As origens do Carnaval e seus significados ao longo da história da humanidade invariavelmente estão associados à alegria, à festa, aos excessos e às extravagâncias. Desde a Antiguidade, as civilizações faziam suas festas por motivos diversos, mas sempre visando dar vazão às suas necessidades de prazer.

A palavra Carnaval deriva do latim "carnis levale" que significa "retirar a carne". De um modo não acadêmico, pode-se inferir que nos primórdios da Era Cristã (d.C.) o Carnaval era uma espécie de "festa de adeus à carne", uma despedida dos momentos de prazer para submergir no período de jejum e abstinência da Quaresma.

O Brasil cismou de reinventar essa ancestral festa pagã do Carnaval a partir de meados do Século XIX, e hoje pode chamá-la de "sua" festa.

Vou relembrar algumas histórias das canções "de" Carnaval e daquelas "sobre" o carnaval. Estas últimas são revestidas de melancolia, sentimento difuso que herdamos principalmente de nossos antepassados europeus e africanos.

O ciclo do Carnaval é o mesmo todos os anos: alegria, irreverência, prazer de cantar e dançar, um vale-tudo para esquecer os problemas do dia-a-dia. Mas toda a festa tem um fim e todo fim carrega doses variáveis de melancolia. O Carnaval é assim quando os tamborins e agogôs vão adormecer nas estantes e a vida deságua na terrível e famosa quarta-feira. Lembranças, histórias de amores fugidios ou que viveram seus epílogos, memórias daquilo que não voltará nunca mais. A única certeza boa é saber que outros fevereiros virão e com eles a vivência de novos ciclos e suas infinitas ilusões.

AS MARCHINHAS

Ah, as marchinhas... Há de se suspirar ao citar as marchinhas carnavalescas... Eram as canções preferidas dos carnavais passados e, surpresa boa, estão sendo revividas no "boom" dos blocos de rua dos últimos anos.

As marchinhas eram compostas especialmente para os carnavais, quase sempre com letras bem humoradas, às vezes irônicas, cínicas ou ferinas, mas sempre com melodias caprichadas, fáceis de memorizar e cantar.

Grandes compositores se dedicaram a elas: Noel Rosa, Braguinha, Lamartine Babo, Almirante, Alberto Ribeiro, Haroldo Barbosa e tantos outros.

Um dos principais responsáveis pelo "revival" das marchinhas foi um grande musical que fez sucesso de 2007 a 2016 nos palcos do país: "Sassaricando (e o Rio inventou a marchinha)", de Rosa Maria Araújo e Sérgio Cabral, direção de Claudio Botelho e Charles Moeller, detentor de inúmeros prêmios, trouxe à cena novamente inesquecíveis sucessos carnavalescos, tocados e cantados por excelentes músicos, atores e atrizes. Um trecho do musical segue no vídeo abaixo (5:43), com as seguintes canções:

"Chiquita Bacana", de Braguinha e Alberto Ribeiro, com solo de Soraya Ravenle, uma cantatriz excepcional.

"Lig Lig Lê", de Paulo Barbosa e Oswaldo Santiago, com solo da Ivana Domênico, também excelente atriz e cantora, coadjuvada por Alfredo Del-Penho, Pedro Paulo Malta e Juliana Diniz.

"Paris", de Alberto Ribeiro e Alcyr Pires Vermelho, novamente com um solo arrepiante de Soraya Ravenle, coadjuvada por Alfredo Del-Penho e Pedro Paulo Malta.

"Touradas em Madrid", de Braguinha e Alberto Ribeiro, com o impagável Eduardo Dusek acompanhado dos demais integrantes do musical.

É fácil encontrar outras partes do espetáculo no YouTube. E ouvir e ver o CD + DVD do espetáculo com mais de 100 marchinhas tradicionais. Vale a pena!

CARNAVAL NA MARIM

Já faz muito tempo que Carnaval sem Alceu Valença não é Carnaval. Essa tradição que valia para o Recife e para Olinda aos poucos foi se alastrando pelo Brasil inteiro. Em seus shows de "meio de ano", em qualquer lugar em que ele se apresente, sempre haverá espaço para os seus frevos endiabrados, os maracatus, as cirandas, os cocos, as emboladas.

E qual a razão de seu prestígio perante um público de todas as idades? A razão é que Alceu é um cantor generoso e performático, cultor de todos os ritmos, de todas as festas, de todas as tradições brasileiras. O caldeirão sonoro do "Seu" Valença está imerso em uma dimensão globalizada, onde o rock, o blues, o reggae, bailam em um arrasta-pé de levantar a terra do chão. Por isso é que Alceu Valença é único.

"Carnaval na Marim" é um maracatu maravilhoso que emociona tanto o ouvinte solitário no seu espaço íntimo quanto a multidão que veio para brincar o carnaval em uma das praças mais famosas do país. O show que se segue aconteceu no tradicional palco do Marco Zero no Recife, em 2015. Uma síntese rara entre palco e platéia ilumina a noite de Pernambuco.

 

A NOITE DOS MASCARADOS

O Carnaval e a Máscara são símbolos indissociáveis. A "máscara" é uma representação do desconhecido, do proibido. Chico Buarque trabalha brilhantemente esse conceito no samba "A Noite dos Mascarados" de seu segundo LP, de 1967. Já era possível imaginar então que aquele jovem compositor teria uma intimidade profunda com as palavras. O diálogo entre dois mascarados em um baile de Carnaval ilustra a abordagem recíproca dos, quiçá, futuros amantes.

Samba de mestre, de veterano, mas composto por um jovem de 20 e poucos anos.

Esta gravação, que não é a original, traz o Chico, a Odette Lara (sim, ela mesma, uma das musas mais emblemáticas do cinema brasileiro) e o MPB4. Vale principalmente pela raridade, mas a beleza da canção permanece intocada.

MASCARADA

Muitos compositores brasileiros souberam traduzir essa melancolia "fim-de-festa" em memoráveis canções. Com a máscara sendo novamente "protagonista", Elton Medeiros e Zé Keti compuseram essa pérola que atravessará os carnavais, os anos e o tempo como um bálsamo para as dores e alegrias do amor.

Como sempre, Zé Renato abrilhanta tudo que canta e esta gravação de "Mascarada", presente no disco "Natural do Rio de Janeiro" (1996), é uma das inúmeras provas do seu talento.

 

MARCHA DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS

O carnaval oficial, a festa em que quase tudo é permitido, termina em cinzas na quarta-feira. Para muitos, é o dia mais triste do ano. Dia em que se percebe que a vida continua, os problemas estão todos lá, intactos, e que nenhum anjo desceu dos céus para resolvê-los pela gente.

Um dia que mereceria mesmo uma canção que mais confortasse do que entristecesse, uma marcha lenta e entorpecida. Uma que ficasse para sempre na alma dos brasileiros. A "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas", de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, resume perfeitamente esse amálgama de sentimentos mas mostra esperança e fé no poder de cura de nossas dores pela Música. Por outro lado, esta marcha-rancho embora tenha sido lançada em 1963 antes, portanto, do golpe militar de 1964, pode ser interpretada como uma premonição dos tempos sombrios que viriam com a ditadura militar. Essa conotação de "música de protesto", faceta da música brasileira que já se desenhava algum tempo antes da deposição de Jango, foi considerada desde então como o significado oculto da canção.

A bela "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas" que segue no vídeo abaixo, tem uma grande saudade adicional: é cantada pela maravilhosa Nara Leão, uma grande paixão, acompanhada de lindas fotos de sua vida. Nara nem poderia imaginar à época da gravação da canção em seu primeiro disco (1964), que não chegaria ao tão esperado tempo de viver outros carnavais. Depois dos 21 anos de ditadura militar e da eleição de um civil para Presidente do Brasil de forma indireta em 1985, a primeira eleição direta para Presidente do Brasil ocorreu meses depois de sua morte, aos 47 anos, em junho de 1989.

"Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais..."

 

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