Dia desses, lá pelas três horas da tarde, a caminho do escritório, eu lutava para atravessar a multidão nervosa e suarenta que se comprimia nas ruas estreitas do comércio popular da Saara, no Rio, quando a figura miserável de um velho mendigo me despertou a atenção. Recostado à porta de uma igrejinha perdida no centro da cidade, chacoalhava umas poucas moedas na canequinha de alumínio, tão gasta e amassada quanto ele, em ritmo lento e desesperançado. Não dizia palavra, apenas balançava o instrumento de sua inútil súplica, enquanto as pessoas passavam apressadas e indiferentes. Seu olhar vazio estava pregado na vitrine da loja em frente, decorada com todas as cores do Natal, abarrotada de brinquedos e quinquilharias de finalidade duvidosa.
Depois de alguns instantes de hesitação, aproximei-me e parei ao seu lado, procurando nos bolsos algum trocado. Nem assim desviou os olhos. Parecia não se aperceber da minha presença ou não se importar com ela. Despejei a esmola na canequinha e já me dispunha a seguir a vida, quando o ouvi balbuciar em tom resignado: “tá tudo errado, moço, tudo errado”.
Talvez por educação, talvez por pena, ou provavelmente pelo tratamento – afinal, há muito ninguém me chama de moço – resolvi perguntar-lhe por que tudo estava fora de ordem em sua opinião. Então, o velho pousou seu olhar mortiço no meu e pude vislumbrar, por um breve momento, o inesperado brilho de alegria misturada com gratidão e respeito.
“Olhe para aquela loja” – pediu-me com a mesma voz sumida e resignada – “olhe para o que há a sua volta e me diga se não está faltando algo”.
Retruquei que a meu ver tudo estava em seu lugar; o Papai Noel corado, o trenó com as renas – cheguei até a contá-las mentalmente, tentando sem êxito lembrar-me dos seus nomes – o pinheirinho cheio de guirlandas e bolas reluzentes, a neve... era isso, faltava a neve artificial!
O mendigo sorriu e senti uma ponta de piedade e benevolência naquele sorriso. “Falta o principal, moço, o motivo de toda essa festa. Onde está Ele, onde está o aniversariante”?
Caí em mim. O velho tinha razão. Não havia uma imagem de Jesus, um presépio, sequer uma menção à data instituída pelo imperador romano Constantino para celebrar a Natividade. Só dava Papai Noel. Santa Claus reinava absoluto em todas as lojas, em todas as casas, em todas as intenções, e o que é pior, em todos os corações. Até a porta cerrada da igrejinha parecia negar a lembrança do nascimento de Cristo.
Despedi-me enfiando na mão trêmula do mendigo uma nota de dez pratas, impregnada de vergonha e culpa. Saí dali a galope, procurando um vestígio do verdadeiro Natal, como quem procura se redimir. Não obtive sucesso.
No trabalho, meus colegas estavam eufóricos com o amigo secreto; falavam de presentes, de comidas e bebidas, de viagens para aproveitar o feriado prolongado. Acreditem se quiserem: apareceu-me um rapaz que queria saber se o tal feriado era nacional ou não. Mas, ninguém - ninguém mesmo - mencionou Jesus em seus votos de boas festas.
Vejam bem, não quero execrar as práticas do comércio, os hábitos do povo, os empregos de ocasião que salvam o orçamento de muitas famílias. Acho Papai Noel uma figura super simpática; a troca de presentes é um costume maravilhoso pela alegria que proporciona a quem dá e a quem recebe (e seria ainda melhor se nos remetesse ao gesto dos Reis Magos, acontecido em janeiro, no dia seis, se não me falha a memória). Minha única queixa é o plano a que foi relegado o nascimento do Líder da Cristandade. Todos os cristãos, sejam católicos romanos, ortodoxos, espíritas, evangélicos, umbandistas, enfim, os 30% da humanidade que acreditam no Salvador e no seu legado, não podem esquecer que essa data, em primeiro lugar, pertence à fé em Jesus Cristo e Sua doutrina.
Vamos comemorar sim; comer, beber, trocar presentes, viajar, nos divertir, mas, sem deixar de celebrar a crença na força da caridade, na magnitude da esperança e, sobretudo, na importância fundamental do amor ao próximo. Esta é a essência de tudo. O resto nos será dado por acréscimo. Não vamos esperar que o velho mendigo da nossa consciência nos venha pregar lições de moral e ensinar tudo de novo. Vamos colocar o Dono dessa festa no seu devido lugar. Que na noite de Natal, possamos todos comemorar, distribuir amor e receber a graça e as benções de Jesus Cristo em nossos corações e mentes.