Como diriam os jovens da geração Y, ela manda nudes desde antes de ser modinha. A fotógrafa norte-americana Marna Clarke, 77 anos, começou a se fotografar nua em 1978, aos 48 anos, e em 2010 criou o projeto “Time as we know it” (O tempo como o conhecemos, em tradução livre), uma série de nus dela e do parceiro, Igor Sazevich.
O ensaio se transformou em exposição e livro. As fotos, que você vê ilustrando esta reportagem, refletem o amor maduro de duas pessoas que se abraçaram e decidiram tocar a vida juntos. Marna conta que não usa o nu para chocar ou seduzir, mas para entender melhor como ela é: “Me fotografo nua para aprender mais sobre mim”.
Crédito: Marna Clarke
O projeto, por sua vez, tem como propósito mostrar corpos reais, com suas rugas e a flacidez adquiridas com o tempo. “Quis romper com o tabu da nudez dos mais velhos, ou mesmo de fotos de pessoas mais velhas, e mostrar outras atitudes que não a de idosos sendo inúteis ou um fardo.”
Leia, a seguir, trechos da entrevista.
O que a fotografia significa para você?
Eu uso a fotografia para expressar beleza, humor, sentimentos, opiniões e para compartilhá-los com os outros. É uma forma criativa de comunicação.
Antes de seus autorretratos, o que você costumava fotografar?
Eu faço autorretratos desde que comecei a fotografar, em 1972. O livro que publiquei há um ano sobre este projeto de envelhecimento tem um par de antigos retratos: um meu com meus filhos em 1980 e um nu meu em 1978, quando eu tinha 48 anos.
Também fiz paisagens na França e em Martha's Vineyard, aqui nos EUA, e onde eu moro agora, na Califórnia. Entre 2005 e 2009, fiz close-ups de cascas de árvore que descamam deixando padrões interessantes sobre a nova “pele” da árvore. E faço retratos.
Marna Clarke e seu parceiro, Igor Sazevich; Crédito: Marna Clarke
“Não uso a nudez para seduzir, atrair ou excitar”
Como foi sua trajetória na fotografia?
Eu comecei a fazer aulas em 1972, em Nova York, inspirada por um sonho em que eu era fotógrafa. Fiz muitas imagens em preto e branco de meus dois filhos jovens e suas atividades e, em seguida, comecei a tirar retratos de outras crianças para ganhar algum dinheiro. Em 1981, também comecei a fazer imagens para várias publicações, documentação de arquitetura e design de interiores, casamentos e eventos, além de retratos.
Dei aulas de fotografia em várias instituições. Em 1992, vendi todos os meus equipamentos e parei de fotografar por vários anos, não tinha inspiração para nada. Em 2005, o meu parceiro me deu um equipamento digital e comecei a aprender a usar e a processar e imprimir impressões a cores. Em 2010, eu virei a câmera para mim mesma, para explorar os efeitos do envelhecimento. Tive várias exposições nos últimos dez anos e neste mês estou avaliando mais locais para levar o meu trabalho.
Desde quando você tira fotos nuas? Qual o propósito?
Comecei em 1978. Acho que o primeiro impulso de me fotografar nua veio de um desejo de ver como sou, não apenas um olhar fugaz em um espelho, mas um retrato real que posso segurar na minha mão. Me fotografo para aprender mais sobre mim.
Em outro nível, eu acho a nudez um dispositivo que uso para ganhar a confiança dos telespectadores, do meu público. Estar nu é estar vulnerável, desprotegido, desmascarado, exposto. Como se dissesse: "Aqui estou eu, não estou escondendo nada de você. Você pode confiar em mim". E, para mim, é dizer o meu segredo, a minha verdade, o que me permite continuar a explorar o meu eu interior sem vergonha ou culpa. Não uso a nudez para seduzir, atrair ou excitar.
Crédito: Marna Clarke
Quais tabus você quis quebrar com o projeto?
Quis romper com o tabu da nudez dos mais velhos, ou mesmo de fotos de pessoas mais velhas, e mostrar outras atitudes que não a de idosos sendo inúteis ou um fardo.
Como o público recebeu o projeto?
Houve uma recepção mista para este trabalho. Muitos jovens comentaram no artigo publicado no Huffington Post, geralmente se dizem repelidos ou com medo de ver minhas fotos. O meu retrato abraçando o Igor sobre os ombros com as mãos no peito dele enojou muitos jovens. As pessoas mais velhas geralmente ficam emocionadas e agradecidas.
E seus filhos? Como avaliam este projeto?
Tenho dois filhos, de 47 e 44 anos. Meu filho mais velho nunca reconheceu este trabalho. O mais novo me apoia, vai às minhas exposições e pensa que eu gosto de chocar. Há realmente alguma verdade nisso... Acho que temos de chocar as pessoas para que elas vejam as coisas de outra forma.
E quanto aos seus amigos?
A maioria dos meus amigos me encoraja desde o início. Minha irmã não viu o livro, não fala comigo sobre isso. Mas sua filha, por exemplo, é muito favorável.
“Envelhecimento é também ganhar perspectiva, uma sabedoria de todas as experiências da vida que tivemos, não sentir mais tanta pressa, abrandar, meditar mais”
Para você, o que é o envelhecimento?
Crescer mais, o que significa um eventual declínio no funcionamento físico e mental, a perda de juventude, mobilidade, audição e visão, beleza, memória, equilíbrio, desgaste e descoloração dos dentes.
O corpo começa a mostrar sinais de desgaste. Esses efeitos podem ser retardados com exercício físico, sono de qualidade, dieta saudável e se você tem algum compromisso com algo por que é apaixonado.
Envelhecimento é também acumular sabedoria de todas as experiências da vida que tivemos, não sentir mais tanta pressa, abrandar, meditar mais.
Com quantos anos você realmente sente?
Varia muito. Há dias em que eu sinto desconforto e dor, tenho artrite e tendinite. Depois, há dias em que estou mais rápida, alerta e com muita energia e entusiasmo.
Quais são os seus planos para os próximos anos?
Continuar me fotografando com meu parceiro e o nosso ambiente. E continuar me exercitando.
Crédito: Marna Clarke
“Ficar mais velho é inevitável, mas como você vai ficar depende de como vive”
Que mensagem deixa aos brasileiros com mais de 50 anos?
Cultive e mantenha a curiosidade sobre seu mundo, tente descobrir e esteja aberto às mudanças, fique longe de julgamentos. Fique ativo e se envolva com os jovens. Leia por prazer e para estar a par das notícias. Abra seu coração e sua mente, mostre bondade e compaixão.
Passei muitos anos alimentada pela raiva e isso não me fez bem. Nos últimos cinco anos, abri meu coração e estou muito mais feliz por isso. Talvez tenha sido a imersão completa no envelhecimento, que este ensaio fotográfico exigiu de mim, que me fez repensar.
Felizmente sou saudável aos 76 anos, mas isso pode mudar e terei de me ajustar a esse futuro desconhecido. Por agora, porém, eu vivo cada dia olhando para frente e sou grata pela vida que tenho.
Marna Clarke e seu parceiro, Igor Sazevich; Crédito: Marna Clarke
Ficar mais velho é inevitável, mas como você vai ficar depende de como vive. Eu me tornei mais consciente da importância que minha saúde (física, mental e emocional) tem e estou em boa forma. Também desenvolvi uma certa perspectiva sobre o que é importante e o que não é.
E, devo acrescentar, estou desfrutando de um senso de humor bem mais leve sobre a vida e seus muitos desafios. Acho que uma das coisas que me mantém bem é ter algo por que sou apaixonada: minha fotografia! Muitos amigos se envolvem com a escrita, a pintura, o voluntariado ou mesmo com os netos.
O importante é fazer algo para se sentir útil e vivo.