O que as circunstâncias de um momento da vida separam, o passar do tempo pode voltar a unir. Há 49 anos, uma menina de 14 se encantou com um homem mais velho, de 39 anos à época. O sentimento foi recíproco, mas foi um caso de amor platônico. Nessa versão de Romeu e Julieta passada no interior do Paraná, foi a irmã dela que proibiu o romance, devido à diferença de idade entre os dois. Quase cinco décadas mais tarde, os caminhos de ambos voltaram a se cruzar para dar um desfecho à história que passa longe do final trágico da peça de Shakespeare.
Adail de Souza Lima, 63 anos, e Bonifácio Gonçalves de Faria, 88, casaram-se na capela de uma instituição de longa permanência, o Lar São Vicente de Paulo, em Itapetininga (SP). A cerimônia, realizada em março, contou com detalhes quase teatrais, com a tradicional marcha nupcial na entrada da noiva, o buquê, a ornamentação do lugar especialmente preparada para a ocasião e até um carro conversível para a chegada dela até a capela; tudo preparado por voluntários já habituados a realizar eventos na instituição e que viriam a presenciar um enlace que, àquela altura, parecia fadado a acontecer.
“Esse homem é meu”
No primeiro encontro, o prenúncio. Nos campos de Cruzeiro do Oeste, no Paraná, os olhares de Adail e Bonifácio acolheram-se mutualmente naquele começo da década de 1960, ela ainda no início da adolescência, ele já um tratorista desbravando as plantações. “Logo que o vi pela primeira vez, quando ele foi à nossa casa para receber o pagamento pelo trabalho, eu fiquei gamada e pensei: ‘Esse homem é meu’”, conta a recém-casada.
Namoro, àquela altura, nem pensar. Esse decreto foi então dado pela irmã de Adail, cujo marido havia contratado os serviços de Bonifácio. “Ela era muito rígida, não deixava eu me aproximar do Macuco”, lembra. Para ganhar a vida, Bonifácio, ou Macuco, seu apelido desde aqueles tempos, logo teve de partir.
Mas sem se esquecer seu amor platônico. Chegou a retornar a Cruzeiro do Oeste, mas Adail não estava mais lá – fora morar perto da divisa com o Paraguai e depois se mudou para São Paulo, onde passou a gerenciar um pensionato para moças. Sem um endereço preciso do paradeiro dela, o tratorista, ao longo de 15 anos de andanças, por trajetos entre São Paulo e o Rio, continuou a procurá-la.
Os recém-casados são puro sorriso; crédito: Roberto Kaihara
Enquanto separados, tiveram lá os seus destinos. A Julieta desse roteiro se casou e teve três filhos. O parceiro chegou a trocá-la por um homem, mas acabou ficando com ela até morrer. Depois disso, Adail morou com a irmã e, em seguida, passou a viver no lar de Itapetininga, onde está há dez anos. O “Romeu” Bonifácio também constituiu família – teve um filho – e enviuvou. Está no lar, para onde foi levado por um sobrinho, há dois anos.
“Ele disse que vinha me procurando e eu falei que também sempre estivera em busca dele”
‘Lógico que aceito’
O segundo encontro, nas dependências do lugar, foi decisivo. Adail afirma que Bonifácio reconheceu seu amor platônico pela fisionomia. Ela percebeu que aquele senhor que havia perguntado seu nome era mesmo Macuco graças ao chapéu que usava – exatamente como nos velhos tempos, ele igualmente “magrinho”, com os mesmos olhos azuis que já a haviam cativado. “Ele disse que vinha me procurando e eu falei que também sempre estivera em busca dele”, diz ela. “Então me pediu em casamento e eu disse que lógico que aceitava. Meu coração quase saiu pela boca.”
“No altar, na hora do beijo, dei um bem gostoso no Bonifácio”
No dia da cerimônia, o “Dia de Noiva” foi tão intenso que Adail chegou atrasada à capela. “Quando saí do cabelereiro, havia uma Mercedes com motorista particular e tudo à minha espera”, descreve. “No altar, na hora do beijo, dei um bem gostoso no Bonifácio, fui até aplaudida pelos convidados.”
Bonifácio, que foi reconhecido pela amada devido ao chapéu, mostra seu lado romântico ao lado da esposa; crédito: Roberto Kaihara
Juntos, enfim, na confluência favorável de tempo e espaço. Como se essa história tivesse sido escrita por um grande dramaturgo. Depois de seis meses de namoro, na mera confirmação de uma união que extrapolou padrões, Adail e Bonifácio decidiram formalizar o casamento. Alguns podem chamar esse desfecho de final feliz. Outros diriam que essa história, depois de tantos desencontros quase ficcionais, só poderia mesmo terminar assim.
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