A música, quando é boa, perdura. Atravessa anos, marca gerações e une pessoas que de outra forma não se conheceriam jamais. É uma troca de energias que alimenta a alma de quem está presente e faz com que os dias sejam mais leves. É assim, ao menos, que os integrantes da banda Divina Decadência enxergam a música.
Formada atualmente por Oswaldo Miranda (72 anos, vocal e guitarra base), Rafael Prista (67 anos, guitarra solo), Gel Ribeiro (68 anos, bateria) e Ernesto Rios (67 anos, baixo), a Divina Decadência respira aquele bom e velho rock’n’roll e traz enraizada em seu som a cumplicidade de quem escolheu viver seu sonho, não obstante os obstáculos.
A idade? Só um detalhe para esses homens que têm tanta história para contar. Pode-se dizer até que é um complemento a essa vida toda que eles têm para compartilhar, que não é pouca.
Ensaio da Divina Decedência. Vídeo e edição: Alex Oliveira
Entre risadas, um pouco de deboche e muito bom humor, eles se reencontraram após dois anos sem tocar juntos, afastados pela pandemia do coronavírus, para contar algumas dessas histórias ao Instituto de Longevidade MAG. Só algumas, veja bem, pois se fossemos entrar em detalhes, escreveríamos um livro, fácil fácil.
E, mais do que todas essas histórias, o que pudemos compartilhar foi a simples e pura felicidade de estar presente. De, juntos, fazerem o que mais gostam: música. E digo mais: música ao lado dos amigos.
Em busca de um sonho
Rafael Prista é músico profissional “só” há 45 anos, como diz, entre risadas. No entanto, Rafael já nasceu músico, pois sua mãe, uma cantora lírica, o gerou cantando.
“Música é minha vida. É o que sei fazer e eu diria que é a única coisa que sei fazer direito. Vou morrer fazendo isso”, comenta.
E o que ele fazia antes de se assumir como músico profissional? Bem, entre as várias profissões que permearam sua vida, Rafael se firmou por dez anos como professor de Matemática. Ele, inclusive, se formou em Matemática na faculdade. “Mas isso é um passado triste na minha vida”, ri.
A Matemática realmente foi apenas uma pausa em sua vida como músico. Desde pequeno, seu sonho era viver de música, mas ele acabou tomando um breve desvio, motivado por promessas financeiras.
“Minha irmã começou a namorar um dono de um colégio. Um belo dia, eu, que era bom aluno de Matemática, dei aula no lugar de um professor que faltou. Com 19 anos, ganhei todo o dinheiro que ele ganhava. E nessa época eu era duro feito um coco”, conta. E assim se passaram dez anos.
Só que um dia ele parou e disse: “Não é isso que eu quero”.
Crédito: Alex Oliveira
Não foi uma mudança fácil na época, principalmente porque sua família não aceitou no começo. No entanto, foi uma mudança acertada, pois Rafael agora exala felicidade.
“Paguei meus preços. Ganhei muito dinheiro e perdi muito dinheiro, já me meti em várias furadas, mas já fiz várias coisas legais também. Já fui da boca do luxo à boca do lixo. Já toquei em lugares maravilhosos, já viajei à África, já fui à Europa, aos Estados Unidos, à América Latina e viajei o Brasil inteiro.
Então eu fui a lugares onde a maioria das pessoas não irá, a não ser que paguem uma passagem e um hotel. Eu fui de graça e ainda ganhei um dinheiro. Então, entre custo e benefício, acho que estou no benefício”.
A vida precisa ser reinventada o tempo todo
Oswaldo Miranda também se descobriu músico cedo, aos dez anos de idade. Sobrinho-neto de Noel Rosa, Oswaldo vem de uma família de militares e músicos. E pode-se dizer que tocavam de tudo! Bandolim, cavaquinho, violão, piano, pandeiro, reco-reco, é só dizer o nome do instrumento.
Assim como muitos em sua família, sua primeira profissão foi de militar, mais especificamente da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. No entanto, não demorou para seguir o caminho de seu famoso tio. Maravilhado com o som dos palcos, nunca mais quis saber do quartel.
Logo tirou seu registro como músico, gravou até disco, mas chegou uma hora em que a conta pesou. “Eu tive que procurar uma contrapartida, que foi a publicidade e o jornalismo. E como publicitário, entrei na MAG em 1978”, conta. “A partir daí, escolhi essa outra profissão e já me reinventei de novo, mas sem nunca deixar de ser músico. Permeei toda essa trajetória como músico também”.
Crédito: Alex Oliveira
De publicitário da MAG, responsável pelo Marketing da empresa de 1978 a 1994, passou a ser pesquisador, biógrafo, historiador, escritor e hoje é vice-presidente da Comissão Permanente da Memória e consultor de Comunicação da Diretoria da MAG, além de colunista do Instituto de Longevidade MAG.
“No meu caso, a reinvenção é natural. É uma coisa que vem naturalmente. A única coisa que não deixei de ser em toda essa trajetória, desde os meus 10 anos de idade, foi músico. Nunca deixei de ser. A única coisa anormal para mim é alguém me dizer: ‘Cara, tem que parar de ser músico’. Não vai dar certo”, diz, apoiado pelos amigos.
Aqueles que levam alegria às pessoas
Gel Ribeiro também nasceu em uma família de músicos. Neto e filho de maestros, assistiu a vários ensaios em casa desde pequeno. Baterista há 52 anos, começou logo cedo a acompanhar os mais diversos cantores Brasil afora.
“O artista tem que ir aonde o povo está, dizia Chacrinha”, comenta Gel. E o povo está em todos os lugares.
Não era raro pegar um avião em São Paulo e viajar até o norte do país, principalmente para cidades interioranas. “Eu peguei uma van uma vez em Cuiabá e fomos até Rondônia. Em muitos lugares que tocamos, era mato, chuva, mato, chuva. Por vezes tocamos em um galpãozinho ou em uma casa, e não sabíamos quem iria nos ver. Mas as pessoas iam”.
Pois a música move.
E, para Gel, o encontro do músico com o público continua sendo uma das maiores delícias de sua profissão.
“O público tem uma certa imagem de você. Às vezes acha que você é um sonho”.
Para o baterista, ser um músico é como ser um médico da alma, da felicidade, da alegria. “Quando chegamos, você não imagina a festa das pessoas. Eles querem oferecer a melhor comida, a melhor roupa, a melhor companhia, querem tirar foto”. É a troca de energia e de felicidade entre pessoas.
Crédito: Alex Oliveira
E Gel explica: “O artista que está na frente passa uma energia que os músicos atrás dão a ele. Quando o público recebe essa energia, manda de volta para a banda. E quem é o primeiro a receber? O baterista, ao fundo, porque a energia bate na parede e desce para sua cabeça.
E o baterista repassa para os outros músicos que, juntos, passam para o vocalista. E o público recebe de volta essa energia, que é um orgasmo enlouquecedor. É tanta loucura junta, que uma hora e meia de show parece uma eternidade de felicidade”.
É aquela energia que renova público e músicos para que aguentem mais uma semana até o próximo espetáculo.
Algo mais importante do que a música
Para Ernesto Rios, a grande influência musical não veio só de casa, mas de um lugar um pouco mais longe também. Lá de Liverpool, Inglaterra, os Beatles transformaram sua vida e até hoje são sua maior referência na música. “Eu não sabia o que queria da minha vida até os quatro aparecerem: John, Paul, George e Ringo”.
Na época, o avô de Ernesto transcrevia partituras e propôs um desafio: se ele conseguisse tocar uma canção do Dilermando Reis (um dos maiores violonistas do Brasil), poderia estudar música. Após três dias, Ernesto tirou uma das canções de ouvido e o avô arrumou um professor para ele.
Crédito: Alex Oliveira
E a partir daí, sua carreira começou.
Dentre os vários artistas com os quais tocou, uma merece destaque: Valéria e a Alma de Borracha. Foi nessa época, em 1983, que conheceu Rafael, que também fazia parte da mesma banda.
“Aqui tem uma coisa engraçada. Eu, o Rafael, o Gel, o Oswaldo, nós tocamos em fases diferentes de mesmos artistas. O Gel tocou com Wanderley Cardoso antes e nos últimos 12 anos eu toquei com Wanderley Cardoso”.
Reencontro da Divida Decadência após dois anos. Crédito: Alex Oliveira
Ou seja, a música não só serve de alimento para alma, mas também é responsável por criar laços que não podem ser rompidos pelo tempo. “Existe uma coisa, que é a coisa mais fantástica da vida. Talvez, ela seja para mim a única coisa mais forte do que a música, que é aquela amizade que você conta nas mãos”, diz, com um sorriso largo no rosto.
“O músico, principalmente da nossa faixa… A gente brinca, a gente fala, a gente se ama, a gente tem o prazer de estar juntos”.
Ernesto e Oswaldo se conhecem desde o início dos anos 2000 e, para os dois, é como se fossem amigos a vida toda. “A gente sempre teve banda e a gente sempre tocou rock, porque rock está no sangue. Você não vai tocar Johnny B Goode e pedir a partitura que o cara te joga pela janela. Rock’n’roll quer dizer pulsação”.
Música também é longevidade
Lançado em 2012 pela Balaio, o primeiro disco da Divina Decadência, chamado Classic Rock Show, traz clássicos (nacionais e internacionais) do rock’n’roll, como Have You Ever Seen The Rain (John Fogerty), Cowboy Fora da Lei (Raul Seixas e Cláudio Roberto), Behind Blue Eyes (Pete Townshend) e Stand By Me (Ben E. King, Leiber e Stoller).
Canções que fizeram sucesso quando foram lançadas, há muitos anos, mas que permanecem vivas. “A gente ainda ouve Beethoven, ainda ouve Chiquinha Gonzaga, Noel Rosa, Beatles. Se é boa, a música fica”, explica Rafael.
“É por isso que muita gente faz releitura dessas músicas”, completa Ernesto.
E como a música boa perpassa gerações, era normal, por exemplo, em um show do Wanderley Cardoso (artista com o qual quase todos da Divina Decadência tocaram), avô, pai e filho se encontrarem para curtir o som.
“Todo mundo tem a sua trilha sonora. Aquela música em que você conheceu sua namorada, aquela música com a qual se casou, a música que tocou quando você passava por determinada situação e você sempre se lembra dela. A música é isso, ela desperta algo em você”, pontua Rafael.
Os 60 anos significam o fim?
A resposta é unânime: “Não! O músico só para quando morre”.
“A música está na nossa veia”, comenta Gel.
E Oswaldo acrescenta: “É um vício. A gente costuma dizer que a música é uma cachaça, pois largar é difícil”.
“Se você largar, vai largar uma parte de você também. Vai deixar de ser você”, completa Rafael.
E veja bem, não são poucas as pessoas que perguntam aos quatro por que continuam tocando. “Nós vamos tocar para a nossa geração, que é a geração que tem grana no bolso, que paga a garrafa de whisky na mesa, que compra a entrada por 200 reais e que tem vontade de ouvir boa música”, diz Oswaldo.
“E quando você fala ‘reinventar’, o que o público sente é exatamente o que nós sentimos. Nós nos renovamos e revivemos a cada show”, explica Gel. “Então não dá para a gente parar de expelir essa emoção da música aos 60, 70 anos. Eu passei por seis gerações bem diferentes de uma forma natural, porque sentia vontade de continuar criando nesta vida que cobra da gente ser feliz. Que cobra alegria. E nós temos os instrumentos, por isso chamo os músicos de enfermeiros da alegria”, finaliza o baterista.
Crédito: Alex Oliveira
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