Nos últimos anos, o empreendedorismo é vendido como a panaceia universal. Qualquer um pode empreender, criar uma startup, ter sucesso, ficar rico e nunca mais ter se se preocupar com coisas prosaicas como as contas do mês. Somos cercados de coaches, mentores, consultores, cursos, instituições, todo mundo dizendo que nos tornarmos empreendedores é a solução para nós e para o mundo.
Como na maioria das vezes, é verdade, ma non troppo. Primeiro, empreender não é para todo mundo e essa ideia de que basta ter uma ideia e sair fazendo ou seguir o método A ou B para ter sucesso vale tanto quanto acreditar que você vai emagrecer somente tomando o suplemento X ou usando a supercinta emagrecedora, mantendo-se sedentário e comendo como sempre.
Empreender significa ter seu patrão com você 24 horas por dia, 7dias por semana, dormir e acordar com ele todos os dias. Olhar para ele ao escovar os dentes de manhã e ouvi-lo antes de dormir - se ele deixar você dormir. Significa conseguir ficar bem com a ideia de que você é o único responsável pelos erros, fracassos e falhas inevitáveis do dia a dia (tá, não foi você que cometeu o erro? Mas foi você quem delegou, você quem mandou ou você que fechou os olhos). Sei que isso parece bobagem, mas acredite: não é.
Outra coisa que também faz parte do evangelho da Igreja Universal do Reino do Empreendedorismo: histórias de sucesso. Todo mundo ouviu as gloriosas estórias das startups que saíram da garagem e dominaram o mundo. Um segredo - não é verdade. Como diz Mathieu Le Roux no excelente artigo “9 verdades que ninguém conta sobre startups”, “história de nascimento de startup é tudo storytelling para virar conto de fada”. A verdade é um misto de timing, resiliência e preparação, mas, principalmente, um grande naco de sorte. Tenha em mente que todo negócio relevante no mundo levou pelo menos 10 anos para ser construído.
Tudo isto posto, empreender nem sempre é decisão de vida ou resposta a um chamado de sua vocação. Particularmente no Brasil, onde a gente não está numa crise, a gente é crise contínua desde as notas carimbadas como cruzeiro novo do final da década de 1969 até a pandemia de 2020. Muitos somos empurrados para essa vida, sem direito a opinião. Em especial os com mais de 50 anos, que perderam empregos e não acham outro. Virar motorista de Uber, fornecedor de marmitas ou startupeiro não é uma alternativa escolhida, mas a única que nos restou para sobreviver.
E é para esses que eu quero falar, e dividir um pouco do que aprendi nesses 30 anos empreendendo e longe de ter essas estórias de sucesso maravilhosas.
- Não faz diferença se você empreende por vocação ou necessidade. Pesquisadores da Universidade de Indiana investigaram 650 mil casos e concluíram que "com base em várias medidas de sucesso, incluindo sobrevivência, crescimento, inovação e capital de risco, os empreendedores movidos pela recessão são iguais ou mais capazes do que os empreendedores voluntários".
- Se você está pensando em criar ou criando uma startup, você está sendo bombardeado pelo mundo dos Unicórnios, Uber, AirBnB, Facebook. Parece que se você não crescer 100x ao ano você é um fracasso. Só que a cada dia tem mais gente pensando diferente. Gente que pensa que o mundo não é dos Unicórnios, mas das Zebras ou Camelos, que são reais e não fantasia. Gente que correlaciona a economia dos Unicórnios à concentração de renda, precarização de trabalho e violação de direitos individuais. Gente como os que escreveram este artigo e criaram este site. Empreender para garantir sua renda e talvez ainda a de algumas pessoas é MUITO relevante.
- Acredite em você. E nunca esqueça que a coisa mais importante de um empreendimento é você. Cliente é importante ? É. Modelo de negócio? Idem. Sociedade em torno? Também. Mas se o negócio não tem você, não atende ao que você quer da vida, qual o sentido que isso faz para você?
- Sozinho você não vai muito longe. A não ser que você não queira crescer muito, e esteja bem com a ideia de nunca tirar férias, é bom você sempre pensar em criar um grupo em torno de sua ideia ou negócio.
- Sobre sócios, uma lei: você só deve se associar com o que você não pode comprar. E não esqueça que a principal coisa que você não pode comprar é seu tempo.
- Aprenda tudo, corra atrás, faça sempre o melhor. Mas lembre da sabedoria do eterno Millôr sobre a procrastinação: nunca deixe para depois de amanhã o que você deixou para amanhã.
Uma coisa te digo, depois de 30 anos caindo e levantando para tornar a cair como empresário, consultor, mentor e os Kanban: Vale a pena. E vicia. Ah, e se você quiser empreender em longevidade, me manda um alô. Quem sabe a gente não trabalha junto?