Você tem filhos e faz muitos anos que não os vê? Em Shanghai, isso não é permitido. Assim como em outras cidades da China, como Guangdong e Jiangsu, existe uma lei, desde o ano passado, que pune filhos que não visitam ou não prestam assistência a pais idosos: faz com que tenham crédito negativo, ou seja, são impedidos de contrair empréstimos.
Com seus 24 milhões de habitantes, a maior cidade da China é também uma das maiores metrópoles do mundo. Mesmo sendo populosa, a política do filho único acabou trazendo uma queda da taxa de natalidade e um aumento do envelhecimento dos moradores; ou seja, com menos filhos, cresce, ano após ano, o número de pessoas idosas.
Atualmente, Shanghai tem a maior proporção de aposentados do país, e a previsão para 2025 é de 6 milhões de idosos. Em 2050, essa parte representará um quarto do total da população. Ao mesmo tempo que as pessoas estão envelhecendo, os jovens estão cada vez menos interessados em cuidar de seus pais e avós, o que faz com que eles dependam cada vez mais do Estado.
Para que o governo não assuma esse papel, os jovens são obrigados a tomar conta de seus pais ou avós. Caso isso não aconteça, os próprios pais poderão processar seus filhos. E, em casas de cuidados para idosos, caso haja negligência por parte dos filhos, os assistentes dessas instituições fazem a denúncia.
Além de visitar os pais mais velhos, os filhos também devem ajudar financeiramente. Qualquer comportamento considerado falta de respeito por parte dos jovens colocará seus nomes em uma espécie de “lista negra” do Estado, de modo a prejudicar seu modo de viver.
“O problema dos maus cuidados para com o idoso é também uma falta de eficiência do Estado”
“Essa é uma lei muito vaga”, analisa a gerontóloga Marília Berzins, presidente do OLHE (Observatório de Longevidade Humana e Envelhecimento). Segundo a especialista, obrigar os filhos a cuidar dos pais é algo muito relativo.
Isso porque, quando um filho diz que está cuidando de seu pai, é difícil saber se esse cuidado é mesmo adequado. E, além disso, existem diversas situações onde não é cabível forçá-lo, como a falta de vínculo entre pai e filho ou a falta de condição financeira. Para ela, essa lei no Brasil seria desconexa, a não ser que, antes, ela fosse muito bem estudada.
Diferentemente do que acontece na China, a gerontóloga diz que no Brasil a responsabilidade deveria cair sobre o Estado. “O problema dos maus cuidados para com o idoso é também uma falta de eficiência do Estado”, diz ela, pontuando que ele deveria agir de forma mais firme, inclusive, no âmbito da violência contra o idoso – algo que, segundo as pesquisas, ocorre no ambiente doméstico e parte sempre de algum membro da família, seja filho/a, genro/nora ou neto/a.
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“O Estado tem que se fazer mais presente nas políticas públicas que já existem para proteger e cuidar dos idosos”, reforça Marília. Além disso, ela defende o aumento do número de instituições de longa permanência para acolher esses idosos que não estão mais em condição de ficar em casa ou que não estão sendo cuidados de modo adequado.
Em tempo, apesar de hoje ser o Dia Nacional de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa, não precisaríamos de uma data para lembrar que, seja por meio de instituições, do Estado ou dos familiares, as pessoas mais velhas merecem respeito, cuidados e a não violência dos direitos humanos.