Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em gerontologia, Renato Veras foi um dos palestrantes do “3º Fórum A Saúde do Brasil”, organizado pela “Folha de S.Paulo” na semana passada, em São Paulo. Os debates abordaram temas como as finanças dos planos de saúde, dos hospitais particulares e do SUS, a judicialização da saúde e a eficácia da prevenção na redução dos custos.
Veras, que também é diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI/UERJ) e editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, aproveitou um intervalo entre os debates para falar sobre as pesquisas que vem liderando e o seu otimismo em relação à aceitação da mudança de modelo do sistema de saúde proposta pela UnATI/UERJ, em meio ao momento de recessão econômica que o Brasil atravessa.
A UnATI defende que cada médico tenha um grupo de pacientes, entre 300 e 400, como no modelo inglês, trabalhando ao lado de uma enfermeira. E que cada paciente tenha em média cinco consultas por ano, com acompanhamento periódico por telefone ou em casa. “Em um determinado momento da vida, a probabilidade de doenças é maior. Então é preciso se antecipar à doença, em vez de deixar que aconteça.”
Leia a seguir os principais trechos dessa entrevista.
A UnATI faz pesquisa há muito tempo sobre a atenção à saúde do idoso. Qual o seu último projeto?
Foi um livro, publicado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) no início deste mês, intitulado “O Modelo de Hierarquização da Atenção ao Idoso com Base na Complexidade dos Cuidados”. Trata-se da sistematização de um modelo empírico que vem sendo elaborado a partir da experiência de mais de 20 anos da UnATI/UERJ.
Sua concepção serve tanto para o serviço público de saúde quanto para o privado. Ele será aplicado primeiro pelo setor privado, porque está muito embasado em melhorar a assistência com redução de custo, e as empresas estão quebrando.
O que mais acontece é o seguinte: vamos pensar num plano mediano para um idoso, com custo de R$ 1.000 por mês. O idoso tem sua carteirinha, não está se sentindo bem, vai ao hospital, entra pela emergência. Normalmente quem atende é um residente, um pouco inseguro com o quadro, porque o idoso tem muitas doenças... Avalia e decide internar o paciente para poder pesquisar melhor.
Aí vai ver e não tem vaga nos quartos, interna na UTI, faz uma série de exames. Depois de um dia consegue uma vaga no quarto, onde o paciente fica por mais três ou quatro dias. Daí a pessoa melhora e vai para casa. Isso custa em média R$ 18 mil, o que corresponde a 18 meses de pagamento do plano do paciente. Então é preciso esperar que essa pessoa fique um ano e meio sem problemas de saúde para o plano poder empatar. É inviável.
“É preciso se antecipar à doença, em vez de deixar que ela aconteça; monitorar dá melhores resultados”
O que o modelo defendido pela UnATI/UERJ propõe?
Que cada médico tenha um grupo de pacientes, entre 300 e 400, como no modelo inglês, trabalhando ao lado de uma enfermeira. Que cada paciente tenha em média cinco consultas por ano, com acompanhamento periódico da enfermeira por telefone ou até em casa: "Fez o exame? Tomou o remédio?". Por que isso? Porque se sabe que, em um determinado momento da vida, a probabilidade de doenças é maior. Então é preciso se antecipar à doença, em vez de deixar que aconteça, porque se acontecer a pessoa vai para o hospital. Monitorar, acompanhar, dá melhores resultados.
O que as operadoras acham desse modelo?
Normalmente as operadoras dizem: "Isso é muito caro!" Eu sempre respondo: “O profissional de saúde é barato, caro é um dia de UTI”. Temos que mudar essa lógica, que está muito focada nos equipamentos, no hospital. Temos de fazer coisas mais leves. Não sou contra hospital nem tecnologia, mas acho que devemos usar esses recursos quando é preciso e pelo menor tempo possível. Além de ser muito caro, ao entrar no hospital, a primeira coisa que o idoso pensa é: "Será que eu vou voltar pra casa?". Há ainda a questão da infecção hospitalar. O hospital só tem desvantagem e, apesar disso, é o modelo que usamos para tudo.
Qual a importância dessa mudança para a população idosa brasileira?
O modelo atual foi feito no Brasil de antigamente, o Brasil jovem, em que as pessoas só tinham uma doença aguda. Agora são múltiplas doenças crônicas. E doença crônica, depois de estabilizada, vai continuar para o resto da vida. Os idosos compõem o grupo etário que mais cresce no país hoje. As pessoas não vão morrer cedo, será aos 90, 100 anos. Se não houver uma assistência adequada, o que vai acontecer é que vai ampliar o sofrimento ano após ano, trazendo problemas para a família, para a sociedade, mais custo etc.
Então cuidar bem do idoso é uma questão estratégica para a saúde pública e para o setor privado. E as empresas começaram a ficar muito preocupadas, porque perceberam que fazer o que faziam antigamente não dá mais certo e estão perdendo dinheiro. Mas ainda não conseguiram mudar a lógica, que é muito centrada no hospital, no especialista. Essa mudança de cultura, de modelo assistencial, é a linha que eu tenho batido bastante nas pesquisas e nos trabalhos da UnATI e apresentado às pessoas, discutido com as empresas, com o Ministério da Saúde. Achamos que esse é um movimento extremamente correto, do bem.
“Hoje, se você tem uma dor, vai a um médico, depois ao segundo, ao terceiro, ao quarto; e cada um vai indicar remédios e exames complementares”
Como distribuir essa demanda para desafogar os hospitais e o modelo dar certo?
Por exemplo, uma empresa tem, digamos, 10 mil idosos. No modelo inglês, o médico tem uma carteira de pacientes eu adicionei uma enfermeira nessa equação e, para uma carga horária de 20 horas, ele toma conta de mais ou menos 380 pessoas. Isso dá em média quatro atendimentos por ano para cada pessoa, que é monitorada o tempo todo pela enfermeira.
Essa dupla tem uma resolutividade de 85% a 90%, que são os resultados ingleses. A cada 20 casos, 17 ele resolve, e 3 ele manda para um especialista. Depois, o especialista devolve o paciente ao médico gestor, que é quem tem o prontuário da pessoa. Evita a repetição de remédios, de exames etc. Só nisso já tem uma grande redução de custo, porque hoje você tem uma dor, vai a um médico, depois ao segundo, ao terceiro, ao quarto. Cada médico vai indicar alguns remédios e exames complementares.
Quando a pessoa começa a se sentir melhor, acaba desistindo de ir buscar os exames feitos na primeira ou na segunda consulta. O número de exames realizados que não são retirados pelos paciente somam 38%. Isso é dinheiro jogado fora. E gera transtorno familiar, porque alguém vai ter de deixar de trabalhar para levar o idoso ao "tour" pelos laboratórios. O paciente idoso fica cansado.
Qual deve ser o perfil desse médico "gestor"?
Deve ser um generalista, um médico de família. Isso precisa ser valorizado na cabeça dos estudantes de medicina. Em vez de todos quererem ser cirurgiões vasculares, investir na formação de clínicos. E aquele que quiser ser um especialista vai saber que esse médico gestor vai mandar para ele alguns casos que não consegue resolver. Então o número de pessoas que vão para o especialista vai diminuir muito, e o sistema vai ficar mais eficiente.
“Proponho um sistema de bonificação. Se o médico faz uma boa prática médica, ganha um percentual em cima disso. E o paciente que segue a rotina estabelecida tem uma redução na mensalidade”
Como incentivar essa mudança de paradigma na formação?
Eu proponho um sistema de bonificação. Se o médico faz uma boa prática médica, se está dando lucro para a operadora, nada mais justo que ele ganhe um percentual em cima disso. É o ganha-ganha. É mais racional. Também haveria uma bonificação para o paciente. Aquele que seguir a rotina estabelecida, terá uma redução na mensalidade. Todo mundo ganha.
Recentemente a UnATI e o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon fecharam uma parceria. Como será esse trabalho?
A UnATI vai participar para que a gente possa reforçar esse movimento do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon. Estou me colocando à disposição para que a gente possa ampliar ainda mais esse tipo de discussão. A parceria está começando. É um grupo do bem. Ainda não sei exatamente como serão as atividades, mas serão de apoio a boas causas.
O Instituto de Longevidade Mongeral Aegon tem como missão promover a participação de pessoas com mais de 50 anos na sociedade, especialmente nas áreas de trabalho, cidades e mobilização social. Qual a importância de destacar a longevidade na agenda de desenvolvimento social?
O idoso cada vez vai estar mais presente na sociedade brasileira. O número de idosos está aumentando no país. Essa pessoa vai se aposentar e precisa ser inserida na sociedade, em projetos sociais. Para isso, ela precisa ter saúde. Por isso essa parceria com a UnATI é fundamental.
“Se não formarmos as pessoas para lidar com os idosos, vai ser um caos para esses pacientes”
O aumento da longevidade é um fenômeno mundial. No Brasil, começou recentemente, mas está caminhando de forma acelerada. Quais as consequências disso?
Se não formarmos as pessoas para lidar com os idosos, vai ser um caos para esses pacientes. Eles vão viver doentes, na cama, tirando alguém do trabalho para cuidar deles. Alguns vão ficar abandonados. É o pior dos mundos. Mas ainda temos condições de reverter isso.
É possível envelhecer no Brasil com saúde e qualidade de vida?
Sem dúvida. Desde que o país siga o caminho correto. O que não dá é a pessoa ter hábitos de risco, como o fumante, o que não tem alimentação correta, aquele que não faz exercício. A probabilidade é de que essas pessoas tenham um final de vida com mais fragilidade, mais doenças, mais sofrimento.
O que é preciso para começar a reorientar esses serviços e obter melhores resultados assistenciais e econômico-financeiros?
Pensar diferente. Não podemos manter o modelo antigo, que está defasado e anacrônico. E temos de pensar em uma forma de cuidar desse idoso, sabendo que ele vai ter doenças, mas, se elas estiverem estabilizadas, ele pode usufruir a grande conquista atual que é viver mais.