Todos os dias, no Brasil, ouvimos relatos de pessoas com mais de 60 anos que sofrem com o preconceito etário. A discriminação acontece no mercado de trabalho, em locais públicos e, muitas vezes, dentro da própria casa, junto aos familiares e amigos. Agora, imagine o peso do preconceito sobre uma pessoa que, além de idosa, é gay.

Foi com essa preocupação que o administrador de empresas Rogério Pedro, hoje com 29 anos, decidiu criar a ONG EternamenteSou, um projeto que tem o objetivo de proporcionar visibilidade, acolhimento e dignidade à pessoa idosa LGBT. Segundo o idealizador, um lugar onde elas possam ser o que sempre foram, indiferentemente de idade ou sexualidade.

“A ideia surgiu há uns 15 anos. A preocupação veio acompanhada dos meus conflitos pessoais com relação à minha orientação sexual”, explica Rogério. “A partir daí, eu comecei a pesquisar bastante sobre esses conflitos que eu vivia comigo mesmo, de saber quem eu era e como eram as outras pessoas. Eu tinha uma enorme preocupação com relação a isso por conta da religião”.


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Rogério conta que frequentava a igreja com a família e lá ele ouvia coisas absurdas com relação às pessoas que tinham esse tipo de sentimentos e desejos. “Isso muito me preocupava, eu não queria ir para o inferno”.

Ele então decidiu buscar mais informações sobre o mundo LGBT, entender qual era a realidade dessas pessoas no Brasil e que tipo de suporte elas tinham dentro e fora da família e também de equipamentos públicos. Foi aí que se deu conta de que, se existia um movimento já tão solidificado e com tantas conquistas para a época, essas conquistas haviam sido feitas por pessoas do passado. Mas onde estavam essas pessoas?

“Pensei que poderiam estar sozinhas, muitas delas não chegaram às suas velhices e tantas outras preferiram voltar para dentro de seus armários. Essas percepções eu fui constatando na real à medida com que eu fui me engajando no assunto, conhecendo de fato pessoas idosas LGBT e começando a frequentar locais de concentração de pessoas LGBT, como baladas, festas, eventos e tudo mais”, conta.

Rogério percebeu que, com o avanço da idade, as pessoas LGBT iam sofrendo mais discriminação, agora não mais somente pela sociedade, mas também pela própria comunidade LGBT. “Isso foi o que me deixou muito mais revoltado. Pensei comigo: não é possível, como pode existir discriminação dentro de um espaço onde não deve haver discriminação, de um espaço onde se está lá justamente para lutar contra isso?”, argumenta.

Invisibilidade social e silenciamento

Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Diego Miguel aponta a invisibilidade social e o silenciamento como dois graves problemas enfrentados hoje por pessoas idosas LGBT no Brasil.

“Quando estudamos sobre envelhecimento e velhice, pouco falamos sobre a diversidade e pouco estudamos sobre o impacto das construções socioculturais para esses processos, e o quanto isso impacta no envelhecimento ativo enquanto autonomia e independência”, destaca.

Na opinião de Diego, esses pontos se tornam ainda mais graves quando vividos em uma cultura machista como a que vivemos no Brasil, onde, segundo o especialista, pessoas são educadas por uma perspectiva preconceituosa, seja por questão do machismo ou por orientação sexual.

“Somos educados com as ideias da hétero-normatividade, normas socioculturais, parâmetros estabelecidos dentro de uma perspectiva heterossexual. Então criamos rótulos, caixinhas onde nos moldamos e estabelecemos o molde para o outro.”, comenta o especialista.

Assim, em busca de um atendimento digno, seja pela família, seja pelas instituições, Diego conta que muitos idosos LGBT se sentem obrigados a “voltar para o armário”, como diz a expressão popular. Para o especialista, a invisibilidade que atinge a pessoa idosa LGBT no Brasil é dupla. “Ela sofre a invisibilidade dentro do movimento LGBT, que não considera pessoas idosas, onde ainda há um culto à beleza e à juventude como estereótipo, e também no movimento das pessoas idosas existe essa invisibilidade, seja por sua orientação sexual ou identidade de gênero. Isso é algo bem complexo. Onde de fato essa pessoa pode se expressar, assumir sua identidade de uma forma segura e livre de preconceito?”, argumenta.

Em 2017, Diego conheceu a EternamenteSou e se tornou padrinho do projeto. “A partir desse encontro [com Rogério Pedro], eu dei a ideia de fazermos o primeiro seminário Velhices LGBT, onde a gente pudesse fazer o lançamento da ONG que ainda estava no papel, em processo de construção”, lembra Diego. “O seminário aconteceu no Instituto Carrefour e lá a gente teve uma visibilidade muito grande com o tema. Muitos profissionais, muitas pessoas LGBT e pessoas idosas LGBT vieram conversar, ouvir e trocar experiências sobre a invisibilidade e o silenciamento que acabam sofrendo diariamente”.

“A gente chamou toda a sociedade para discutir sobre o tema (...) e desde então esse seminário vem sendo realizado anualmente, com um tema específico a cada edição”, acrescenta Rogério. “A gente traz profissionais e fica o dia inteiro discutindo várias questões sobre o envelhecer enquanto pessoa LGBT”.

Um centro de convivência para pessoas idosas LGBT

As atividades, ações e atendimentos da EternamenteSou, até então, vinham sendo realizadas em espaços cedidos por parceiros, como a Coordenação do Idoso e a Coordenação no LGBT. No entanto, em meados de outubro de 2019, o espaço onde a ONG funcionava na Rua Visconde de Ouro Preto 118, no bairro Consolação, foi fechado pela Prefeitura de São Paulo, que alegou fim de contrato, sem data para nova licitação.

A partir daí, a ONG começou a buscar novos parceiros, já que não possuía estrutura financeira nem qualquer tipo de apoio por parte do governo e de empresas. “Muitas empresas temem associar suas marcas a algo do tipo e o poder público, por sua vez, dificulta muito esse tipo de acesso. Então a gente vai fazer como pode”, lamenta o administrador de empresas. O pouco investimento que entra vem de voluntários e de algumas pessoas que acreditavam no projeto.

Interessados em contribuir para a EternamenteSou podem acessar a página da Benfeitoria clicando aqui.

pessoas idosas LGBT

Foto: Nito / Shutterstock

A ideia é que, este ano, a EternamenteSou deixe de ser um projeto e abra as suas portas como um centro de convivência e referência pra pessoas idosas LGBT. O novo endereço será na Rua Vieira de Carvalho 295, sobreloja, em São Paulo.

“Daqui a duas semanas aproximadamente, estaremos inaugurando, no Brasil, o primeiro centro de convivência e referência para pessoas idosas LGBT e a ideia do espaço é a gente dar continuidade ao que já vem sendo feito desde 2017, que são os atendimentos”, informa Rogério.

A EternamenteSou oferece atendimento psicológico, orientações jurídicas, cursos de capacitação para profissionais que atuam direta ou indiretamente com as pessoas idosas, atividades de canto e coral, expressão corporal e terapias. Para isso, a ONG conta com o trabalho voluntário de 70 profissionais. Todas as atividades acontecem de terça-feira a sábado, das 14h às 21h, e são gratuitas para idosos LGBT.

“Em contrapartida, a gente dá continuidade ao nosso trabalho de lutar por políticas públicas para que, quem sabe, no futuro a gente tenha aí uma ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos) nos moldes do que já existe na Espanha e de fato ter um espaço que acolha este idoso para que ele não venha a sofrer nenhum tipo de preconceito”, revela.

Pesquisa busca entender um pouco mais sobre o público LGBT brasileiro

Uma pesquisa publicada em 2018 pelo Instituto de Longevidade mostrou que, no Brasil, o público LBGT está mais bem preparado financeiramente que os heterossexuais. Realizado pelo Aegon Center, na Holanda, em parceria com o Transamérica, nos Estados Unidos, o estudo identificou que 19% dos entrevistados que afirmaram pertencer ao grupo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) estão muito bem preparados para a aposentadoria e outros 25% já têm tudo planejado.

Com relação à idade para se aposentar, 60% esperam que isso ocorra antes dos 65 anos. Entre o público heterossexual, os percentuais foram inferiores, ficando em 16%, 21% e 56%, respectivamente.

Os pesquisadores também buscaram entender um pouco mais o público LGBT brasileiro. Clique aqui para ler a matéria na íntegra e ter acesso à pesquisa.

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