Faz tempo que o universo virtual é um cenário de guerra entre realidade e ficção. A aposentadoria e os benefícios previdenciários estão no meio do tiroteio, especialmente após o texto da Presidência da República, a PEC 6/2019, ser enviado para a aprovação do Congresso. Com ele, chegou também um punhado de mitos e verdades sobre a reforma da Previdência.
Dados da dívida de empresas com a União, de diferenças de expectativa de vida por região e do peso de empregos formais sobre o déficit da Previdência Social circulam pelas redes sociais. E nem sempre estão corretos.
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Para esclarecer os principais pontos, o portal do Instituto de Longevidade entrevistou a advogada Fernanda Bonella Mazzei, especialista em direito tributário, e o advogado especialista em direito previdenciário Theodoro Vicente Agostinho, coautor de obras como “Advocacia Empresarial Previdenciária” (Editora LTR) e “Processo Administrativo Previdenciário” (Editora (LTR).
Confira 6 mitos e verdades sobre a reforma da Previdência
1. Cobrar as empresas que devem ao INSS tornaria a Previdência superavitária
Mito. “As empresas que estão em débito com a União Federal em virtude do não recolhimento de contribuições previdenciárias não são as únicas causadoras do déficit da Previdência Social, motivo pelo qual não podemos afirmar que a quitação de tais dívidas a tornaria superavitária”, sinaliza Fernanda.
Theodoro acrescenta que muitas dessas companhias devedoras já encerraram atividades. Mesbla, Varig e Vasp são alguns exemplos. Logo, a chance de a União reaver esses recursos é remota.
O governo estima que a dívida das empresas chegue a R$ 500 bilhões, dos quais R$ 150 bilhões seriam passíveis de recuperação. No ano passado, o déficit da Previdência foi de R$ 289 bilhões.
“Mas, ao mesmo tempo, melhorar o sistema fiscalizatório e de cobranças, trazendo mais recursos e evitando longas postergações para a cobrança, auxiliariam no equilíbrio”, diz o advogado.
2. O aumento do número de empregos formais poderia deixar a Previdência superavitária
Verdade. “Um dos pontos que muitos especialistas defendem é um programa de formalização maior, pois assim teríamos mais pessoas em empregos formais e consequentemente contribuições vertidas para o sistema”, assinala Theodoro.
Para Fernanda, contudo, o simples aumento dos vínculos empregatícios, por si só, não seria capaz de fazer com que a Previdência deixe de ser deficitária. A menos que esse movimento venha acompanhado de fiscalização.
"O governo não possui meios eficazes de fiscalização de tais recolhimentos"
“A despeito do pagamento de contribuição previdenciária ser obrigatório para aqueles que exercem ao menos uma atividade remunerada, o governo não possui meios eficazes de fiscalização de tais recolhimentos. Assim, uma das soluções seria um maior e melhor controle do pagamento das contribuições previdenciárias, tanto pela pessoa física, quanto pela pessoa jurídica”, afirma a advogada.
3. O fim do bônus demográfico do país terá impacto sobre as contas da Previdência
Verdade. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2020, 9,8% da população terá 65 anos ou mais de idade e 20,9% terá até 14 anos. Em 2040, esses percentuais serão de 17,4% e 16,8%, respectivamente. Ou seja, o número de idosos ultrapassará o de crianças e jovens.
“Tal fenômeno resulta na existência de menos contribuintes e mais aposentados e pensionistas, prejudicando, consequentemente, a sustentabilidade do sistema previdenciário”, considera a advogada. Isso, acrescenta ela, acarreta “elevados custos para as futuras gerações e compromete o pagamento dos benefícios”.
4. O texto de reforma da Previdência do executivo desconsidera a expectativa de vida das regiões mais pobres
Verdade. “O estabelecimento de apenas um tipo de benefício previdenciário programado, que exige idade e tempo de contribuição mínimos, desconsidera a desigualdade na expectativa de vida das regiões mais pobres do Brasil, que é mais baixa do que nas grandes capitais, por exemplo”, afirma Fernanda.
A título de comparação, em Santa Catarina, a expectativa de vida foi de 79,4 anos em 2017, segundo dados divulgados pelo IBGE no ano passado. No Maranhão, ficou em 70,9 anos.
Para o advogado, esse é um ponto polêmico. “Do ponto de vista de sistema de Previdência, não tem como regionalizar essas questões.” Ele acrescenta que “o que poderia ser feito, caso isso seja uma necessidade, é estabelecer programas governamentais para melhor a qualidade de vida nas regiões mais pobres, mas isso é assistencialismo e não previdência”.
5. Pela PEC 6/2019, o trabalhador só se aposentará se contribuir por 49 anos para a Previdência
Mito. Caso o texto seja aprovado da maneira em que está, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social poderá se aposentar quando cumprir, cumulativamente, o requisito da idade (62 e 65 anos para mulheres e homens, respectivamente) e 20 anos de tempo de contribuição, no mínimo.
Nesse caso, explica a advogada, o valor do benefício será o resultado de 60% da média aritmética de todos os salários de contribuição – desde julho de 1994 ou da competência de início, se posterior –, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que ultrapassar os 20 anos mínimos.
Theodoro reforça, no entanto, que o trabalhador precisará de 49 anos de contribuição, em média, para atingir 100% do valor do benefício. “Este ponto merece, ao meu ver, um estudo e, consequentemente, uma melhor redação para atender à necessidade/expectativa de quem irá se aposentar e, ao mesmo tempo, readequar o sistema previdenciário.”
6. Políticos e militares não terão modificação em suas aposentadorias, de acordo com a proposta da Presidência
Mito. “Os sistemas serão alterados também, mas o impacto seria menor do que aqueles previstos para os trabalhadores da iniciativa privada”, considera o advogado.
No caso de deputados e senadores, o texto originário da PEC da Reforma da Previdência prevê as mesmas regras dos trabalhadores do setor privado, com teto de aposentadoria do Regime Geral de Previdência Social, atualmente em R$ 5.839,45.
“Já no que tange aos militares, as propostas de reforma foram mais brandas”
“Já no que tange aos militares, as propostas de reforma foram mais brandas”, considera Fernanda. Segundo ela, a principal diferença existente entre o texto dos trabalhadores civis e da iniciativa privada e o texto dos militares está nas regras de cálculo do benefício de aposentadoria e do valor das pensões.
“Quando reformado – ou seja, na inatividade –, o militar continuará recebendo todo o seu salário da ativa, enquanto os demais trabalhadores sofrerão redução no valor de seu benefício, caso não consigam contribuir por 40 anos para o Regime Geral de Previdência Social”, explica a advogada.