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Richard Curtis
Acabei de completar 60 anos. É a idade que meu pai tinha ao se aposentar. Minha corrida para a aposentadoria foram semanas emocionantes, mas também esgotantes: prometi à minha família que pararia um mês e perderia 7 quilos. A primeira delas foi feita para saborear a vida; a segunda, para garantir que eu desfrutaria um pouco mais e não morreria tão cedo. Claro, isso me fez pensar sobre como passei todos esses anos até agora – e como espero ser útil nos próximos.
Vou me apresentar rapidamente: ganhei a vida escrevendo para a televisão no Reino Unido – e, em seguida, fazendo roteiros de muitos filmes ligeiramente românticos e cômicos, que conseguiram fazer [o ator] Hugh Grant muito rico e muito infeliz. Longas como “Quatro Casamentos e Um Funeral”, “Um Lugar Chamado Notting Hill”, “Diário de Bridget Jones”, “Simplesmente Amor” e, meu mais recente e favorito, “Questão de Tempo”, que não foi muito bem (exceto na Coreia do Sul), mas acho que você pode gostar particularmente da cena na praia no final.
Para compensar por dar ao mundo todo esse material açucarado, também passei metade da minha vida tentando arrecadar dinheiro para salvar vidas e fiz campanhas para acabar com a pobreza extrema. É esse o pouco da minha vida sobre o qual eu gostaria de refletir. Vou deixar para contar fofoca sobre [os atores] Dustin Hoffman e Judi Dench outro dia.
Não pensei em fazer nada que poderia ser chamado de “caridade” até completar 30 anos. Foi apenas uma reação a uma ação contra uma terrível fome na Etiópia e no Sudão, na qual um grupo de pop stars, liderado por Bob Geldof [cantor e compositor], fez apresentações chamadas Live Aid em Londres e na Filadélfia. Isso me fez pensar, e, não muito tempo depois, eu me vi em uma missão de descoberta de informações na Etiópia. A primeira que encontrei foi bastante simples: pessoas como eu e você – como meus pais, amigos, irmãos e irmãs – estavam morrendo desnecessariamente e sem terem culpa alguma. A informação número dois foi que o dinheiro doado pelas pessoas no mundo foi para salvar essas vidas. Então vim para casa para fazer um pouco mais disso.
Cheguei em casa e, com muitos amigos e apoio, especialmente da BBC, comecei um evento chamado Red Nose Day, que é realizado no Reino Unido há 25 anos e nos Estados Unidos, com a NBC e Walgreens como parceiros, há 2 anos. Até agora, arrecadamos mais de US$ 1,5 bilhão, que foi investido em projetos brilhantes em todo o mundo, incluindo no Reino Unido e nos EUA.
“Creio muito na caridade individual: acredito em nossa capacidade, como indivíduos, de ajudar a mudar a vida de estranhos”
A propósito, essa iniciativa incluiu alguns projetos muito interessantes com pessoas mais velhas. No Reino Unido, começamos a ouvir histórias horríveis de abuso – maus-tratos e exploração de idosos vulneráveis. Eu me lembro de ir a um encontro com um ministro e perguntar o que o governo estava fazendo sobre isso. Ele respondeu que o tema era complicado, porque havia poucos fatos e números. O mais útil que poderíamos fazer, disse ele, era verificar o quanto isso era prevalente, porque não tinham ideia se eram 30 mil ou 300 mil casos por ano. Tivemos bastante trabalho – descobrimos que eram 300 mil – e lutamos juntos desde essa época.
Por isso, creio muito na caridade individual: acredito em nossa capacidade, como indivíduos, de ajudar a mudar a vida de estranhos. Esse é, de fato, um artigo sobre políticas públicas. Eu me lembro de Bob Geldof dizer ter ganhado mais dinheiro em 20 minutos tomando uma xícara de chá com o presidente francês François Mitterrand da França do que em todos os enormes esforços de angariação de fundos da Live Aid – porque, como resultado, o orçamento de assistência francesa aumentou 0,01%.
Aos poucos, comecei a aprender sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), o plano-mestre das Nações Unidas para enfrentar os muitos aspectos da pobreza extrema. Percebi que todo o trabalho de angariação de fundos que eu fazia estava no contexto de algo muito maior e mais histórico. Foram conquistas que eu, como membro da minha geração, realmente não percebi.
“Porque ouvimos muito sobre as coisas terríveis que acontecem no mundo, às vezes não chegamos a ver o lento, mas extraordinário, progresso na luta contra mortes e desigualdades”
Falando francamente, como Bill Gates me disse, de certa forma, essa foi a geração mais bem-sucedida da história da humanidade. Entre 1990 e 2015, o número de crianças que morreram antes do seu quinto aniversário foi reduzido em mais de metade, uma conquista sem precedentes para salvar vidas. No mesmo período, o número de pessoas em extrema pobreza – que vivem com menos de US$ 1,25 por dia – também caiu para a metade. E olhe para a malária: em 2000, ela matava 1 milhão de crianças por ano. Agora, caiu para cerca de 290 mil – na África Subsaariana, a taxa de mortalidade pela doença foi reduzida em 57%, um progresso surpreendente em qualquer padrão.
Porque ouvimos muito sobre as coisas terríveis que acontecem no mundo, às vezes não chegamos a ver o lento, mas extraordinário, progresso na luta contra mortes e desigualdades. Os ODMs – embora obviamente não fossem o único motor da mudança – foram um dos grandes, formais, oficiais e muito úteis impulsionadores que permitiram essas realizações. Penso nisso mais ou menos como aquela velha história da lebre e da tartaruga. A lebre é todo o material reluzente, frequentemente terrível, que merece ser publicado e que rouba toda a nossa atenção, enquanto a maravilhosa tartaruga, de progresso lento e surpreendente, move-se poderosa para vitória.
Então, agora, no restante da minha vida, decidi dedicar o máximo de tempo possível a tentar tornar a sequência dos ODMs famosa e, assim, ajudar a garantir que sejam financiados e eficazes. Eses novos objetivos – que gosto de chamar de Metas Globais, mas oficialmente são chamados de forma esplêndida e precisa de Metas de Desenvolvimento Sustentável – foram lançados pela ONU em setembro de 2015.
Metas Globais propostas pela ONU; crédito: reprodução/Project Everyone
Estabelecer as novas metas envolveu o maior processo de consulta da história para obter opiniões do público sobre o que elas deveriam conter. As metas finais têm três objetivos extraordinários: tornar-nos a primeira geração a acabar com a extrema pobreza, a mais determinada na luta contra a desigualdade e a injustiça e a última a ser ameaçada pelas mudanças climáticas.
Eu, juntamente com muitos colegas de todas as esferas da vida, dediquei cerca de um ano para descobrir como comunicar essas novas metas globais de maneira que as pessoas vejam sua relevância. Depois que as metas foram anunciadas nas Nações Unidas em 2015, nossa ambição era conseguir que 7 bilhões de pessoas tomassem, num prazo de sete dias, consciência de que esses objetivos existiam e importavam.
Claro que falhamos, mas por qualquer meio – TV, rádio, mensagens de texto, igrejas, música pop, lições na escola, mídias sociais e bons e velhos jornais – não fomos mal, atingindo 40% da população mundial , cerca de 3 bilhões de pessoas, em apenas uma semana.
Olho: “Você não pode lutar por seus direitos a menos que saiba o que são”
Mas agora, obviamente, começa o verdadeiro trabalho: tentar ajudar as pessoas a entenderem essas metas, cuidarem apaixonadamente delas e responsabilizarem seus líderes. Você não pode lutar por seus direitos a menos que saiba o que são, e os novos objetivos são uma espécie de Declaração de Direitos Planetários, o único plano para garantir que a vida de nossos filhos – e a de seus filhos – seja em um Mundo melhor do que o nosso. Precisamos nos certificar de que todos saibam que essas metas se aplicam a todos os países e que quando os líderes mundiais as assinaram, prometeram assegurar que ninguém fique de fora – não importa quem são e onde vivem.
Claro que tudo isso importa para pessoas mais velhas – não apenas porque minha geração ainda segura muitas rédeas de poder, mas porque hoje vive-se mais do que nunca, e isso traz oportunidades e desafios. Cumprir os objetivos melhorará a vida de pessoas de todas as idades agora e no futuro porque a desigualdade e a pobreza na vida adulta se relacionam diretamente com o que passamos quando somos jovens.
Com esses objetivos, temos uma oportunidade épica, mas alcançá-los precisará de todos. O objetivo 17, o último, é sobre parceria pelas metas, convidando todos a se envolver. O que quer que faça e onde quer que esteja, espero que você encontre um momento para despertar a curiosidade sobre este plano genuinamente positivo e ver se há uma maneira de aplicá-lo ao negócio em que trabalha, à vida que leva e às famílias e às comunidades com quem vive.
O presidente Kennedy não disse: “Vamos para a metade da Lua e depois voltar”. Usain Bolt não corre 50 metros rápidos e depois para. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio salvaram milhões de vidas; as novas Metas Globais podem ir ainda mais longe e mudar as vidas de todos. Verifique-os.
Richard Curtis, roteirista e diretor, é responsável por filmes como “Quatro Casamentos e Um Funeral”, “Um Lugar Chamado Notting Hill”, “Diário de Bridget Jones”, “Mr. Bean”, “Simplesmente Amor”, “Os Piratas do Rock”, “Questão de Tempo” e, mais recentemente “Trash – A Esperança Vem do Lixo e Esio Trot”. Em 2014, fundou o Project Everyone. Trabalhando lado a lado com as Nações Unidas, o projeto ajudou a lançar e a promover os Objetivos Globais para o Desenvolvimento Sustentável, uma série de metas ambiciosas para acabar com a pobreza extrema, lutar contra a desigualdade e a injustiça e combater as mudanças climáticas até 2030.
Como parte de seu esforço, produziu o Global Citizen Festival, ao vivo do Central Park, que foi transmitido para 150 territórios ao redor do mundo. Em janeiro de 2016, foi formalmente nomeado como embaixador dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de ONU, ao lado de 16 outras pessoas, entre elas Forest Whitaker, Paul Polman e Shakira.
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