Enquanto o processo eleitoral no Brasil ruma para uma polarização ideológica, as políticas públicas para a longevidade se distanciam dos holofotes e dos debates. Uma análise dos programas dos cinco candidatos à Presidência da República que lideram as pesquisas de intenções de voto aponta que os tópicos relacionados ao envelhecimento saudável da população ainda carecem de profundidade – isso quando pelo menos são mencionados.

Entre os planos analisados pelo portal de notícias do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon, o de Marina Silva, 60 anos, candidata pela Rede Sustentabilidade, é o que mais dedica espaço à questão – um total de quatro parágrafos à pág. 24 das 46 de seu programa. O tópico “Idosos” integra o capítulo “Direitos Humanos e Cidadania Plena”. Nele, lembra-se bem que, segundo o IBGE, em 2030, o número de pessoas com 60 anos ou mais será maior que o de jovens de até 14 anos no país.

A partir desse dado, o texto evoca a importância do Estatuto do Idoso e afirma que o governo de Marina, se eleita, estabelecerá políticas de proteção aos mais velhos como atendimento integral à saúde, por meio do Programa de Saúde da Família, apoio à prevenção de doenças ligadas ao envelhecimento e programas de tratamento de doenças crônicas comuns nessa fase da vida. Também fala em promover a formação em geriatria para todos os profissionais da saúde, além de criar programas de inclusão do idoso nas comunidades, adequar os espaços urbanos às suas necessidades e ampliar o número de vagas em instituições de longa permanência.

O PT de Fernando Haddad, 55 anos, também inclui o tema em seu capítulo dedicado a direitos humanos. O partido fala em desenvolver “políticas específicas voltadas à proteção socioeconômica e ao envelhecimento ativo da população, especialmente em áreas de baixa renda”, por meio da implementação de um Plano Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável.


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Em seu capítulo “O Brasil da solidariedade”, o plano de governo de Geraldo Alckmin (PSDB), 65 anos, sinaliza “proteção especial para o idoso, mediante programa de combate aos maus tratos, como também de acesso a moradia, educação e cursos profissionalizantes”. Os programas de Jair Bolsonaro (PSL), de 63 anos, e Ciro Gomes (PDT), 60, não fazem menções explícitas a políticas públicas para a longevidade, embora acenem com mudanças no modelo da Previdência.

“Falar dos idosos não dá tanto Ibope”

Diante desse quadro de propostas, Claudia Fló, 62, coordenadora da área técnica de saúde do idoso da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, avalia que o momento marcado por acirrados embates ideológicos contribui para que debates relativos ao envelhecimento fiquem em segundo plano. Além disso, afirma, “falar dos idosos não dá tanto Ibope nem é tão bonitinho quanto dizer que o eleitor em geral não vai mais ser assaltado ou passará a ser mais bem atendido nos hospitais”.

Em sua opinião, também falta uma visão mais pragmática sobre a questão. “Existe muito o discurso de que o mundo está envelhecendo e o país também, mas isso ainda não se traduz em propostas práticas para lidar com as necessidades das pessoas mais velhas”, analisa. “Nesse sentido, é possível dizer que o idoso continua invisível para a sociedade.”

Quanto aos programas dos presidenciáveis, ela diz acreditar que um bom avanço já se daria por meio de intenções em prol do cumprimento das determinações do Estatuto do Idoso.  “Comprometer-se com ele já significa muito”, afirma.

“É como se achassem que quem tem voz e força para interferir nos resultados das urnas são apenas os mais jovens”

A invisibilidade a que Claudia se refere afeta também a própria visão que os candidatos e partidos têm do eleitorado, na percepção da professora Maria Helena Villas Bôas Concone, 80, vice-coordenadora da pós-graduação em gerontologia da PUC-SP. “É como se achassem que quem tem voz e força para interferir nos resultados das urnas são apenas os mais jovens.” Corrobora esse viés perceptivo, segundo Maria Helena, a não obrigatoriedade de voto a partir dos 70 anos. “É como se, a partir dessa idade, a pessoa não mais fosse vista como cidadã”, complementa.

A professora comenta ainda que as campanhas visam, em geral, a um eleitor “genérico”, focando com mais afinco temas que dizem respeito a todos – saúde, educação e segurança, por exemplo. “Falam muito também de economia, fazendo desse tópico um termômetro do desempenho dos candidatos”, afirma.

“Os candidatos, de forma geral, não têm compromisso com a gestão da velhice no Brasil”

E não são só as candidaturas à Presidência que fazem vista grossa para os problemas relacionados ao envelhecer, considera Marília Berzins, 60, especialista em envelhecimento e presidente do Olhe – Observatório da Longevidade. “Os candidatos, de forma geral, incluindo deputados, senadores e governadores, não têm compromisso com a gestão da velhice no Brasil”, sentencia.

Para ela, esse descaso simplesmente reflete o que a sociedade ainda pensa a respeito desse tema. “Essa fase da vida é vista como sinônimo de pobreza, dependência, doença, fragilidade”, diz.

“Os próprios políticos não se colocam como idosos, embora tantos sejam. E os próprios idosos precisam se conscientizar de que a idade não tira a cidadania; têm de se fortalecer por meio dessa identidade etária e lutar por seus direitos. Afinal, foi também com muita luta que chegaram bem à maturidade.”

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