Perto de fazer 60 anos, a fotógrafa Nellie Solitrenick se perguntou por que deveria ser chamada de idosa. “A gente não está preparada para receber esse nome, ser chamada de idosa.” Assim nasceu o embrião do projeto “Nascidas em 55”, que retrata 440 mulheres que se tornaram sexagenárias no ano passado. Depois de cursar enfermagem e pós em gerontologia – motivada após o diagnóstico de Alzheimer da mãe –, ela diz que pensa em uma transição de carreira, em uma área de humanização em residenciais para mais velhos. “Não me incomodo de viver com outras pessoas. Pelo contrário, seria mais feliz. Não em asilo, porque esse nome não pode existir mais. Idoso não é pesado, asilo é”, diz ela, que faz 61 em agosto.
Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista, concedida no escritório da fotógrafa, em São Paulo (SP).
Como surgiu a ideia do projeto “Nascidas em 55”?
Sou fotógrafa há 42 anos. Trabalhei mais da metade deles na grande imprensa. Há 16 anos, faço casamentos. Há uns anos, minha mãe foi diagnosticada com Alzheimer. E isso é um impacto em qualquer família. Tinha acabado de abrir um residencial no Morumbi [bairro da zona oeste de São Paulo] e a gente resolveu deixá-la lá um tempo para ela se recuperar. Fechou um ano depois que abriu.
Aquilo me chamou a atenção. Quem vai cuidar dessa geração que está vindo? A gente não educou nossos filhos para cuidar. Resolvi estudar. Fiz enfermagem e me formei em 2013. Em 2014, fiz pós em gerontologia no [Hospital Israelita Albert] Einstein. Em uma aula, conversando com uma assistente social, perguntei por que a gente tem que chamar idoso aos 60 anos. A gente não está preparada para receber esse nome, ser chamada de idosa. Está preparada para as políticas públicas – ônibus, vaga de idoso. Ela falou: “Você é fotógrafa. Deveria fotografar as diferentes formas de chegar aos 60”. Quis fotografar 365 mulheres em 2015, no ano que eu estava fazendo 60 anos.
Você estava fazendo uma por dia do ano?
Sim. Comecei e, conforme fui convidando as mulheres e elas foram aceitando, fui vendo que aparecia muita data duplicada. Escapou? Escapou. Passei de 440. Eu percorri mais de 9.000 km, que dá para ir de carro até a cidade do México, e mais de 100 bairros.
“A infância é toda dividida. Já o idoso começa nos 60 e termina nos 104. Dentro dos 44 anos tem eu, minha mãe e minha avó”
Em uma entrevista, você disse que a palavra idoso vem com muito peso. Seu trabalho pode ajudar a melhorar isso?
Não só acreditei muito, como esse era um dos objetivos. Vamos mostrar que pode ter outro nome. Mas não encontrei nada interessante. Se mudasse o nome, até que idade iria? Que está errado, está. A infância é toda dividida. Já o idoso começa nos 60 e termina nos 104. Dentro dos 44 anos tem eu, minha mãe e minha avó.
Como está a exposição?
Ainda não tem local. Se fosse uma exposição com 40 fotos, estava fácil. Mas são 440.
Esse interesse pela gerontologia era por desejo de uma nova carreira?
Eu gostaria de trabalhar em um órgão público, que não sei se existe. É o que a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] já faz, mas do ponto de vista de humanização. Eu gostaria de ser alguém – faço isso voluntariamente – que vai aos residenciais de surpresa.
“Não me incomodo de viver com outras pessoas. Pelo contrário, seria mais feliz. Não em asilo, porque esse nome não pode existir mais. Idoso não é pesado, asilo é”
Profissionalmente, a maneira como você trabalhava é a mesma de hoje?
O que tem mais de diferente é o computador. Por conta do digital, não tem como comparar mais. É muito cansativo. Quem não entende acha que é mais fácil.
Como você se imagina em 10 anos?
Gostaria de estar tranquila, recebendo o suficiente para viver com dignidade. Não me incomodo de viver com outras pessoas. Pelo contrário, seria mais feliz. Não em asilo, porque esse nome não pode existir mais. Idoso não é pesado, asilo é.
A fotógrafa abre a exposição no Unibes Cultural a partir do dia 08.03. Saiba mais no link: