Todos os dias às 13h, Naide Rossi, 85 anos, sai de casa em direção ao Banco de Remédios da Diocese de Piracicaba, interior de São Paulo. Lá, num trabalho voluntário, a aposentada separa cuidadosamente os medicamentos que serão entregues pela farmacêutica, gratuitamente, aos pacientes que chegam com receita médica.
A pouco mais de 20 quilômetros de Piracicaba, no município de Suzano, Maria do Carmo da Silva, 82 anos, é monitora de lian gong, uma prática corporal chinesa que apresenta resultados terapêuticos. Ela dá aulas para 15 pessoas a partir dos 40 anos, que possuem alguma debilitação como hipertensão, diabetes ou depressão.
O que as duas têm em comum? São voluntárias e, na teoria, fazem diferença na vida de outras pessoas. Na prática, veem também mudanças em seu próprio dia a dia – incluindo melhora na capacidade cognitiva. É o que mostra uma pesquisa com 11.100 pessoas de mais de 50 anos de idade, publicada no periódico científico “Journals of Gerontology”. Pelo estudo, quem se dedicava formalmente à atividade apresentava níveis mais altos de memória de curto prazo.
“O trabalho voluntário requer compromisso cognitivo, social e intelectual, o que pode melhorar, manter ou reduzir o declínio da função cognitiva”, descrevem os autores, que são das universidades americanas de Missouri, de Miami e de Mountclair State. Envolver-se em tarefas novas e complexas e manter-se fisicamente ativo são componentes que podem estar relacionados a esse benefício.
Ser voluntário promove ainda aumento da autoestima e diminuição da ansiedade e do estresse, bem como combate a depressão – um transtorno que atinge 20% da população com mais de 60 anos de idade, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). No Brasil, esse índice é de 15%.
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Foi isso o que Maria do Carmo conseguiu com o trabalho voluntário, após a morte do filho, há 18 anos. “Precisava me ocupar todos os dias e sair de casa”, conta ela. Como estava com diabetes, hipertensão e problema de tireoide, um médico aconselhou que ela praticasse lian gong. Algum tempo depois, com a saída do supervisor das aulas, passou a ser monitora.
Empatia
Esse compromisso social de que trata a pesquisa é levado a sério por Naide, que separa medicamentos para cerca de 200 receitas por dia no Banco de Remédios. “Todos os dias ouço uma história diferente de pessoas que enfrentam uma fila grande porque não têm um real para comprar uma aspirina. Já teve gente aqui pedindo comida, e não remédio.”
“Sempre nos reunimos quando há algum problema maior e apoiamos uns aos outros”
“No início, foi difícil lidar com as emoções”, lembra Naide. Para continuar, contou com a ajuda dos outros voluntários. “Somos muito unidos. Sempre nos reunimos quando há algum problema maior e apoiamos uns aos outros.”
Colocar-se no lugar do outro fez com que Maria do Carmo pudesse amar a própria vida novamente. “Tenho satisfação em saber que estou ajudando pessoas. Na minha idade, a única coisa que busco é saúde e autoestima. Ter disposição para levantar da cama, tomar banho, se arrumar e ajudar as pessoas a fazer o mesmo é essencial”, emociona-se.
“É importante entender que sempre vai ter alguém esperando por sua ajuda e, se você se compromete, é preciso levar a sério”
Para ser um voluntário
Não há idade-limite para praticar o trabalho voluntário, regulamentado pela Lei nº 9.608/98. É uma atividade sem remuneração, sendo permitida apenas ajuda de custo, como vale-transporte ou vale-alimentação.
“Todas as pessoas deveriam achar uma causa ou um lugar e se tornar voluntárias alguma vez na vida”, opina Naide. Mas, antes de aderir a uma causa, ela avisa: “É importante entender que sempre vai ter alguém esperando por sua ajuda e, se você se compromete, é preciso levar a sério”.
O próximo passo é buscar uma instituição para abraçar. Vizinhos, parentes e colegas que já contribuem com alguma ONG podem dar referências. Há ainda centros de voluntariado em São Paulo, no Rio e em outras cidades do país, que oferecem cursos, palestras e auxílio para quem quer ser voluntário.