cidade e a participar de atividades de evangelização na pastoral carcerária e com menores infratores.
Eunir usa uma cartilha que criou no tempo em que dava aula para crianças. "A diretora só me dava primeiro ano difícil e dizia: é porque você dá conta. Tinha muitos repetentes." Ela guarda boas lembranças dessa época. "As crianças gostavam muito de mim e eu me sentia muito feliz com isso."
Com os alunos atuais, ela se mantém atenta para acompanhar as dificuldades de cada um. "Tem que ter um pouco de psicologia, para ver o ritmo deles. Tem uns que desanimam, acham que não dão conta", afirma. Ela diz se adaptar às necessidades de cada um. "Se chegar mais tarde do trabalho, não tem problema."
"Não pretendo parar, não. Só quando não estiver aguentando mais"
Atualmente, ela começa o turno da tarde meia hora mais cedo para atender um aluno, que sai do trabalho às 17h30, nas vizinhanças de sua casa. "Ele mora longe. Assim, ele não fica esperando e pode ir embora um pouco mais cedo."
Motivação ela diz ter de sobra. "Eu me interesso pelas pessoas", conta. E a idade não é empecilho. "A gente tem mais disponibilidade para ajudar, a cabeça mais desenvolvida."
A saúde, embora frágil, não a impede de dar os dois turnos de aulas, de duas horas cada. Ela conta que já teve dois infartos, tem diabetes e problema de pressão e usa uma bengala para se locomover, mas isso não a desanima. "Não pretendo parar, não. Só quando não estiver aguentando mais."
"Eles [alunos] morrem de medo que eu adoeça e pare. Eles dizem que rezam pela minha saúde", conta, rindo. "Isso faz a gente ficar feliz, de ver que está ajudando."