A busca por não envelhecer é bastante antiga. Se tem notícias de longa data da tentativa de encontrar elixires e fórmulas para a eterna juventude. Nenhuma ambição pode ser julgada errada, se percorridos caminhos lícitos. Será que teríamos encontrado a cura de tantas doenças, se não houvesse, em um cantinho da alma dos pesquisadores, o desejo por viver mais tempo?

E tivemos de fato muito sucesso nesse sentido. O século XX, pródigo em realizações humanas, foi também o da conquista da vida longa em nível global. Até esse momento, viver muito era uma exceção, ou aos privilegiados, ou a grupos que puderam manter seu estilo de vida saudável à margem da chamada civilização. Hoje, embora haja muita diferença entre países, podemos dizer que a extensão da vida, nos moldes do que ocorreu ao longo do século XX, chegou a praticamente todos os cidadãos do mundo.

E que moldes são esses, que caracterizaram a grande conquista da longevidade nos últimos 124 anos? Basicamente, estamos falando da revolução operada por um nível mínimo de urbanização, com oferta de água tratada, acesso a medicamentos antibióticos e um grau elementar de educação formaldisponível às pessoas. Com esses recursos, já se tem um grande impacto, pois se consegue reduzir bastante a mortalidade infantil. E, com isso, são mais pessoas vivendo mais tempo.

Além desse nível bem básico, mas já bastante transformador, outros avanços foram realizados. Aqui, o acesso já não foi tão democratizado assim. Estamos falando de intervenções na outra ponta, isto é, que contribuam na extensão da vida de pessoas mais velhas. Sim: o básico é evitar a morte (desnecessária) de crianças, evitando que se contaminem por água suja, e que tenham o mínimo de educação formal. A sofisticação vai para a extensão da vida de quem já é adulto. Nesse caso, estamos falando do tratamento de doenças complexas, da possibilidade de oferecer benefícios previdenciários para os que deixam de trabalhar etc. Nem todos os países chegaram lá.

Hoje, no entanto, chama a atenção a busca por algo que não se enquadra nem no nível básico, nem no mais avançado. Estamos falando de uma tentativa de alcançar a juventude eterna, literalmente. Trata-se de uma iniciativa restrita a pessoas de altíssimo poder aquisitivo, como o bilionário da tecnologia Bryan Johnson. Recorrendo a medidas questionadas inclusive por médicos, Johnson investe R$10 milhões por ano para ultrapassar a fronteira da vida.

Um mulher olhando no espelho, com expressão de surpresa diante do envelhecimento. Imagem para ilustrar a matéria sobre busca por não envelhecer. Crédito: Prostock-studio/Shutterstock

Deixando de lado discussões sobre a desigualdade material (que obviamente são importantes, mas não são o foco da discussão, aqui), o ponto relevante que vejo em iniciativas como a de Johnson é o seguinte: elas suscitam a discussão sobre o tratamento do envelhecimento em si como doença. Isso é correto ou não?

Primeiramente, vamos entender bem a questão. Uma coisa é buscar a cura para algo que claramente é um processo anormal em nosso organismo. Por exemplo, um câncer. Se a proliferação imparável de células se inicia, busca-se um tratamento que interrompa esse mecanismo (uma quimioterapia, uma radioterapia ou mesmo uma intervenção cirúrgica).

Outra coisa, e parece ser o que Johnson e outros estão perseguindo, é: como reverter o envelhecimento em si? Ou seja: não necessariamente está ocorrendo uma doença, apenas o processo conhecido como senilidade, verificado pela simples passagem do tempo. E é sobre esse fato natural que se quer agir.

Pois bem, o argumento desses quem buscam a ação sobre o envelhecimento em si é: “É justamente por tratar como natural o envelhecimento em si, e pornão o entender como uma anormalidade, da mesma forma como fazemos com uma doença como o câncer, que não avançamos na descoberta da cura de mais doenças”. Segundo essa linha de raciocínio, nós nos beneficiaríamos se buscássemos a “cura do envelhecimento” no mesmo molde em que buscamos a cura da AIDS, ou do Alzheimer. Ainda segundo esse raciocínio, a própria busca pela cura destas doenças se tornaria irrelevante, pois a “doença envelhecimento”, que favorece o surgimento de doenças em primeiro lugar, se tornaria o foco. O que nos impede de seguir esse caminho é o fato de acharmos que envelhecer é normal, conclui-se.

Do lado dos críticos, a questão é que o tratamento do envelhecimento como doença tornaria a etapa da vida “velhice” alvo de preconceitos ainda mais intensos que o já verificados. Além disso, a desigualdade no acesso a recursos que nos levariam ao caminho do combate ao “envelhecimento-doença” também é criticado. Basta ver o que foi comentado: essa busca pela reversão do envelhecimento é quase que restrita a bilionários.

Eu particularmente acredito que ambos têm seu lado de razão. Não vejo por que, do ponto de vista da ciência básica necessária a um objetivo tão ambicioso, restringir qualquer hipótese de trabalho, mesmo uma que presuma que envelhecer seja uma doença. Isso não quer dizer, contudo, que o combate ao etarismo deva ser diminuído, posto que este preconceito traz problemas reais à vida das pessoas idosas, inclusive em matéria de saúde. Pessoalmente, o que me parece questionável é que alguém dedique tanto dinheiro em aplicar sobre o próprio corpo medidas as mais variadas,sem consenso científico que o ampare. Mas, enquanto não gerar prejuízos a terceiros, também não vejo motivo para proibir o que quer que essas pessoas venham a fazer consigo mesmas.Vejam se há algo de culpável nas medidas de Johnson:

  • acordar às 4h30 e ir dormir às 20h30 (o que eu tenho a ver com isso?) 

  • fazer exercícios durante uma hora todas as manhãs (adoraria conseguir) 

  • não ingerir bebidas alcoólicas e não comer gordura ou doces (um pouco radical, mas quem sou eu para julgar?) 

  • manter uma alimentação vegana que não ultrapasse 2.000 calorias por dia (sendo vegano, ele está fazendo um bem à humanidade, por evitar a emissão de carbono associada a dietas carnívoras) 

  • comer a terceira e última refeição do dia às 11h (cada um coma a hora que quiser)

  • tomar mais de 100 comprimidos por dia, incluindo vitaminas e medicamentos (acho uma loucura, pela falta de amparo científico, mas o corpo não é meu). 

Em resumo, deixemos os cientistas a cargo de avaliar as ideias que merecem receber esforço para ser validadas ou não, sem preconceitos do que é certo e errado. Lutemos para que os meios sejam os mais favoráveis possível para uma longevidade com qualidade. E façamos nossa parte, individual, em busca da nossa própria vida longa e feliz.


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