Nunca é tarde na vida para começar algo novo, como um curso. O mesmo raciocínio vale para largar algo velho, como parar de fumar. “Parar de fumar é um benefício para a saúde em qualquer idade”, afirma Stella Regina Martins, médica especialista em dependência química com ênfase em controle do tabagismo e pneumologista do InCor – Instituto do Coração do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Ela conta que a maioria das pessoas que atende no instituto, com o intuito de largar o tabagismo, têm de 40 a 65 anos. “São indivíduos que já estão doentes ou que têm medo de adoecer por causa do tabagismo”, caracteriza. Tanto em uma situação como em outra, as vantagens de largar o vício são inegáveis, aponta.
Claro que os ganhos obtidos com essa medida vão variar. “Se a pessoa está saudável, constitui uma forma de prevenção contra uma série de doenças, do câncer às disfunções cardiovasculares”, afirma. “Se já possui algum quadro patológico estabelecido, obterá proveitos no tratamento.”
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Dessa maneira, um paciente que sofra de câncer responderá muito melhor à quimioterapia ou à radioterapia se não fizer uso do cigarro, de acordo com a especialista. “Caso seja alguém que já enfartou ou sofreu um AVC, diminuirá a chance de ter outro”, pontua. “Quem faz uso de balão de oxigênio, por sua vez, pode vir a reduzir essa utilização.”
O fumo também prejudica o controle de diabetes e hipertensão, que, mesmo sem cura definitiva, podem ser administrados para que o paciente tenha uma vida com mais qualidade. “A nicotina agride todo o sistema circulatório do corpo”, alerta a médica. “Vai lesionando e inflamando os vasos. Não há um só órgão que não seja prejudicado por ela. Pode até causar cegueira, algo que muita gente ignora.”
Parar de fumar: desafio
Mas, verdade seja dita, parar de fumar não é fácil. Depois dos 50, pode se tornar uma missão que exige ainda mais força de vontade. “Muitas pessoas dessa faixa etária têm a crença equivocada de que não vale mais a pena, que não tem mais jeito”, observa a pneumologista.
A resistência tem sua razão de ser. “Falamos de indivíduos que fumam há décadas e fizeram do cigarro um companheiro muito presente. Vejo caso de pacientes que querem largá-lo, mas não sabem o que fazer com a mão, tão acostumada com a presença dele ali. Ou sentem falta até do gesto de soltar a fumaça pela boca.”
Crédito: Shutterstock
No entanto, existem técnicas para facilitar esse processo. Como a de cortar pequenos bastões de cenoura que possam ocupar o espaço deixado pelo cigarro entre os dedos. E, paralelamente, adotar hábitos alimentares mais saudáveis, que, somados à prática de exercícios físicos, constituem um combo de iniciativas para uma vida melhor. Há ainda aplicativos que podem auxiliar nessa missão.
Mas atenção: usar artefatos como o cigarro eletrônico não alivia os malefícios causados à saúde. “Além da nicotina, ele faz uso de outras substâncias muito prejudiciais ao organismo.”
Cheiro ruim
O tratamento contra o vício depende ainda de motivações. Ter mais saúde é uma delas, obviamente. Mas há outras. “Entre os pacientes idosos, 90% querem parar de fumar por causa dos netos, que costumam reclamar do cheiro de cigarro dos avôs”, caracteriza Stella Regina Martins.
“A questão financeira também pode contribuir. Tenho um paciente para o qual demostrei que ele economizaria R$ 9.000 por ano se deixasse de fumar. Foi um grande fator motivacional para ele, que logo passou a planejar o que faria com esse dinheiro – reforma da casa, viagem com a família”, conta.
Sem milagre
De qualquer maneira, a especialista destaca que 90% do sucesso da luta por parar de fumar está nas mãos do usuário. Mundialmente, o percentual de casos bem-sucedidos nos tratamentos para largar o tabagismo, que duram em torno de seis meses, fica em torno de 30%.
A professora Elke Santiago, de 58 anos, conseguiu abandonar o hábito. “Parei de vez há seis anos, quando tive um início de enfisema [irritação respiratória crônica causada, geralmente, pelo cigarro]”, afirma. “Mas não foi fácil. Fumei dos 14 aos 29 anos e depois dos 38 aos 52.”
Ela conta que foi diminuindo o número de cigarros fumados por dia aos poucos. “Comecei a repensar o valor que esse prazer momentâneo tinha em minha vida”, diz. “Queria tomar consciência do que estava fazendo. A conselho de outra pessoa, passei também a me olhar no espelho enquanto estava fumando e vi que aquilo não tinha nenhum sentido.”
O SUS (Sistema Único de Saúde) oferece tratamento gratuito para largar o vício. A orientação é buscar por ajuda na Unidade Básica de Saúde mais próxima. “Existe vida depois do cigarro”, diz a médica do Instituto do Coração do HCFMUSP.