A psicóloga Salete Boucault transformou uma jornada de reflexões em um livro inspirador sobre envelhecimento. Aos 70 anos, decidiu celebrar seu aniversário com um presente especial: o lançamento de "Um projeto para envelhecer bem". A obra não só compartilha suas experiências pessoais e profissionais, mas também oferece uma visão prática e motivadora para quem deseja viver a velhice com propósito, saúde e equilíbrio emocional.

Salete aborda temas que vão desde a importância do planejamento financeiro até os desafios emocionais da terceira idade. Ela acredita que, assim como nos perguntamos "o que quero ser quando crescer", é essencial nos questionarmos "o que quero ser quando envelhecer". Para ela, envelhecer bem exige preparo, intencionalidade e uma agenda recheada de atividades significativas.

Confira a entrevista para o Instituto de Longevidade, na qual Salete reflete sobre os pilares de uma vida bem vivida, a importância do aprendizado contínuo e como os "Novos Velhos" estão redefinindo a velhice.

Salete Boucault escreveu um livro aos 70
Crédito: Arquivo Pessoal/ Divulgação

O que a motivou a escrever um livro sobre envelhecimento após o encerramento de um ciclo na vida profissional? Como foi o processo de transformar suas reflexões pessoais sobre o envelhecimento em um projeto literário?

Salete Boucault: Eu sempre tive a ideia de escrever um livro. Os livros sempre foram minha companhia, meus conselheiros, minhas fontes de informações. Ao longo da vida, eu fui escrevendo minhas reflexões sobre as mudanças de ciclos de vida, as despedidas, os lutos, minhas emoções e sentimentos sobre estes momentos. Alguns destes escritos agora fazem parte do livro. Acredito que a escolha do tema é porque eu, e as pessoas que amo, estão envelhecendo. Eu estou envelhecendo bem e, muitas pessoas a minha volta, também estão.

Eu parei para pensar sobre o que nos fazia envelhecer bem. A boa alimentação, manter-se ativo, aprender coisas novas todos os dias, cultivar bons relacionamentos. E lidar com as emoções de forma equilibrada, vivenciar as dores, mas superar os momentos difíceis, as despedidas, os lutos, a morte. A gestação deste livro iniciou há muitos anos. Neste ano, para comemorar meus 70 anos, decidi que estava na hora de dar a luz a ele. E fiz a tarde de autógrafos na véspera de meu aniversário de 70 anos. Foi muito emocionante.

Salete Boucault, você menciona a ideia de ter planos até os 100 anos. Como essa perspectiva de longo prazo influencia sua forma de viver o presente e qual a importância das pessoas terem novos planos em qualquer fase da vida em sua opinião?

Salete Boucault: Eu sempre brinco que tenho planos até os 100 anos, depois eu dobro a meta (Rs). Eu sempre fui uma pessoa que gosta de fazer planos, traçar metas, me planejar. Isto me ajudou muito ao longo da vida e até hoje. Acredito que este planejamento me permitiu exercer minha vida profissional durante estes 46 anos, sem nunca relegar a segundo plano minha vida pessoal e familiar. Eu também sempre fui uma pessoa de me preocupar com antecedência com o futuro. Não de uma forma pesada, mas para me preparar e planejar.

Não adianta deixar para pensar na velhice quando a pessoa já perdeu a saúde por se alimentar mal, já perdeu a mobilidade, por ter uma vida inativa. Eu também falo no livro sobre a necessidade do planejamento financeiro. Precisamos nos preparar financeiramente para viver uma velhice tranquila, sem depender e sobrecarregar outras pessoas com o nosso sustento. E, mesmo estando com 70 anos, eu tenho muitos planos. Um, que foi realizado, foi a publicação do meu livro.

Por que acha importante encarar a morte e pensar na finitude? Percebemos que é um tema bastante difícil de ser tratado, mas você acredita que isso pode mudar nossa relação com a vida?

Salete Boucault: A morte é um assunto tabu e as pessoas evitam falar dele. Mas estamos morrendo todos os dias. Nós, que estamos na velhice, temos cada vez menos tempo de vida. Muitos não se dão conta disto e desperdiçam o tempo que lhes resta com picuinhas, rancores. Gastam o tempo na frente da TV, rolando a telinha do celular, como se tivessem todo tempo do mundo para desperdiçar. Sim, pensar na finitude, pensar que vamos morrer, nos faz valorizar a vida, os relacionamentos, o tempo, nos faz apreciar as pequenas satisfações do nosso dia a dia.

Você cita que é comum a sociedade pensar no idoso como uma pessoa frágil. Sabemos que em breve seremos um país de centenários e teremos que reconstruir esses estereótipos.  O que acredita que precisamos mudar como sociedade para combater esses preconceitos?

Salete Boucault: Eu falo no meu livro dos “Novos Velhos”. Os velhos de hoje não são como os de antigamente. Nós queremos mais. Não queremos vestir o chinelo e o pijama e esperar a morte chegar. Nos vestimos com roupas mais modernas, fazemos academia, temos vida social, viajamos, estamos antenados com as novas tecnologias. Movimentamos bilhões de reais, que é a economia prateada. Quem não mudar o pensamento, sobre o que é a velhice nos tempos atuais, estará perdendo oportunidades de negócios. 

O poder público também tem que se preparar para este aumento no número de idosos que hoje já é 15% da população. Temos para cada 100 crianças, 80 idosos. O foco não será mais construir escolas e creches e, sim, locais para lazer e atividades para a terceira idade. 

Eu cito no livro a necessidade dos profissionais de saúde se aperfeiçoarem para cuidar das pessoas da terceira idade, trabalharem com a prevenção, a aquisição de hábitos saudáveis, para uma vida mais satisfatória e longínqua. Quero iniciar uma campanha para mudar as placas de idosos, que mostram um velhinho arcado e de bengala. Quer símbolo mais preconceituoso que este?

No livro, você fala sobre o "projeto de envelhecimento". O que isso significa na prática e como podemos começar a criar o nosso? Pode dar algumas sugestões?

Salete Boucault: No livro eu cito alguns estudos, como o de Harvard, que já dura mais de 80 anos, e o das Zonas azuis, que levantam algumas características dos que chegam à velhice com saúde e ativos. No nosso projeto de envelhecimento, temos que dar muita importância para a alimentação saudável. Saudável é o alimento que vem da terra, sem passar pelo processo de industrialização. Descascar mais e desempacotar menos, evitar os ultraprocessados. Sem saúde, nada podemos. Buscar sempre o equilíbrio emocional. Não é uma tarefa fácil. É uma luta diária não nos deixarmos levar pela ansiedade, pela tristeza, pelas frustrações. Eu não falo de ser feliz, porque a felicidade são momentos. Eu falo de equilíbrio emocional, que é o lidar com os altos e baixos com resiliência. 

Os estudos de Harvard mostram que quanto melhores são os relacionamentos, a importância que temos na vida das pessoas, e elas nas nossas, melhor é a velhice. Então, cultivar bons relacionamentos faz bem ao idoso. 

Mas eu falo no livro dos chatos e reclamões. Aqueles que reclamam de tudo, só falam de coisas negativas, de doenças e depois reclamam de solidão. Temos que ser boas companhias para os outros. A saúde financeira também é um grande fator de bem-estar para os idosos. Não depender dos outros financeiramente, ter autonomia, poder investir no seu próprio bem-estar. 

Manter o cérebro ativo, porque cérebro não estimulado atrofia. E para manter o cérebro ativo temos que aprender coisas novas todos os dias. A passividade mental, o ficar diante da TV e rolando a telinha do celular o dia todo, atrofia o cérebro e o corpo. Temos que nos movimentar. Fazer atividades. E ter uma agenda. Levantar com tarefas a cumprir, quem não tem agenda não faz nada. Temos que ter um motivo para levantar da cama todos os dias.

Com relação às mulheres, você aborda como, muitas vezes, são priorizados padrões estéticos em detrimento da saúde física e mental. Como cuidar do que realmente importa?

Salete Boucault: No meu livro eu dedico um capítulo às aparências. Quando chegamos à velhice ficamos cada vez mais distantes dos “padrões estéticos “ estabelecidos por aqueles que lucram com a busca incessante das mulheres, e homens também, para se encaixarem nestes padrões. Bundas e peitos caídos, pele flácida, gordurinhas por todo o corpo são o padrão das mulheres idosas. Ou nos sentimos as últimas das criaturas ou começamos a encarar estes padrões com uma visão crítica.

Quem lucra bilhões com isto? As indústria da beleza, dos cosméticos, das cirurgias plásticas que gastam milhões em propagandas para fazer crer que nosso bem-estar e sucesso está atrelado à nossa aparência. Muitas caem nesta armadilha e gastam fortunas em tratamentos estéticos, cirurgias plásticas que, muitas vezes, as desfiguram tanto que parecem mais uma caricatura. E todo este dinheiro gasto nesta manutenção de uma ilusória aparência jovem, desvia recursos do que realmente interessa que é aplicar em nosso bem-estar, na saúde física e emocional, em lazer, em cultivar bons relacionamentos, na melhoria de nossas capacidades intelectuais.

Tratamos bastante do conceito de Life Long Learning no Instituto, já que, cada vez mais, as pessoas vão ter que continuar aprendendo. Percebemos que isso também é necessário para a própria saúde mental, certo? Como buscar esse aprendizado? Como se motivar para aprender coisas novas?

Salete Boucault: Eu li um texto de Amós Oz, escritor israelense, sobre a curiosidade. Enquanto mantivermos a curiosidade estaremos vivos, com a mente ativa, aprendendo. É a curiosidade que nos move a aprender todos os dias, a querer saber mais, estar atento, buscar compreender temas que nos são desconhecidos. Quem perdeu a curiosidade não busca conhecimentos, entendimento. As pessoas acabam ligando aprendizagem a escola. E a escola é um dos lugares mais chatos do mundo, pouco estimulante, tedioso. E acabamos encarando toda aprendizagem como algo chato, maçante, monótono. Dificilmente as pessoas saem da escola gostando de ler, muito menos ainda de escrever. 

E gostar de ler é fundamental para novas aprendizagens. Ainda bem que hoje tem os podcasts porque quem não gosta, ou não tem tempo de ler, ouve podcasts. A TV e o celular, que poderiam também ser fontes de estímulos para aprendizagem, normalmente são usados para ver conteúdos que não servem para nada, que não estimulam o cérebro que não trazem novos conhecimentos. 

Na velhice é fundamental buscar novos conhecimentos, novas aprendizagens,. Sem isto o cérebro atrofia, a memória e o reter novas informações ficam prejudicados. Talvez a forma de estimular as pessoas mais velhas a se motivarem para aprender coisas novas, a estudarem, é informá-las que um cérebro ativo não perde suas capacidades cognitivas. Não é a velhice que causa estas perdas, mas o comodismo, a inatividade, a passividade mental.

Qual é a importância dos relacionamentos na construção de uma velhice mais feliz? 

Salete Boucault: Eu, como psicóloga, vejo que a maior fonte de problemas para as pessoas são os relacionamentos. O tema mais tratado nas sessões de terapia é do relacionamento da pessoa com família, amigos, colegas de trabalho. Não é fácil se relacionar, não é fácil dividir espaço, tarefas, responsabilidades. É necessário um grande esforço para nos darmos bem com os outros, saber nos comunicar, aprender a ouvir o que o outro diz. Ter autocontrole para não sair por aí explodindo, xingando, falando tudo que pensamos. 

Como podemos cultivar esse relacionamentos de uma forma mais saudável?

Salete Boucault: A gente tem que adquirir sabedoria para saber discernir o que falar e o que calar. Eu sempre digo para as pessoas que elas têm que lembrar que quem fala tem que estar disposto a ouvir. Fala as verdades, mas tem que escutar as verdades do outro. E  não saber discernir cria muitas confusões, mal entendidos, problemas de relacionamento. As pessoas querem ter companhia, ter amizades, ter família. Não querem estar sozinhas. Mas manter as pessoas por perto, sem grandes atritos, requer um grande esforço, um grande aprendizado de como se relacionar, aprender a resolver conflitos, abrir mão de algumas coisa em prol da harmonia. 

Se a pessoa que chegou na velhice ainda não aprendeu a como se relacionar com os outros, acredito que terá grandes dificuldades em manter as pessoas por perto, criar uma rede de apoio. Eu falo no meu livro dos saudosistas, daqueles que acham que no passado era tudo melhor e chateiam os outros com suas conversas. Falo também dos conservadores que acham que a verdade deles é a única, inquestionável, que querem impor suas crenças e valores, e acreditam que o resto do mundo está errado.

Uma coisa é a pessoa não aceitar para si determinados valores e comportamentos. Outra é achar que o resto do planeta está errado, desencaminhado, por pensar e se comportar diferente deles. Respeitar as formas de ser e de pensar diferentes da nossas é uma questão de adaptação. Ou vamos ficar à margem do caminho, afastando os outros do nosso convívio. A solidão na velhice é um agravante das doenças físicas e mentais. Por isto, o esforço para ser alguém agradável de se conviver vale a pena!


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