O ano era 1980; o cenário, a Faculdade São Judas Tadeu, em São Paulo. Ali, no meio de uma rodinha de amigos, Rosângela Gardelli e Hugo Grandis Filho se falaram pela primeira vez. A atração mútua precisou de um pouco de paciência, mas logo se transformou em um namoro e, na sequência, noivado.
O casamento, porém, que seria o previsível passo seguinte, saiu dos planos de maneira abrupta. O rompimento por parte da moça deixou o rapaz sem entender nada. A situação só foi esclarecida quando se reencontraram no início de 2017 e, finalmente, se casaram em janeiro deste ano, 38 anos depois.
Legenda: Casal se reencontra após 37 anos; crédito: Renato Stockler
No tempo dos papos no corredor da faculdade, Hugo tinha 20 anos e era um ano mais velho que ela. Já naquela época, o interesse foi recíproco, mas a coisa demorou um pouco para engatar.
Foi durante a visita do papa João Paulo II ao Brasil que a relação começou oficialmente. Era o primeiro namoro dos dois. Cinco meses mais tarde, noite de Natal, aconteceu o noivado. Até que em setembro de 81, a relação acabou.
O casal voltava da comemoração dos 25 anos de casamento dos pais de Hugo, que perguntou à namorada se eles também iriam festejar as bodas de prata. "Naquele momento, ela pediu para parar o carro e disse que a gente não ia comemorar bodas, nem continuar o namoro. Que o relacionamento acabava ali, porque estava ficando sério demais e não gostava de mim tanto quanto achava necessário para casar. Foi uma paulada", lembra-se ele, hoje professor universitário, 59 anos.
Legenda: A história de amor de Rosângela e Hugo esquentou novamente no ano passado, quando o casal se reencontrou; crédito: Renato Stockler
A realidade, entretanto, era outra. Rosângela estava sendo pressionada pelos pais para romper o relacionamento, pois acreditaram numa fofoca envolvendo Hugo, vinda de um parente em comum. "Meu pai era muito rígido e, pelo excesso de cuidados e por darem credibilidade à palavra maldosa, ele e minha mãe me forçaram a terminar", lamenta.
A moça até cogitou ir contra a ordem dos genitores, mas por depender deles – e receosa com as consequências –, preferiu seguir a orientação. "Foi muito triste, foi traumático, chorei muito. E eu nem podia falar a verdade, porque tinha que respeitar a família. Só eu sei o quanto sofri", afirma ela, também professora, 57 anos de idade.
“Foi a grande decepção da minha vida"
No outro lado, Hugo também era pura agonia. "Eu vivia um momento de muita conquista pessoal: era presidente do diretório acadêmico, trabalhava na empresa que queria, cursava simultaneamente quatro faculdades, era um boeing decolando. De repente, fui para o chão sem trem de pouso, me estatelei todo. Fiquei um período só saindo para trabalhar. Foi a grande decepção da minha vida", pontua.
Rumos diferentes
Por pouco tempo, até tentaram se acertar, mas não houve acordo entre o ex-casal. Alguns meses depois, Hugo conheceu outra mulher, que se tornaria sua primeira esposa três anos mais tarde. Foi ela mãe de seus três filhos e com quem se manteve casado até 2001. Naquele ano, conheceu a segunda parceira, com quem conviveu durante 15 anos. "Ambas me fizeram ser um homem melhor e me deram momentos gratificantes, mas meu prazo com elas acabou", avalia.
Rosângela, por sua vez, manteve-se solteira por uma década. Sabendo que Hugo estava em uma relação séria e se sentindo cobrada pelos pais por ainda estar só, resolveu ceder e se casar. A relação durou três anos, período no qual teve uma filha.
“Eu nunca o esqueci"
"Eu era muito infeliz. Me separei e fiquei mais 6 anos sozinha. Tinha notícias do Hugo, sabia que ele estava com alguém, e quando eu perdi totalmente a esperança de reencontrá-lo, casei de novo. Fui novamente muito infeliz por 17 anos, sempre tendo o Hugo no meu pensamento, porque eu sempre amei esse homem. Eu nunca o esqueci", garante.
Legenda: Romance teve direito a troca de alianças; crédito: Renato Stockler
Ressentido com o que havia ocorrido no passado, Hugo preferiu a distância e se abster de qualquer notícia de Rosângela. "Por muito tempo, ela não fez parte de nenhuma lembrança boa. Eu não sabia se estava casada, se não estava, se tinha filhos, onde morava. Realmente, não me preocupei com isso", admite.
"Eu não tinha mais graça na vida"
Foram quase quatro décadas com limitados contatos, ora um telefonema, ora um esbarro nas redes sociais. Rosângela se via cada vez mais sozinha e triste. Sofreu outro grande abalo com a morte do pai, em 2014. "Eu não tinha mais graça na vida", lembra.
Ela confessa que chegou a cogitar suicídio. "Um dia, ajoelhei no meu quarto e pedi a Deus que pusesse algo de bom no meu caminho, para que eu voltasse a ter alegria de viver. Eu tinha uma tristeza muito grande no meu coração", relata.
O recomeço
No segundo mês de 2017, o telefone de Rosângela tocou. Era Hugo. Poucos dias antes, ele havia recebido uma mensagem dela no LinkedIn, com um pedido de ajuda para trabalho. O número do telefone constava no currículo arquivado no inbox da rede social.
"Resolvi ligar, não pensando em encontrar o amor antigo, mas para que ela me explicasse o que tinha acontecido no passado para ter feito o que fez", relata ele, que na ocasião já estava fora do segundo casamento.
“Era como se tivesse voltado no tempo"
No outro lado da linha, o coração de Rosângela batia forte. "Eu estava parecendo uma adolescente. Desliguei, saí para comprar roupa nova, fui ao cabeleireiro, tudo para vê-lo. Era como se tivesse voltado no tempo", detalha.
O casal se reencontra. E o clima foi mágico. Da conversa para o beijo, do beijo para a noite juntos e, quando perceberam, o sentimento adormecido estava forte o suficiente para acertarem os ponteiros e passarem toda a história a limpo. Com os corações a mil, decidiram que era hora de dar mais uma chance ao amor.
Legenda: Rosangela e Hugo se casaram, após 37 anos de separação; crédito: Arquivo pessoal
O casamento aconteceu quase um ano depois, numa cerimônia no civil, reunindo as pessoas importantes para o casal – filhos, netos, mães e amigos próximos. Surgiram alguns obstáculos? Surgiram, sim, contornados sabiamente pelo casal. "Nada supera o amor, nem intriga, nem fofoca, nem ciúme, nem o tempo, porque foram 38 anos de um amor em silêncio", frisa a apaixonada Rosângela.
“Essa é a coroação de um sonho de jovens”
O marido, feliz com o casamento, vê a sucessão de fatos como uma experiência necessária para o amadurecimento deles como pessoas e como casal. "Temos menos tempo para viver juntos e queremos viver de uma maneira boa. Essa é a coroação de um sonho de jovens, de uma amargura de adultos e que agora está sendo uma fase de doçura de velhos", compara.
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