Elza Soares era uma mulher. Em todos os aspectos que abrangem essa condição, do início ao fim de nossas existências. Aspectos que, quando ela mesma nasceu, ainda precisavam ser quase que completamente escondidos, suprimidos e punidos.

A cantora, com sua impressionante voz rouca, que transitava com facilidade por diversos gêneros musicais, do samba ao jazz, passando pela música eletrônica e a MPB, enfrentou por altos e baixos em sua carreira, até ser reconhecida como a voz do milênio pela Rádio BBC de Londres.

Elza Soares

Crédito: Reprodução

Observando sua história podemos ver, no entanto, que muito mais do que a voz do milênio, ela foi exemplo de força, arte, militância e longevidade. Elza tinha, acima de tudo, coragem de viver a vida como quem realmente era e expondo, o que aos olhos dos outros, seriam suas imperfeições. Afinal, quem não as possui? A cantora, entretanto, pagou, por diversas vezes, um alto preço por isso.

Foi o caso de seu relacionamento com o ídolo do futebol, Mané Garrincha. Por anos foi perseguida por considerarem que ela foi o pivô para o fim do primeiro casamento do jogador. Em resposta, Elza cantou quem me condena como se condena uma mulher perdida, só me vê na vida dele, mas não vê na minha vida” e assim denunciou como a sociedade da época enxergava as mulheres sempre em função da vida do homem e colocava nelas a responsabilidade por fracassos em relacionamentos (hábito que ainda vemos nos dias de hoje).

Como mulher negra, fruto da desigualdade social e racial deste país, Elza também enfrentou, desde sua infância até a fase adulta, uma das piores dores que um indivíduo pode sentir: a fome. Isso ficou marcado em suas músicas, sua militância e sua vida. Além disso, sua experiência materna também foi marcada pelo mais absoluto sofrimento, que foi a perda de quatro filhos, três deles ainda pequenos.

Seria no mínimo simplista e insensível dizer que Elza superou essas dores com sua voz e seu talento. Não, ela sempre as carregou, como ela mesma disse à Revista Quem em 2016. “O resto tiro de letra. Mas filho é uma ferida aberta que não cicatriza. Estará sempre presente”. E persistiu, firme em sua fé e sua missão, a entregar obras incríveis no campo da música.

Aliás, é da sua persistência e paixão por sua missão no mundo da música que vemos uma das facetas mais belas da mulher do fim do mundo. Seu desejo por continuar criando arte, quebrando paradigmas, lutando pelos direitos de grupos minorizados, mesmo após os 90 anos, é uma inspiração tremenda para muitos. Nos mostra também, que independente da idade, devemos ter nossas vozes ouvidas e respeitadas. Elza nos mostrou diversas faces da vivência humana, das mais belas às mais duras delas e é isto que torna sua passagem por este mundo tão incrível.

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