Só quem tem em casa um paciente com Alzheimer sabe das preocupações e cuidados que precisam ser tomados no dia a dia. Afinal, elas impactam todos os integrantes da família, em maior ou menor grau. Mesmo com tantos avanços na medicina, ainda não é possível prevenir o surgimento da doença. Mas é preciso ficar alerta a alguns sintomas financeiros que podem aparecer alguns anos antes do diagnóstico do Alzheimer.

O alerta é feito por um estudo realizado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins em parceria com a Universidade de Michigan e o Federal Reserve Board of Governors, um dos organismos do FED, uma espécie de Banco Central americano.

Os pesquisadores analisaram por quase 20 anos as finanças de mais de 80 mil beneficiários do Medicare, o sistema de seguro de saúde para idosos dos Estados Unidos. Eles identificaram que alguns sintomas financeiros podem aparecer até seis anos antes do diagnóstico definitivo do Alzheimer.

O que faz total sentido, na opinião da co-fundadora da ABRAz (Associação Brasileira de Alzheimer) e da empresa 50maisAtivo Vera Caovilla. De acordo com ela, quando é possível diagnosticar o problema, com base em exames laboratoriais e comportamentais, é porque o paciente já está há pelo menos 10 anos com Alzheimer.

Sintomas financeiros podem aparecer até 6 anos antes do diagnóstico da demência.

De acordo com estudo, sintomas financeiros podem aparecer até 6 anos antes do diagnóstico da demência. Foto: Nong4/Shutterstock.

“Isso é muito comum de acontecer, só não tínhamos um estudo científico que comprovasse”, comenta. Vera afirmou desconhecer o estudo, mas elogia a iniciativa e ressalta a sua importância.

“Todo estudo neste sentido é muito bem-vindo. Ele valida a observação pessoal, aquilo que a gente vê no dia a dia. Ele nos dá base científica para que algumas medidas protetivas ao paciente e à sua família já sejam tomadas”, destaca. “Eu mesma passei por essa vivência na minha família, quando ainda tínhamos pouco conhecimento sobre o Alzheimer”.

Por volta de 1985, o pai de Vera foi diagnosticado com Alzheimer. Mas anos antes, ele já vinha apresentando alguns sintomas financeiros e a família vinha sofrendo consideráveis perdas de bens.

“Perdemos uma garagem no centro da cidade porque meu pai não lembrava onde estava a documentação. Ele deixou de pagar os impostos que devia. Também perdemos uma sala comercial porque ele deu para um amigo e depois não lembrava de ter dado”, lamenta.

Nível de instrução influencia nos sintomas financeiros

O estudo também mostrou que pacientes com maior grau de instrução só foram apresentar problemas com dinheiro em média dois anos e meio antes do diagnóstico. Já os pacientes com menor instrução apresentaram sintomas financeiros até seis anos antes do problema. Os mais comuns são deixar de pagar contas e se expor a fraudes.

Os pesquisadores responsáveis pelo estudo acreditam que essa diferença pode estar relacionada à desigualdade econômica e social. Uma vez que o acesso à saúde de qualidade não é uma realidade para pessoas em condições mais desfavoráveis.

“Hoje temos amplo acesso à informação. O doutor Google já evoluiu muito e a própria medicina já tem mais conhecimento sobre a doença. A pessoa que tem mais condições financeiras, certamente contará com o apoio de um gerente de banco que identificará movimentações atípicas e poderá fazer um alerta ao paciente ou à família”, explica Vera.

Em sua opinião, a condição financeira também é uma grande agravadora do problema.

“Esses pacientes, quando diagnosticados com Alzheimer, na maioria dos casos vão morar com os familiares. Esses passam a cuidar de tudo, inclusive das finanças do paciente. Então essa pessoa, que já ganha pouco, se vê muitas vezes obrigada a dividir o pouco que ganha entre seus remédios e a ajuda financeira aos demais membros da família. Muitas vezes recorrendo ao crédito consignado.”

Mesmo sem tratamento ou cura, alguns cuidados podem ser tomados

A pesquisa, liderada por Lauren Hersch Nicholas, professora de política e gestão de saúde, foi publicada no final de 2020 no “JAMA Internal Medicine”. Segundo Lauren, “embora não haja um tratamento efetivo para retardar ou reverter a demência, a combinação de detectar logo esses sintomas com informações sobre o risco de ações equivocadas pode proteger o bem-estar financeiro do paciente e de sua família”.

Vera orienta que, ao notar um comportamento atípico no familiar, que pode ser tanto um comportamento financeiro como atitudes simples do dia a dia, a família já pode tomar algumas atitudes para proteger, não só aquele membro, mas a todos que poderão ser impactados por suas atitudes.

“Logicamente é importante que nenhuma atitude seja tomada sem o cuidado de antes consultar um médico especialista para iniciar um acompanhamento daquela pessoa”, enfatiza Vera. “Mas neste momento, a família já pode ir tomando alguns cuidados importantes. Reunir documentos, conversar com o gerente do banco, alertar o porteiro do prédio, não no sentido de embargar a pessoa, mas para que uma atenção maior seja dispensada como forma de cuidado”.

Sintomas financeiros são característica da demência

Para afirmar isso, os pesquisadores compararam esses sintomas de contas não pagas e problemas de crédito a outras condições de saúde, como artrite, glaucoma, infartos e fraturas de quadril.

O resultado mostrou que somente nos quadros de demência o prejuízo financeiro era recorrente. “É perturbadoramente comum. (...) A demência responde por algo entre 5% e 20% dos problemas de pagamento e crédito de pacientes que ainda não foram diagnosticados”, concluiu a líder do estudo.


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