Abram alas: vão passar sambistas da comissão de frente, passistas, baianas, destaques em carros alegóricos, componentes da bateria. Sem tanto alarde, mas com o respeito de todos os integrantes da escola de samba, chegam também os senhores e senhoras da velha-guarda, responsáveis por transmitir aos mais novos o que foi aprendido nas décadas de avenida.

“Não é porque está de cabelo branco que é velha-guarda, entende?”, explica Carlos Alberto Caetano, 86 anos, presidente de honra e líder da velha-guarda da Escola de Samba Unidos do Peruche, uma das mais tradicionais de São Paulo.

Conhecido como Carlão do Peruche, ele ensina: “O mínimo são 50 anos de idade e 25 anos defendendo a mesma escola, sem mudar. Então você sabe tudo, conhece toda a história”.

Paulistano, ele foi fisgado quando os pais o levaram para Pirapora do Bom Jesus, município da Grande São Paulo, onde famílias negras se reuniam em um barracão para prestar homenagens a santos, pagar promessas e dançar jongo e congado. A batucada o contaminou – e ele passou a frequentar escolas de samba.

Na década de 40, ingressou na Flor do Bosque e passou pela Lavapés, considerada a escola mais antiga em atividade na capital paulista. O ex-engraxate conta que saiu em 1955, após um desfile no qual foram campeões. “Teve gente de lá que chamou um grupo de amigos, incluindo eu, de moleques irresponsáveis. Chegavam até a puxar nossas duas orelhas”, lembra.

“Levo o samba com muita alegria, mas também com muita seriedade”

Esse foi o estopim para que deixasse a escola e ajudasse a fundar a Unidos do Peruche. Foi ritmista, dirigente de alas e compositor, até chegar onde está hoje. Na última migração, para a velha-guarda, ganhou tarefas.

“Não pode deixar ter bagunça. Levo o samba com muita alegria, mas também com muita seriedade.” Para ele, “a cultura do negro é coisa séria e as velhas-guardas têm a responsabilidade de passar essa mensagem para quem chega”.

Isso não significa colocar os antigos procedimentos em prática. “Esse negócio de puxar orelha, ainda bem, não existe mais. A única coisa que a gente cobra é que esteja tudo certo na escola.” Tem mais: “Criança que não estuda, não toca, não desfila”, avisa Carlão.

Quem também fica de olho para garantir que tudo saia corretamente é Maria Carolina Monteiro, 76 anos. “Conheço todo mundo que está na Vai-Vai, desde os mais jovens até os mais velhos, e sei a função de cada um. Estou sempre de olho, fiscalizando para sair tudo certinho”, alerta.

A paranaense mudou para São Paulo aos 14 anos – e foi morar perto da quadra da escola de samba. Naquela época, a paixão pelo carnaval já existia. “Quando eu era pequena, andava toda fantasiada. Nasci com o samba”, conta Carol da Vai-Vai. “Fui passando por várias alas, quase todas, e estou na velha-guarda faz uns 15 anos.”

“Sabe aquela sensação do primeiro namorado, do primeiro beijo? Eu sinto a mesma coisa quando a gente entra na avenida”

Mesmo tendo passado décadas na escola, ela diz que só quando passou a integrar a ala dos mais longevos é que entendeu sua importância. “A velha-guarda é tudo, já passou por tudo. Passamos por várias alas para chegar até aqui – do começo ao fim da escola.”

velha-guarda Carolina da Vai-Vai (de branco, à dir.) durante desfile; crédito: divulgação

O símbolo da tradição – roupas mais leves e chapéus – é estratégia da escola. “A fantasia começa a pesar e atrapalha o samba no pé. Não pode. Os diretores percebem e chamam para a velha-guarda, desde que tenhamos uma história na escola”, conta Carol, uma das 96 integrantes da ala. “Mas, conforme perdemos o peso das fantasias, ganhamos o peso da responsabilidade.”

Desfilar pela Vai-Vai, para ela, é um dos momentos mais importantes do ano. “Sabe aquela sensação do primeiro namorado, do primeiro beijo? Eu sinto a mesma coisa quando a gente entra na avenida – e olha que eu faço isso desde os 14 anos. Sai um negócio de dentro de mim que nem sei explicar.”

Em tempo: A Vai-Vai é a maior campeã do carnaval de São Paulo, com 15 títulos. A Unidos do Peruche tem cinco. As duas estão no Grupo Especial, primeira divisão da capital paulista.

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