A longevidade, tanto em termos de anos de vida quanto de carreira, parece estar se tornando um tema de grande relevância no mercado. Esse fenômeno decorre de transformações demográficas, como o aumento da expectativa de vida e a queda nas taxas de natalidade. Apenas para se ter ideia, o Brasil registra o menor índice histórico com relação à taxa de fecundidade, o que coloca o país abaixo da taxa de reposição populacional.
Além disso, existem muitas outras questões relacionadas ao contexto da longevidade que motivam diversos debates sociais e econômicos. Porém, é importante compreender que a longevidade hoje está conectada diretamente à multigeracionalidade. Ou seja, pela primeira vez na história, pessoas de gerações distintas estão convivendo ao mesmo tempo, inclusive no mercado de trabalho.
Somente no Brasil, de acordo com o IBGE (2023), em 2010 havia cerca de 20,6 milhões de pessoas com 60 anos ou mais (10,8% da população). Esse número chegou a 32 milhões em 2022 (15,6%), representando um aumento de 56% em 12 anos. Para 2040, estimativas indicam que a participação dos idosos pode mais que dobrar em relação a 2010, alcançando cerca de 23,8% da população.
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Idosos estão redefinindo o envelhecimento com hábitos mais saudáveis
Vive-se em um mundo em que as pessoas mais velhas estão ressignificando o processo de envelhecimento. Segundo a Fundação Dom Cabral, os idosos estão redefinindo o envelhecimento ao manterem produtividade e hábitos saudáveis. A longevidade hoje, segundo a instituição, é uma oportunidade para ressignificar a forma como vemos a realidade, diante de uma sociedade com crenças ultrapassadas sobre o envelhecimento.
Uma das grandes preocupações que recorrentemente aparecem nas discussões sobre o envelhecimento da população tem relação com políticas públicas para a seguridade social, mais especificamente, aposentadoria. Se a população está ficando mais velha rapidamente e isso está fazendo com que diversas regiões do mundo tenham mais pessoas idosas do que jovens vivendo em sociedade, caberá aos mais novos "sustentarem" os mais velhos?
Fazendo um recorte nesse tema, é recente a última reforma na previdência aprovada no Congresso Nacional. Em dezembro de 2019, os trabalhadores da iniciativa privada passaram a estar sujeitos a novas regras de aposentadoria. Segundo estimativas do governo brasileiro, o déficit do INSS deve mais que quadruplicar nos próximos 75 anos. E mais um ponto de atenção: a nova etapa da reforma tributária, ainda em discussão, prevê a taxação de dividendos e possíveis mudanças em fundos, o que pode impactar diretamente a renda mensal de quem depende desses investimentos para complementar a aposentadoria.
Neste cenário, uma vida profissional ativa aos 50, 60 e, quem sabe, 70 anos, passa a ser essencial para o envelhecimento de qualidade. Existem estudos que afirmam que o trabalho, além de gerar renda, também desencadeia em uma moeda invisível: a socialização. Isso significa que as pessoas fortalecem a sua capacidade de convívio em sociedade no trabalho, uma vez que, muitas pessoas com mais de 40 anos vivem sozinhas e o trabalho é uma oportunidade de conviver com outras pessoas; além do fato de que os trabalhadores mais velhos podem contribuir significativamente para uma sociedade sustentável. A Organização Mundial da Saúde (WHO) recomenda a criação de oportunidades de trabalho digno para essa população. No entanto, existem desafios para a extensão da vida profissional.
Longevidade intencional requer atualização constante
Existe um alerta de diversos autores e pensadores mundo afora de que muitas organizações negligenciam necessidades ergonômicas dos profissionais mais velhos. Por outro lado, como foi destaque em um evento promovido pela ABRH-PR em 2023, a longevidade intencional requer atualização constante. Estes são indícios de que existe uma nova forma de se experimentar o envelhecimento. É possível acreditar que os estereótipos sobre envelhecimento estão sendo quebrados em razão das novas narrativas que estão ganhando cada vez mais espaço.
Segundo um artigo na revista Forbes, publicado em setembro de 2022, um indivíduo de 60 anos tem três vezes mais probabilidades de sucesso em um novo negócio do que alguém de 30 anos. Outro dado capaz de criar uma nova narrativa para o empreendedorismo sênior é que profissionais altamente inovadores possuem em média 48 anos. O dado contribui para o pressuposto de que a longevidade, entendida como experiência com base em referências, se torna um diferencial competitivo no mercado corporativo, seja empreendendo, sendo como empregado ou consultor de negócios.
Segundo uma matéria em 2024 publicada na revista Exame, uma pesquisa nos Estados Unidos revelou que gestores estariam preferindo contratar trabalhadores mais velhos e um dos motivos é que os jovens estão cada vez mais inflexíveis para voltar ao trabalho nos escritórios depois de experimentarem a opção de trabalho remoto, um movimento que tem ganhado força ao redor do planeta.
Empreendedorismo sênior tem papel fundamental no Brasil
No Brasil, dados trazidos por estudos encomendados pelo SEBRAE em 2022 apontam o empreendedor sênior como o principal responsável pelos negócios estabelecidos no mercado brasileiro. O relatório aponta ainda que 31% dos MEIs (Microempresa Individual) no Brasil têm mais de 50 anos e que os negócios liderados por seniores (50+) representam 40% das empresas estabelecidas no mercado nacional com mais de 3,5 anos de existência.
São esses indícios que reforçam a premissa de que a capacidade produtiva e empreendedora não está diretamente ligada à idade. E, embora o trabalho contribua para o portfólio financeiro de uma pessoa, ele também é um fator essencial para o portfólio social dos indivíduos. Conforme definido pela American Association of Retired Persons (AARP), a Economia da Longevidade (ou Economia Prateada) constitui o conjunto de atividades econômicas geradas pelo consumo e produção de indivíduos com 50 anos ou mais.
A AARP destaca que esse segmento contribui significativamente para a economia através de três eixos principais: (1) impostos sobre consumo, (2) tributos trabalhistas, e (3) impostos sobre lucros corporativos. Esse fenômeno abrange múltiplos setores econômicos, incluindo varejo, bem-estar, hospitalidade, cuidados, saúde e turismo.
Número de empreendedores com mais de 60 vem crescendo
Particularmente no campo do empreendedorismo, tradicionalmente associado a perfis jovens, observa-se uma significativa mudança de paradigma. Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) revelam um aumento de 42% na quantidade de empreendedores com 60 anos ou mais entre 2013 e 2023, com renda média 40% superior à de jovens empreendedores.
Contudo, a Global Entrepreneurship Monitor (GEM), apresentada pelo Sebrae em 2023, aponta que 60% desses empreendimentos ainda surgem por necessidade, sendo a "escassez de empregos" o principal motivador para 80% dos entrevistados seniores. Essa realidade convive com um movimento distinto identificado pelo Instituto de Longevidade MAG: o desejo de manter-se produtivo e aplicar décadas de experiência em novas iniciativas. A maturidade profissional oferece competências estratégicas como gestão de pessoas, resolução de crises e capacidade de planejamento.
Os empreendedores seniores transformam seu capital de experiência em diferenciais competitivos, combinando conhecimentos acumulados com adaptação às novas tecnologias. Este cenário configura um ponto de inflexão na cultura empreendedora mundial, mas especialmente a brasileira.
Cada vez mais, profissionais maduros buscam autonomia, valorizando sua experiência e redes de contato, em vez de depender exclusivamente de políticas públicas. Essa transformação sugere o surgimento de um novo paradigma econômico, onde a longevidade ativa se apresenta como fator de competitividade e inovação.
*Por Mateus Piveta
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