A relação do trabalho com a utilidade se estabelece quando o homem é seduzido e capturado pelo gosto de servir e ser remunerado em troca de seu trabalho.
Utilidade é uma qualidade que responde mais à serventia, ao significado e ao para quê dizer, criar ou fabricar algo, que haverá de satisfazer necessidades humanas, em primeiro lugar.
Utilidade é o serviço prestado ou o objeto atribuído àqueles que são considerados importantes para um pequeno grupo de homens poderosos, que decidem o destino e a sina de muito homens nada poderosos.
Possuindo a qualidade ou caráter de útil, alguém deve sair muito satisfeito com a troca que se realiza nesse toma lá / dá cá sem fim. Ou seja, consideramos útil algo ou alguém que nos sirva, que é prestável. Enquanto alguma coisa, pessoa, animal, ou ideia presta para o que desejamos extrair com o seu uso, gostamos de conservá-la e, quando não presta mais, gostamos de jogá-la fora.
Como tudo tem começo meio e fim, neste vasto mundo que habitamos, é inegável o valor de se extrair tudo que for possível daquele serviço, objeto ou pessoa e, mesmo relacionamento, antes que se acabe de vez. Daí, ser de interesse cuidar bem, para que essa ‘coisa’ dure bastante, porque tudo tem um custo, objetivo e subjetivo.
Interessamo-nos pela utilidade de um aparelho, bem como pela função que exerce. Ter muitos serviçais é útil por um certo período e por determinados motivos. Quando se esgota o prazo de validade e quando a função não rende mais o quanto já rendeu um dia, nada mais lógico do que dar um destino diferente à coisa, função ou pessoa, libertando-os do trabalho ingrato ao qual, porém, já estão ‘acostumados’.
Com isso se garante rotatividade e o direito de tirar o melhor proveito de algo ou alguém, de uma ação ou situação. A partir dos benefícios, dos lucros e das vantagens de possuir ou de exercer poder sobre coisas, pessoas e animais, criam-se mecanismos para que o maior número possível de pessoas ‘comprem a ideia’ de que isso é o melhor para todo mundo.
Neste momento a cultura do tirar proveito, lucrar e fazer render está instalada, como se, desde que o mundo é mundo, as coisas tenham sempre sido assim e que não é conveniente mudar. Ou que se pode mudar somente sob determinadas condições e com muito cuidado, mediante regras que mantenham o todo funcionando do mesmo jeito e bem.
Assim fica fácil controlar pessoas, desejos e até mesmo ritmos biológicos. Quando a imensa maioria quer a mesma coisa, por muito tempo, repetindo-se o mantra de que o homem é útil somente enquanto trabalha e traz dinheiro para casa – entenda-se família – aquele que trabalha por causa do dinheiro e aquele que não trabalha naquilo que dá dinheiro, serão considerados inúteis e descartáveis.
Ocorre que, também se desconsidera o fato de que aquele que trabalha para levar dinheiro para a casa / família pode ser quem menos aproveita do dinheiro que ganha e que, pensar em si em primeiro lugar será tido, por si próprio como um tremendo egoísta.
É nessas premissas que as organizações investem tempo e dinheiro para fazer com que homens e mulheres sintam-se, por muitas décadas, mais úteis quando trabalham e ganham, do que quando não trabalham. É neste ponto que a aposentadoria forçada machuca a honra dos que param de trabalhar, quando ainda se consideram tão úteis, que jamais deveriam ser descartados.
Quando o tempo livre nos é concedido sem que saibamos de sua utilidade para nós próprios, a perturbação invade o íntimo da emocionalidade e o sentimento de vazio chega a ser devastador. Visto por si mesmo como um inútil, o homem se acaba, sem saber que deste vazio de obrigações pode-se extrair riquezas de novos conhecimentos e de relações.
Aquele que serviu aos outros por toda uma vida, ao se aposentar e parar de trabalhar sem se preparar, ganha o status de coisa inútil, por não perceber que talvez seja esta a sua oportunidade de conquistar a sua liberdade de Ser.
Creio na utilidade da aposentadoria, sim. Mas que deliciosa ilusão é esta, porém, não saber que a liberdade existe. Desconhecer que o seu tempo de parar está por bater à porta. Duvidar desse novo tempo e até negar-se a ele!
Se de início a perda da ilusão é dolorosa e triste, felizes os que podem, enfim, se encarar e respirar livremente, mergulhar no novo e diferente, os que podem se entregar a uma nova causa pela qual viver, dedicarem-se a alguém a quem amar.
Bem-aventurados os que não engasgam ao desfrutar de tanta permissão para escolher! Bem-vindos ao continente da liberdade, aqueles que podem realizar trabalhos nos dias inúteis, como sábados e domingos e gozarem nos dias úteis das segundas à sextas, das intermináveis semanas entediadas.