Os primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus no Brasil datam de fevereiro deste ano. De lá pra cá, mais de 1,1 milhão de pessoas já foram infectadas pelo vírus, e outras 53 mil perderam suas vidas para a Covid-19.
Cientistas de todo o mundo ainda tentam descobrir uma cura para a doença. Enquanto isso, laboratórios oferecem todos os dias novos métodos para a testagem da infecção pelo vírus. Até o começo de junho, 134 registros de testes para coronavírus foram concedidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sendo 106 importados, a maioria de países asiáticos.
Mas qual seria o melhor? Isso pode variar dependendo da situação? Para responder essas e outras perguntas, o portal do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon foi conversar com o doutor em ciências farmacêuticas e CEO da Contraprova Diagnósticos, Fábio Alonso. Leia abaixo a entrevista na íntegra.
Testes para coronavírus
Quantos testes para coronavírus existem hoje no mercado e como eles são divididos?
Fábio Alonso: Os testes são divididos em duas categorias. Os moleculares, que são considerados padrão ouro pela OMS, e os testes que detectam anticorpos, também conhecidos como testes sorológicos.
Qual seria o melhor?
F.A.: O teste mais adequado para o momento que a gente vive é o exame molecular, padrão OMS, que é chamado de RT-PCR.
Qual a diferença?
F.A.: Ele detecta a presença do vírus na cavidade nasal ou na garganta (orofaringe) dos pacientes. A gente faz uma coleta com SWAB e no laboratório a gente faz a extração do material genético do vírus, amplifica a quantidade de material genético do vírus e detecta esse material. É o único teste que consegue dizer se a pessoa tem ou não o vírus.
E os exames sorológicos?
F.A.: Os exames sorológicos detectam anticorpos, a resposta do indivíduo em relação ao vírus. E aí a gente vai ter 3 testes sorológicos principais: o teste rápido - que é aquele que fura a ponta do dedo e, com uma gota de sangue, fazemos uma leitura visual - e os exames laboratoriais através de sangue venoso, que são divididos em duas técnicas principais: a quimioluminescência e o Elisa. Nesses dois, você precisa coletar uma certa quantidade de sangue e, através do soro do paciente, você detecta a produção de anticorpos. Ou seja, você está olhando o passado do paciente e se ele produziu anticorpos de proteção.
Mas como esses exames funcionam?
F.A.: Os anticorpos que a gente detecta nos exames sorológicos, sejam empregados em teste rápido, Elisa ou quimioluminescência, são três: os anticorpos de fase aguda, conhecidos como IgA ou IgM, e os anticorpos de memória, a IgG (imunoglobulina). Depois de aproximadamente 15 dias do aparecimento dos sintomas, o organismo começa a produzir e a permitir a detecção das IgMs e das IgAs, que são os anticorpos da fase aguda e que são produzidos primeiro. Em paralelo, as IgGs começam a ser produzidas e alcançam a concentração máxima cerca de 40 dias após a infecção pelo vírus. E essas IgGs que conferem uma memória imunológica, uma relativa imunidade, que ainda está sendo estudada, contra o coronavírus.
Você quer dizer que é possível que uma cura surja daí?
F.A.: Ainda não temos estudos conclusivos em relação a isso. O que a gente está observando na prática é que alguns indivíduos estão produzindo anticorpos rapidamente após a infecção e alguns estão levando tempos bem maiores, cerca de 40 dias após a infecção. Então a detecção da presença de anticorpos vai variar de indivíduo para indivíduo.
E qual seria o melhor teste disponível hoje no mercado?
F.A.: Considerando que a pesquisa de anticorpos está olhando o passado e não o presente, a aplicação desses testes como forma de verificar se a pessoa está infectada não é a mais adequada. Somente o PCR é que vai dizer se a pessoa tem o vírus ou não.
E uma pessoa que fez esse teste e recebeu o resultado positivo?
F.A.: O fato de ter um resultado positivo para anticorpos não pode ser considerado positivo para a presença do coronavírus naquele momento. Então ele não é o teste mais adequado pra gente fazer a identificação e o isolamento desses indivíduos infectados. E o que a gente tem visto no país é a aplicação indiscriminada de testes rápidos e, a partir desses resultados, medidas estão sendo tomadas. Não é a política mais correta.
E qual seria a medida correta a seu ver?
F.A.: O que os estados deveriam estar fazendo é testando através do PCR. Testa, identifica e isola os indivíduos que estão com o vírus ativo. Isso sim é uma política eficaz pra gente combater a pandemia.
Qual o grau de confiabilidade do PCR?
F.A.: Em relação à sensibilidade, como eu disse, para detectar a presença do vírus, só o PCR. Eu diria que a presença de falso positivo tende a zero. É um teste extremamente sensível que segue protocolos rígidos de validação e é muito específico.
Cem por cento de precisão?
F.A.: O falso negativo no PCR é possível, mas ele está muito mais relacionado a um problema na hora da coleta ou no transporte da mostra do que na técnica em si. Dos exames sorológicos, o mais sensível é o Elisa, que ficou conhecido como a técnica empregada para a detecção de indivíduos infectados pelo HIV e hoje é o que a gente tem no mercado de mais sensível para a detecção de anticorpos contra o coronavírus. Em termos de sensibilidade, após o Elisa, a gente tem a quimioluminescência, que tem uma boa sensibilidade, mas não é o mais sensível. E o menos sensível de todos é o teste rápido que, além de ter limitações da técnica em si, envolvendo a própria leitura do resultado, muitas vezes por pessoal não habilitado, a gente tem diversos relatos, tanto na imprensa quanto na literatura, de testes com baixíssima qualidade, principalmente os testes oriundos da China. Testes com 80% dos resultados considerados falsos negativos.
O senhor então não indicaria a realização de teste rápido?
F.A.: De todos eles, o teste rápido é o menos sensível e o mais arriscado para ser aplicado nesse momento que a gente vive de pandemia.
E como está o Brasil em relação aos outros países?
F.A.: Passado esse primeiro momento de crise e de desabastecimento global de insumos para análise de detecção da Covid-19, de anticorpos, o Brasil hoje já conta com todo o arsenal laboratorial para fazer qualquer tipo de análise, seja o exame molecular ou o sorológico. Aqui no nosso laboratório mesmo a gente já faz desde o início de abril o exame molecular e o sorológico por Elisa.
Quantos exames o seu laboratório realiza por dia?
F.A.: Atendemos apenas a região metropolitana do Rio de Janeiro. Fazemos uma média de 1000 exames por dia.
E a par de todos esses resultados, o senhor diria que os números apresentados pelo governo do estado batem com a realidade ou o problema pode ser muito pior?
F.A.: Temos absoluta certeza de que há sub-notificação de casos por conta da quantidade de testes que estão sendo aplicados. O Brasil ocupa uma posição pouco privilegiada na testagem em relação a milhão de habitantes. Então a gente estima que os casos reportados sejam 5 a 10 vezes menores do que os casos reais. Isso ainda vaia aparecer mais pra frente, quando os exames sorológicos detectarem quem teve exposição ao vírus e não desenvolveu a doença.