“Esta é minha casa, meu hotel”, afirma, de primeira, Carolina Juvêncio Dalama Lorenzo, 7 anos, ao falar sobre como se sente quando fica com os avós maternos.  É lá que ela fica quando volta da escola, enquanto seus pais trabalham.

O sobrado foi todo adaptado à neta e Carol, ao contrário de outras crianças, que se sentem deslocadas nas casas dos avós, costuma pedir para ficar mais tempo: há tablet, rede de wi-fi, smartv com Netflix e YouTube, quebra-cabeças, livros, canetas coloridas, boneca que fala, bonecas tradicionais, jogos dos tempos antigos, como “cinco marias” e corda, e até um armário recheado com fantasias e vestidos de festas.

Não faltam agrados para a menina se sentir tão à vontade. O avô, Aloisio Juvêncio, 74 anos, bancário aposentado, comprou até um tablet para brincarem enquanto estiverem juntos. Mas, até hoje, ele nunca pôde mexer no brinquedinho tecnológico: “A Carol não deixa! Domina completamente”, conta, rindo, o vovô.

A participação da avó, Maria Elise de Castro Juvêncio, 67 anos, professora aposentada, é ilimitada. Inventa várias brincadeiras, ensina jogos, conta história e, junto com o marido, é a plateia dos desfiles e dos casamentos protagonizados pela neta. “Às vezes cansa, tem que ter pique para aguentar essas crianças, mas é uma delícia [essa convivência]”, afirma.

Na hora de ver TV, os três geralmente se dividem. Carol gosta de desenho animado. Maria Elise prefere filmes. Aloisio, esportes. Mas, quando há algum telejornal, o trio se reúne em frente à mesma TV, conta a avó. “É uma das poucas coisas a que assistimos juntos. Nossas preferências são diferentes.”

E isso não é um problema. Há vários outros momentos que eles compartilham, como a montagem da árvore de Natal ou dos quebra-cabeças. Carol lembra que nem sempre tem paciência para brincar sozinha. Por isso conta com a participação dos dois. “Tem uns que são difíceis ou me canso de montar. Aí faço com a vovó e o vovô. Eles são demais!”

“É uma via de mão dupla, onde as trocas enriquecem e fortalecem a relação, o conhecimento, a forma de ver e de estar no mundo”

Essa aproximação é essencial, afirma Patrícia L. Paione Grinfeld, psicóloga clínica especializada em brincadeiras, idealizadora e cofundadora do Instituto Ninguém Cresce Sozinho.

wi-fi em casa Bancário aposentado, Aloisio comprou um tablet para brincar com Carolina; crédito: Arquivo Pessoal

“Significa entrar um pouco no mundo dos netos, se interessar pelo que eles fazem, gostam; mas também é permitir que os netos entrem no mundo dos avós, fazendo o que gostam de fazer _ um bolo, ir ao cinema, assistir à TV, ler um livro _, contando histórias sobre a família, do tempo em que eram crianças. É uma via de mão dupla, onde as trocas enriquecem e fortalecem a relação, o conhecimento, a forma de ver e de estar no mundo.”

Mudar a casa e deixá-la mais jovem e tecnológica para evitar o distanciamento é um caminho, mas não pode ser o único, afirma Patrícia. “Precisamos nos perguntar se de fato é a diferença geracional e/ou a diferença no acesso às tecnologias que distancia avós e netos e se é isso que impede que a conversa role na casa dos avós. Em muitas situações, isso é um encobridor de outras questões relacionais familiares, e não a causa primeira.”

E complementa: “Também precisamos nos perguntar por que a diferença, seja de idade, geração, acesso e domínio às tecnologias, se transforma num problema. As diferenças podem ser enriquecedoras, mas para isso é necessário poder olhar para elas”.

O caso de Maria Elise pode servir de inspiração. Ela diz que não é uma pessoa ligada em tecnologia: só usa o tablet da Carol para falar com o filho e os outros dois netos, que moram nos EUA, pelo FaceTime (programa que permite a realização de videochamadas). E o celular é ligado apenas para conversar com a irmã. Mesmo assim, existe uma interação muito alta com a neta, que tira de letra mexer com tecnologia, e a conversa flui como se fossem da mesma geração.

“Quando os avós conseguem brincar com os netos, eles, em geral, descobrem coisas novas, ousam fazer coisas novas, resgatam o que estava esquecido. Eles acabam revivendo a própria história”, conclui Patrícia.

Compartilhe com seus amigos