Barrosinho fazia jus ao nome. Baixo, careca, gordote, tronco desproporcional às pernas e braços muito curtos; de pele avermelhada, lembrava um pequeno boneco mal esculpido em barro. Diretor da colônia de hanseníase em Jacarepaguá, em menos de quatro anos, transformara a instituição num modelo de eficiência e harmonia. Não se esquivava dos problemas constantes e de todo o tipo, atendendo a pacientes, funcionários, médicos e fornecedores com a mesma solicitude e boa vontade. Destrinchava as situações mais cavernosas com sistemáticos bom senso e precisão. Destacava-se pelo temperamento de todo afável, sempre simpático, alegre, conciliador. Morava na própria colônia, numa casa confortável, habitualmente cedida pelo governo aos seus administradores, e levava a vida assim, fazendo amigos, parceiros. Construindo a reputação de líder, via sua popularidade crescer a cada dia. Seu único ponto fraco era a mulher, dona Luzia, uma loura oxigenada, exagerada nas maneiras e nas formas, perua acostumada a ter seus caprichos atendidos a tempo e a hora, afeita a barracos e macumbas. Era filha de santo de Pai Jacó de Oxum, raspara a cabeça e deitara em camarinha no terreiro de Ilá-Ifá, conhecido e reconhecido como ponto alto do Candomblé na localidade do Anil. Tudo para ela se resolvia em uma mão de búzios, seguida de trabalhos e oferendas, pagos a peso de ouro pelo marido, eternamente apaixonado.

Dentre os principais assistentes de Barrosinho na colônia, havia um moço de trinta anos, o Lobato. Engajado na política, tinha por missão identificar os talentos emergentes para indicar ao partido possíveis promessas de voto fácil nas eleições para vereador. No cenário pintado pelo marqueteiro das urnas, especialista no jogo nem sempre limpo dos representantes do povo, Barrosinho aparecia como aposta certa, “pule de dez”, como dizia.

Lobato tentou cativar o homenzinho de barro com armadilhas montadas no campo da ideologia, da ética, da moral. Nada, nenhum interesse. Passou para a seara das realizações sociais com a mesma reação negativa. Por fim, quase no desespero, partiu para os valores que comovem a natureza humana desde épocas imemoriais: o sucesso, o poder, a riqueza. Barrosinho indignou-se, quase a ponto de expulsá-lo do gabinete.

Lobato já pensava em desistir quando cruzou com dona Luzia, carregada de sacolas de shopping, cheias de roupas e badulaques de grife. Bastou uma conversa de pé-de-ouvido para o olheiro inocular o vírus da ambição no coração receptivo da baranga. “Já sei como convencê-lo. Pai Jacó é a nossa solução! Meu docinho sempre respeitou essas coisas de santo. Deixe comigo!”.  

Não demorou muito e, manso como um cordeiro, Barrosinho procurou Lobato, querendo saber mais sobre a candidatura. Ao fim de dez minutos de papo furado, acedeu sem condições à proposta do assistente. Para surpresa geral, mostrou-se sensibilizado pelo chamado da vida pública. Da noite para o dia, passou a ser ainda mais simpático, mais cativante, sedutor como nunca, dedicando-se de corpo e alma a conquistar o eleitorado. Em compensação, tornou-se menos competente na sua função de fé, a de gestor da colônia de hanseníase.

Lobato armou o esquema com maestria. Apresentou Barrosinho aos chefões do partido, promoveu reuniões de cabos-eleitorais, trouxe investimentos para a campanha. Sacramentou a candidatura como uma cruzada em prol da decência, da misericórdia, atirando na mídia os leprosos inocentes, na pele de testemunhas de ‘milagres’ que nenhuma divindade poderia produzir. Trouxe alguns milhares de reais para o projeto, o apoio de dezenas de empresários de rapina que, por ‘coincidência’, eram prestadores de serviços e fornecedores de insumos para a colônia. Montou comitê no Largo da Freguesia, numa casa de altos e baixos, com piscina, sauna, churrasqueira. Reuniu um time numeroso de colaboradores, incluindo algumas divulgadoras de dar inveja; garotas louras, naturais e inventadas, morenas de todos os matizes, desenhadas no capricho como só a pena generosa do cartunista Lan seria capaz.

Todo fim de tarde, lá por volta das cinco horas, depois que Barrosinho saía, o comitê transmutava-se em lupanar. As meninas da divulgação soltavam-se das roupas e dos pudores, entregando-se aos prazeres da carne, que nada tinham a ver com picanhas e fraldinhas. A esbórnia atravessava a madrugada, regada com uísque escocês, vinho chileno, consumidos pelo famoso apetite brasileiro pela bandalheira. Uma verdadeira zona, completamente avessa à eleitoral!

Não se sabe direito por que, Barrosinho subia nas pesquisas. Com certeza, não pelo trabalho ou talento dos profissionais de araque que se agarravam, como parasitas, à abonada campanha. Ao cabo de seis meses, ele capitalizava mais de setenta por cento das intenções de voto na região, muito além do suficiente para garantir uma cadeira no plenário da Câmara, com todas as prerrogativas de líder de bancada. Apesar dos desmandos e falcatruas do Lobato, a candidatura decolara, voando à jato num céu de brigadeiro, rumo ao posto mais alto do legislativo carioca. E olha que o malandro estrategista fazia de tudo para atrapalhar, inventando jogadas estapafúrdias, ações tresloucadas, autênticas ideias de jerico. Uma delas consistia em forjar um atentado contra Barrosinho, jogando a culpa sobre outro candidato que gozava de um discreto prestígio na comunidade de uma das favelas locais. Por sorte, os meliantes contratados para a empreitada tomaram um porre colossal na véspera, meteram-se num bafafá danado e foram parar detrás das grades.

A estória seguia nessa batida atravessada de ritmo e enredo, o dinheiro entrando e saindo a rodo, as noitadas se sucedendo, umas após as outras. Por força da lei, Barrosinho deixara a direção da colônia, mas continuava a morar na bela casinha bancada pelo governo. Acordava às dez, cuidava do jardim, dava um pulinho no comitê, almoçava com os correligionários, reunia-se com os cardeais do partido, deixava-se adular pelas velhas raposas, envaidecido com elogios fáceis e estéreis. Corpo a corpo com o populacho, nem pensar! Não precisava, estava eleito. Como de costume, retirava-se às cinco da tarde para uma visitinha ao terreiro de Ilá-Ifá. Pedia a benção a Pai Jacó de Oxum e ouvia, atentamente, a orientação dos orixás, assistido pela mulher, dona Luzia, cada vez mais oxigenada, espaçosa e perua, totalmente incorporada pelo espírito de primeira-dama de Jacarepaguá.

Um trimestre antes do dia da eleição, Barrosinho convocou o staff, como gostava de chamar a camarilha de inúteis e aproveitadores. No tom solene dos grandes personagens da política nacional - alguns decibéis acima do necessário -, comunicou a todos que estava fechando o comitê e, também, deixando a residência oficial. Previamente eleito, fora aconselhado pelo pai de santo a resguardar-se do assédio dos pedintes, criaturas que não entendiam as responsabilidades dele com o futuro da cidade, seus compromissos com o povo, sua missão de salvador da pátria, prendendo-se a questões mesquinhas e particulares.

Alugara um apartamento num resort famoso da Barra da Tijuca e, de lá, aguardaria o apoteótico desenlace de sua marcha para a vitória. Agradeceu comovido a todos, fazendo menção especial à garra das divulgadoras, “sempre prontas para o sacrifício”. Despediu-se, botou ‘vinte no veado’ e sumiu, sem deixar endereço nem telefone.

No dia dezesseis de novembro, Lobato contabilizou os votos e fechou o caixa da campanha. Na primeira linha, escreveu o número um, no caso, o contrário de liderança, o único voto conquistado por Barrosinho, resultado que o deixava em último lugar. O segundo lançamento revelou uma sobra de cinquenta mil reais. Nada mau para continuar sua carreira de garimpeiro de talentos eleitorais com alguma folga. Bateu a porta do comitê e atirou a chave no terreno vizinho. Entrou no carro novo, acompanhado pela divulgadora mais gostosa e foi em frente, preparado para mais uma aventura.

Passado um tempo, já separado de dona Luzia, Barrosinho começou uma nova vida, vendendo muamba numa barraquinha que, por ironia, fica bem defronte ao antigo comitê da Freguesia.

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