No cenário devastado de Hiroshima, logo após o bombardeio, Takashi Morita conheceu cada viela da cidade japonesa. Durante três dias – de 6 a 8 de agosto de 1945 –, o recém-formado policial militar, na época com 21 anos, mesmo ferido, vagou pelas ruas à procura de sobreviventes da bomba atômica. Só parou quando teve de ser hospitalizado devido a queimaduras pelo corpo.

A abertura dos Jogos Olímpicos do Rio acontecerá no dia 5 de agosto, às 20h. Serão 8h do dia 6 de agosto no Japão – 71 anos após o bombardeio. Hiroshima terá um minuto de silêncio. Takashi, hoje com 92 anos, luta para que, aqui, todos parem também. Não apenas em homenagem aos que morreram, mas em um pedido global de paz, já que os jogos têm como objetivo original promover a integração e a amizade entre os povos.

No Brasil, a mobilização pela causa ficou a cargo de Takashi, que é presidente da Associação Hibakusha Brasil pela Paz, e da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares. No mundo, a proposta foi abraçada pelo prefeito de Hiroshima, Kazumi Matsui, e pela Associação Prefeitos pela Paz, com 7.000 membros, que enviaram o pedido ao presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, e ao prefeito do Rio, Eduardo Paes.

A campanha também ganhou a internet. Há petições em plataformas como Avaaz e Change.org. Circulam ainda e-mails e mensagens em redes sociais pedindo que as pessoas escrevam para Bach (pressoffice@olympic.org), com a solicitação.

O pleito, no entanto, foi negado. Como motivo, o COI alegou que a Vila dos Atletas terá uma área destinada a orações e homenagens a mortos, como atletas e vítimas de violência, além de um momento de lembrança na cerimônia de encerramento. Segundo a historiadora Yasuko Saito, 69 anos, diretora da Associação Hibakusha Brasil pela Paz, há o receio de que o gesto possa ter conotação política.

“A violência, em todos os sentidos, não pode mais acontecer. Temos que fazer algo”

Filha de Takashi, ela diz ter esperança de que haja o minuto de silêncio no maior evento esportivo do mundo. “Tentar é a única coisa que podemos fazer”, sinaliza. No Japão, nos Estados Unidos e na Espanha, explica ela, houve intensa repercussão na mídia. “Aqui, somos uma associação pequena”, justifica, sobre a divulgação da mobilização no Brasil.

A organização tem hoje 99 associados, todos sobreviventes do bombardeio – hibakusha, em japonês, significa vítima da bomba. A maior parte mora no Estado de São Paulo. E muitos deles não falam sobre o que viveram em Hiroshima ou Nagasaki, que também foi destruída por um ataque nuclear.

Na família de Takashi, sempre foi diferente. Yasuko diz que o fato de a mãe, que morreu há sete anos, também ser uma sobrevivente fez com que o tema sempre fosse discutido em casa. O pai, conta, ficou hospitalizado por um mês em um local próximo a uma colina, onde antes funcionava uma escola. Estar de uniforme, incluindo capacete, e de costas para o local em que a bomba explodiu fez com que ele não tivesse tantos ferimentos e não se tornasse uma das 80 mil – das 350 mil que moravam na cidade – a morrer com a explosão.

Pouco menos de um mês depois da internação, Takashi pediu aos médicos para sair. Já se sentia melhor. Em setembro, a cidade foi atingida pelo tufão Makurazaki, que levou milhares de vidas – e destruiu construções como a escola que servia de hospital em que ele ficou internado. A terra da colina aterrou a edificação.

Vir para o Brasil, onze anos depois, foi uma opção para a falta de ajuda substancial do governo às vítimas das explosões, destaca Yasuko. Mas, mais importante, a mudança de país tinha como objetivo a cura de sequelas deixadas pela radiação. Nos dois anos anteriores, Takashi apresentava sinais de leucemia. “Ele vendeu tudo e viemos contra a vontade da minha mãe”, lembra Yasuko, que então tinha 8 anos.

Takashi, a esposa e os dois filhos se estabeleceram em São Paulo. Hoje, têm a Sukiyaki, uma mercearia na avenida Jabaquara, no bairro paulistano da Saúde, na zona sul. Yasuko se formou em história, trabalhou em empresas japonesas e voltou ao país-natal muitas vezes, inclusive como bolsista.

E, apesar de não ter estado no dia do bombardeio a Hiroshima, ela diz que os filhos de sobreviventes “nascem com um trauma de ser a segunda geração”. “A violência, em todos os sentidos, não pode mais acontecer. Temos que fazer algo”, finaliza.

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