A voz de Fran Costabile, 79 anos, fica embargada ao falar sobre seu outubro. Após ficar algumas eleições sem votar, ela tirou o título da gaveta e decidiu registrar sua vontade na urna, no primeiro turno. O neto, na faixa dos 30 anos, soube e, discordando do candidato à presidente da República escolhido pela avó, disparou: “Estou me afastando. Não volto mais à sua casa”.
A nora foi tirar satisfações e as duas discutiram, até que Fran pediu que ela saísse de sua casa. “Os dois não falam mais comigo, e meu filho não fez nada.” Hoje, morando na mesma rua, a família está dividida por um muro invisível. “Durmo à base de remédios”, diz a avó, aos prantos. “Acho que não tem conserto, não há reconciliação.”
Muitas relações familiares foram abaladas nas eleições deste ano. Grupos em redes sociais e almoços de domingo viraram campos de batalha. Ninguém parece disposto a levantar a bandeira branca, ouvir o outro e recuperar as amizades.
“No clima político atual cheio de tensão, as polaridades aparecem com emoções muito intensas, e cada um fica dividido entre defender suas ideias, rompendo com o outro, e relevar as diferenças de opiniões, mantendo o vínculo”, destaca a terapeuta de casal e família Lana Harari.
Com a disputa polarizada, mais do que debater ideias, muitas pessoas de cada um dos lados têm buscado dados que corroborem com sua opinião. É o chamado viés da confirmação, um fenômeno descrito pelo psicólogo Peter Wason na década de 1960, segundo o psicólogo Ivo Carraro, professor do Centro Universitário Internacional Uninter.
Se tudo o que se busca é a confirmação da teoria, qualquer conceito ou fato divergente – ainda que verídico – tem pouco ou nenhum potencial para promover a troca e o debate construtivos e saudáveis. “A natureza do cérebro humano é confirmar a sua verdade”, afirma Ivo. E essa verdade interna tem a ver com as experiências de vida.
A menos que as partes estejam abertas ao diálogo e dispostas a entender uma à outra (e suas individualidades), a tendência é que a discussão seja infrutífera. E, não raro, caminhe para agressões e rompimentos.
“Em todos os relacionamentos, podemos sempre escolher entre privilegiar a relação e ter razão. Os familiares são significativos porque neles abrigamos simultaneamente as emoções contraditórias como amor e ódio”, explica a psicóloga.
“Quando a temperatura esquenta e os ânimos se aquecem, a familiaridade pode nos autorizar a dizer coisas com uma liberdade que não usaríamos em outros contextos”, diz ela.
Recuperar as amizades
Antes de chegar ao nível da ofensa, que pode levar ao rompimento do contato, “as pessoas devem evitar a escalada [da violência verbal] e entender que os vínculos são mais importantes que as opiniões e deixar de discutir temas que só vão machucar”, segundo Lana.
“Mas, depois que o estrago foi feito, cada um deve se conscientizar de sua participação na construção do mal-entendido e da importância do vínculo, o que deve servir como motivação para procurar o outro ou ser receptivo ao contato do outro e reparar o dano com a reconstrução da tessitura do vínculo que foi rasgado”, diz ela.
Nesse caminho de reconciliação e paz, compreender a forma de pensar e agir do outro é fundamental. “Os temores são reais”, pondera Ivo. E completa: “Mas aquele que fica enraizado no seu pensamento não evolui”.
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