“Se eu pudesse...” A primeira frase, conta a escritora e psicanalista Betty Milan, 72 anos, ficou na gaveta até que o texto se impôs: “Se eu pudesse te dar de novo a vida... fazer você nascer de mim como eu nasci de você. E prossegue: “Não paro de desejar o impossível. Apesar dos seus 98 anos, não suporto te perder”.

Autoficcional – “porque não há subjetividade que eu conheça melhor do que a minha” –, seu novo livro, “A Mãe Eterna”, surpreende pela delicadeza e pela franqueza ao abordar a passagem extremamente difícil de cuidar de uma mãe que anda, enxerga e escuta com dificuldade.

“É um romance que se impôs por causa da velhice extrema da minha mãe”, relatou ao blog da Editora Record. Graças a ele, diz, Betty conseguiu aceitar a passagem da condição de filha para a de mãe da mãe. E deparou-se com “um drama ao qual os filhos e os pais estão cada dia mais sujeitos: o da velhice extrema”.

Na impossibilidade de se comunicar com a mãe real, que caminha para o centenário, a filha narradora escreve cartas para uma mãe imaginária. Relata seus percalços, muitas vezes descritos como um fardo, e toca sem se aprofundar em temas polêmicos, como humanização do final da vida e testamento vital.

Apesar do tema difícil, a autora traz passagens divertidas, como quando a mãe real passa a perna em quem tenta domá-la, com orientações sobre alimentação e remédios. Ou quando demite a cuidadora, mas, quando a filha traz outra, ela “por acaso” se reencontra com a anterior, que obedece, sem discutir, às suas vontades.

“Trata-se de uma velhinha muito engraçada, que faz pouco dos medos da filha”, resume Betty. Quando ela teme que pegue um táxi sozinha, a mãe rebate: “Uma velha, filha! Quem vai querer me embarcar?” Ou quando ela encontra uma garrafa de bebida alcoólica pela metade: “Um vinho ótimo, filha, quer experimentar?”

Além das dificuldades objetivas – como reorganizar o espaço físico –, a autora exemplifica dificuldades subjetivas com as quais a maioria dos cuidadores não está preparada para lidar.  “O velho sofre com a perda da independência e, por causa disso, tende a ser negativista. A tudo ele primeiro diz ‘não’.”

“A conduta se torna menos irritante quando a gente entende que o ‘não’ serve para afirmar a independência”, pontua. “O problema é que, ao afirmar a independência, a pessoa corre risco de fazer mal a si mesma ou corre risco.”

E é justamente nessa busca desesperada pela autonomia da mãe que a filha inventa um mundo inofensivo e mágico para receber sua mãe longeva. Nele, o fogo não queima, o gás se apaga automaticamente e chão se desloca para onde ela quer ir. Para, depois, ela mesmo concluir que a longevidade inspira mais respeito do que cuidado.

SERVIÇO
A Mãe Eterna
Autora: Betty Milan
Editora: Record
Quanto: R$ 32,90
(144 págs.)
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