Ao fim das apresentações, dos treinamentos e dos workshops que ministrava para a equipe na empresa de energia em que trabalhava, Ana Paula Miranda Neves, 47 anos, ouvia: “Você poderia dar aulas”. Executiva da área de mapeamento de processos e planejamento estratégico, ela cogitava virar professora. Contudo, não era um plano estruturado. “Tinha em mente migrar para a docência no fim da carreira.”

Mas alguns fatores aceleraram esse movimento, não só o amor por ensinar. A companhia para o qual trabalhava passou por uma fusão. Entre os cortes estava o dela, que era gerente de planejamento de processos. “Fiquei um mês sem pensar em nada. Sou resiliente, me adapto facilmente, mas fiquei abalada.”

O choque passou quando o marido, que havia aberto uma startup, a Gero360, precisou de ajuda na divulgação. Ela, formada em comunicação social, se prontificou. E passou a comparecer a eventos de envelhecimento, área de atuação da empresa. Em um deles, conheceu uma professora de design que despertou nela a paixão pelo tema.

Assistiu a aulas, fez a prova de seleção, propôs a dissertação à banca – com a introdução “não sou do mundo acadêmico” – e foi aprovada – com a resposta “não sei por que você disse isso, porque sua apresentação foi ótima”. Entre os estudos e a elaboração da dissertação, deu início ao estágio em docência. “Adoro estar lá na frente [da sala de aula] e fazer o planejamento”, conta, com planos de engatar um doutorado e se dedicar à pesquisa e à docência, se possível, em tempo integral.

Migração de carreira

O movimento de migrar da carreira corporativa para a acadêmica atrai muitos profissionais em meio de carreira. “Eles normalmente já vivenciaram a experiência empresarial em sua plenitude, conhecem os prós e os contras e estão maduros o suficiente para poderem passar os conhecimentos adquiridos com segurança”, avalia Alexandre Nunes, personal e executive coach, da Vagas Online e Elancers Corporate, empresas especializadas em recrutamento, outplacement e recolocação de executivos.

“A docência é uma opção natural para quem tem esse desejo e está nessa faixa de idade”, complementa. Segundo ele, para alguns, entra na equação também outros componentes: a crise e o etarismo. “Os profissionais nessa faixa etária são mais afetados pelo desemprego e demoram mais para se recolocar, o que potencializa a migração para a docência.”
Uma mulher entre 40 e 50 anos tendo uma aula remota. Imagem para ilustrar a matéria sobre docência. Crédito: Girts Ragelis/shutterstock

Como avaliar a docência para segunda carreira?

O processo para que o ingresso na carreira de professor seja sólido, segundo ele, deve começar com três perguntas:

1. Tenho perfil comportamental para ser docente? 

“Se não conhece seu perfil ou se tem dúvidas, antes de optar pela transição de carreira, faça uma avaliação comportamental completa e avalie se tem os requisitos comportamentais básicos para ser um docente".

2. Conheço profundamente a matéria que desejo lecionar? 

Além de ter domínio do tema, “é importante que se atualize com frequência”. Com o acesso irrestrito a informações, “correrá o risco de que seus alunos saibam mais do que você”.

3. Tenho facilidade em passar meus conhecimentos? 

“Se não conseguir se fazer entender, a docência não é uma opção para você.”

Caso tenha recebido aprovação em sua autoavaliação, vem a fase de planejamento de mudanças – e não são poucas. Vão desde estar preparado para planejar e executar suas atividades, com escolha de temas e métodos e dedicação à pesquisa, até ter de se adaptar a horários rígidos.

E se o foco for a universidade, pode exigir diplomas a mais. “Se o mestrado ou o doutorado tiverem como foco a transição para a carreira docente, devem ser considerados apenas após o profissional ter feito, pelo menos, uma experiência na área, saber se de fato tem os requisitos comportamentais e técnicos para se aprofundar no segmento”, considera Alexandre.

“A hora-aula é bem baixa em várias faculdades”

Nessa avaliação, a remuneração deve fazer parte do pacote. “A hora-aula é bem baixa em várias faculdades”, pontua Rebeca Toyama, especialista em desenvolvimento humano. Numa cidade como São Paulo, por exemplo, isso obrigaria a pessoa que quer viver somente de docência a dar aulas em diversas instituições nem sempre próximas uma da outra – o que pode inviabilizar o processo.

As universidades públicas podem ser uma opção para vínculo em período integral e salários mais competitivos. Mas vale considerar que dependem de concurso público para ingresso na carreira.

“Normalmente a remuneração na área é menor, quando comparada a cargos equivalentes no setor empresarial. Sabendo dessa realidade, se a opção for por uma mudança definitiva e com remuneração menor, o profissional deve planejar uma mudança escalonada, na qual, no começo, poderá até aumentar sua renda, tendo atividades paralelas e ao mesmo tempo se planejar para uma reestruturação econômica a médio prazo”, indica o coach.


Gostou da matéria? Entre no nosso grupo de WhatsApp e receba outros conteúdos sobre saúde, trabalho, finanças e muito mais!


Leia também:

Profissões para quem tem mais de 50 anos: veja a lista com maior demanda

Carreiras que não exigem faculdade: uma delas pode ser a sua

Lifelong learning: o aprendizado precisa ser contínuo, independente da idade

Compartilhe com seus amigos