Boa parte das frases de Permínio Moreira tem o mesmo verbo: começar. Ela está no início, aos 9 anos, quando teve de largar a escola para ajudar no sustento da família. Permeia toda a sua vida profissional. E volta agora, aos 68 anos, momento em que trabalha em um sistema cooperativo de economia baseado em um app, o Ekko, que conecta varejo e consumidor.

Sua fala rápida mostra a velocidade de suas carreiras – que vão de vendedor de doces na rua, passando por ajudante de palhaço e office-boy a empresário do setor de peças para veículos agrícolas e franqueado dos Correios. Orgulha-se de ter conhecido boa parte do Brasil e faz disso uma diversão: convida qualquer pessoa a desafiá-lo, dizendo o nome de uma cidade. A partir dela, diz onde está e quais são as vizinhas.

Confira, a seguir, os principais trechos da sua entrevista ao Instituto de Longevidade Mongeral Aegon.

Como foi o começo de sua história profissional?

Mamãe fabricava doces e salgados e vendia em repartições públicas. Papai ganhava o equivalente a um salário mínimo. Minhas irmãs e eu dormíamos no chão. Aos 9 anos, parei de estudar. Comecei a vender com ela doces nas repartições públicas.

Com 11 anos, criei minha freguesia. Comecei na frente do DST [Diretoria de Serviços de Trânsito], em frente ao Parque do Ibirapuera [zona sul de São Paulo]. Todo mundo era obrigado a lacrar seu carro. Aquilo virava uma fila.

Ali, arrumei meu ponto. Começaram a vir concorrentes. Eu, como muito novo, comecei a ser incomodado pelos maiores.

Incomodado como?

Ameaça: “Se vier aqui amanhã, vamos meter a mão em você, tomar o salgado de você”.

“Comecei a lutar pela minha sobrevivência desde cedo”

O que fez?

Do outro lado, era a sede Prefeitura de São Paulo. Comecei a vender [lá]. No segundo dia, os fiscais me prenderam. Queriam a cesta com os salgados. Comecei a lutar pela minha sobrevivência desde cedo.

Nesse interim, estava chegando o prefeito. [Ele disse:] “Leva o garoto para o meu gabinete”. Subi chorando. [Para e chora.]

Essa história chega a me emocionar porque o chefe de gabinete mandou me levar e eu dizia: “Mas eu quero levar minha cesta. Aqui está o meu ganha-pão”.

O prefeito me recebe e pergunta o que aconteceu. Falei: “Sou pobre, não tenho condições de perder essa mercadoria”.

Ele falou: “Senta aqui”. Sentei na perna dele. Chamou o chefe de ordens e falou: “O garoto está autorizado a vender aqui todo dia”. Fiquei durante um ano sozinho vendendo para todo mundo. Aí, logicamente, ganhei dinheiro.

barreira digital crédito: Renato Stockler

Eram quantos doces e salgados por dia?

Mais ou menos 350 peças. Eram salgados maravilhosos.

Fui me desenvolvendo, não mais vendendo doce. Comecei a trabalhar como office-boy. Saía rápido e voltava rápido e era preferido por todos. Trabalhava na sucursal do jornal “O Globo”.

Passei a uma função melhor, a de auxiliar de autorizações de anúncios da sucursal [de São Paulo]. De lá, comecei minha carreira de vendedor. Fui vendedor da Olivetti, da Vox [máquinas de calcular].

Fiz uma carreira e fui trabalhar nas Listas Telefônicas Brasileiras. Fui transferido para a Companhia Piratininga de Seguros, para vender seguro de vida individual com correção monetária.

Em 69, aos 21 anos, me casei. Tinha acabado de entrar em uma empresa de máquinas agrícolas. Fui diretor com apenas 24 anos, em 1972.

Saí e montei minha própria empresa em 1982, de peças de tratores. Em 1992, o [então presidente da República, Fernando] Collor tinha acabado com a agricultura no Brasil. Em 1994 quebrei. Pedi a autofalência.

“Nunca na minha vida eu trabalhei tanto quanto atualmente – 16 horas por dia”

Essa falência foi o primeiro insucesso profissional?

Não foi insucesso. As empresas grandes foram à concordata. Também tive que aguentar 11 distribuidores meus que pediram concordata. Minha empresa era a maior distribuidora de peças agrícolas no Brasil. Não tive nada pequeno.

Fui à luta e comecei a vender Herbalife. Fui um dos caras que tive sucesso com marketing de rede. Comprei uma agência franqueada dos Correios. Depois, montamos a Gráfica de Dados Variáveis, que fazia os extratos.

Paralelamente, criei um multiokê – os CDs de karaokê. Era CD e DVD no mesmo disco.

É uma área completamente diferente das anteriores...

A diversificação faz parte da minha vida. Um belo dia um rapaz foi pedir um dinheiro emprestado e me mostrou o que ele tinha desenvolvido. Fomos à luta: eu investi e patenteamos. Ele quis vender a parte dele e viajar pelo mundo.

Em 2002, 2003 e 2004, me associei a uma empresa fabricante de DVD e criei um kit. Você comprava o DVD e vinha 25 discos. Fui ser jurado do Raul Gil – fiquei três anos na bancada.

Foi aí que entrei nos grandes varejistas do mercado eletroeletrônico. Quando os DVDs começaram a virar carne de vaca, fui para a China, desenvolvi o home theater popular e lancei o homeoke – você compra 25 discos e leva um home theater.

Foi muito bom até 2010, 2011. Aí comecei a criar o sistema que hoje gerou o Ekko. Nunca na minha vida eu trabalhei tanto quanto atualmente – 16 horas por dia.

“Essa é minha cabeça – muito louca. Não consigo não pensar fora da caixa. Me revolta ficar dentro da caixa.”

Como o sr. descreveria o Ekko?

É um sistema cooperativo de economia, vantagens e benefícios para os dois lados. É a primeira vez que você troca uma relação de consumo entre o comerciante e o consumidor e os dois enxergam na hora que ganharam.

barreira digital crédito: Renato Stockler

Como é o processo criativo?

Não é uma coisa normal. O lazer – como jogar tênis, futebol – é criar.

Não estou contando tudo. Fui árbitro de futebol. Trabalhei com o Carequinha nas horas vagas. Ele vinha [do Rio] fazer o Circo do Carequinha na TV Paulista. Eu me apresentei e fui ser ajudante dele.

Essa é minha cabeça – muito louca. Não consigo não pensar fora da caixa. Me revolta ficar dentro da caixa.

 “Aposentar é morrer. O homem não foi feito para ficar parado”

O sr. não pensa em se aposentar?

Quando eu for embora, aposentei. Aí não sei como é do outro lado, se dá para criar alguma coisa. Aposentar é morrer. O homem não foi feito para ficar parado.

Qual é a maior diferença de quando o senhor começou para hoje?

Muita. Não estou preparado para o mundo digital, para o mundo virtual. Eu me adapto todo dia.

Meu grande problema hoje é entender determinadas atitudes que [os mais jovens] fazem, que choca.

Como o quê?

Eu tinha meus pais como soberanos. Hoje vejo que os filhos não têm o menor respeito pelos pais. Quando ficar velho, vão jogar no asilo. Não existe nada pior para um idoso do que o abandono, do que o esquecimento.

A única coisa que mudou para mim com a idade é a emoção. Você fica muito frágil, começa a olhar seu corpo, percebe que as células estão envelhecendo.

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