“Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento. Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.” (Clarice Lispector).
Às vezes penso nas folhas amarelecidas de outono, quando ainda se mantêm na árvore, sua hospedeira e vida. A beleza de seu colorido ocre é um convite para meditar. Tudo bem, ela vai cair e formar um tapete, onde os que sonham caminham. Mas enquanto na fronde, rebrilham ao sol com sua magia sedutora. O que me levou a pensar em outono, em pleno verão?
Ao tirar a primeira folha do calendário, no primeiro mês do ano, representou-me como uma folha caída, no universo ínfimo de minha vida. O outono onde vivo, diz-me que sou finito. Só aprendi, ou melhor, descobri isso quando ultrapassei a barreira dos cinquenta. Quando, antes disso, tinha pensado na finitude? Nunca. E eu, negligentemente, passeei nas folhas verdes ainda de minha vida. Não me dava conta do infinito que é. Não pensava que um dia, como agora, elas amareleceriam, tornando minha cabeça um campo de neve, macio, mas gélido. Onde estão os alentos de outrora? Esquecidos nas dobras de um tempo, que não volta. Os filhos como aves, se lançaram em voo solo, assim que amanheceu em suas vidas. Meus galhos robustos se tornaram quebradiços, e acho quase impossível que ainda mantenham um pouco de força para manter o único pássaro que restou, e que já veio no entardecer. A companheira de penúltimos sonhos.
Triste? Não. Como disse a escritora, “renda-se como eu me rendi”. E caminho ainda. Há tempo, mesmo que restrito, para os últimos arroubos, antes que o machado venha arrancar-me do solo, que um dia tanto representou, mas que hoje é uma seara deserta.
Ao longe ainda escuto o trinar de aves que tanto representaram em minha vida, mas que hoje já não pousam mais em meus galhos, enegrecidos pelo tempo, e quebradiços como madeira velha. A única certeza. Um dia meu corpo será o combustível que abrirá passagem para outros que vêm depois de mim. E como já disseram, será uma lembrança enquanto houver um porta-retratos, mas depois, nem isso. E mergulharei sim, no que não conheço, mas ainda pensarei, num último desafio, no descobrimento do que há além.