Centenas de meninas e meninos que vivem no Morro da Macumba, favela com 10 mil moradores na zona sul de São Paulo, não precisaram escrever cartas para receber lembranças de Natal. Uma espécie de Mamãe Noel – que deu a volta por cima – se antecipou e garantiu uma sacola cheia a cada um deles.

Essa figura quase mitológica, responsável pelos presentes, tem nome: Marlene Garcia. A ex-diarista de 59 anos se esforça todos os anos para conseguir 230 “cestas natalinas” – com roupa, tênis, chinelo e kit de higiene –, que são distribuídas às crianças e aos adolescentes atendidos pela Organização Social Reviver.

A ONG foi oficialmente registrada em 2005. Essa história, no entanto, tem início na década de 1990, quando Marlene trocou o trabalho de empregada doméstica pelo emprego em uma padaria.

“Todos os dias, eu trazia os pães que sobravam e distribuía no meu barraco. Fazia maior fila por conta disso”, lembra.

Com a ajuda da filha Vanessa Garcia, que hoje tem 33 anos e é professora na ONG, Marlene conseguiu aulas de música e dança em uma igreja evangélica para as crianças. Mas percebeu que havia necessidades mais urgentes a cada vez que a fila para pegar o pão aumentava.

“Comecei a ver que não era só ensinar a palavra de Deus, porque elas tinham outras necessidades, como alimentação e roupa”, afirma. Decidiu pedir alimentos para conhecidos, ex-chefes e comerciantes – e assim aplacar a fome da meninada do Morro da Macumba.

No começo, conseguia entregar comida a 30 crianças. Não demorou para que esse número pulasse para mais de 200. Marlene abraçou o desafio e precisou procurar um espaço maior para ampliar as atividades.

Novos e velhos meninos

Hoje a Organização Social Reviver atende a garotada de 1 a 14 anos de idade. As crianças e os adolescentes passam quatro horas na ONG e recebem esforço de português e matemática, lições de inglês e francês, capoeira, balé e “fitdance”. Recebem aulas de voluntários que também passaram pelo projeto.

“Deus nunca me abandonou e sempre colocou voluntários para me ajudar”, assinala Marlene sobre sua volta por cima. Além dos professores – “meus meninos, que se tornaram adultos e agora ajudam outras crianças” –, ela conta com a ajuda mensal de uma empresa, o suficiente para pagar as contas de telefone, luz e água.

Olho: “Com cinco anos, meu pai já fazia uma enxadinha para a gente se acostumar”

A Mamãe Noel brasileira poderia apenas esperar a garotada chegar. Mas faz questão de visitar os barracos para entender a necessidade das famílias. O tráfico de drogas, violência e a falta de espaços de lazer na comunidade são preocupantes, diz ela.

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“A gente começou a cuidar de crianças muito novas, porque as creches daqui fecharam e as mães precisam trabalhar. Ou é o irmão mais velho que vai precisar cuidar do mais novo”, afirma ela, ressaltando que a ONG tem agora fila de espera.

Mesma história, outros caminhos

Nascida na cidade mineira de Jequeri, Marlene vem de família grande: 11 irmãos. Teve poucos anos de estudo, porque precisou trabalhar para ajudar em casa. “Com cinco anos, meu pai já fazia uma enxadinha para a gente se acostumar.”

Aos 14 anos, foi morar no Morro da Macumba para ajudar uma irmã que havia sofrido um acidente. Casou-se dois anos depois e criou três filhos em condições insalubres de moradia. Hoje, mora em um pequeno apartamento da Cohab, próximo à favela.

“Já tive que pedir comida na rua também”

Marlene vai para a ONG às 8h e não tem hora para voltar. “Passo o dia inteiro lá. Às vezes, volto à meia-noite e tenho um marido bom, que não reclama”, ri. Ela faz de tudo: cozinha, varre e dá muito carinho às crianças , que a chamam de mãe.

“Já tive que pedir comida na rua também. Não quero que esses meninos passem pela mesma coisa. Para mim, isso aqui é minha vida. Essas crianças são minha história”, reflete. E acrescenta: “O que não tive, quero dar para elas. Por mais que não sejam da minha barriga, são do coração. É mais forte”.

Para ajudar

Basta acessar o site http://recica.com.br/ e conhecer o projeto. É possível fazer doações mensais com valores que variam de R$ 5 a R$ 20 ou realizar um donativo único no valor desejado.

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